sábado, 26 de dezembro de 2015

Viver no Rio é bom, mas é uma merda

Mariliz Pereira Jorge: É bom, mas é ruim

Há no Rio um restaurante simples, mas com comida fantástica, um dos programas mais agradáveis de se fazer na cidade. Cariocas da zona sul desconhecem ou ignoram porque fica na Barra da Tijuca. Para os cariocas da zona sul a Barra não é o Rio.

Meus pais estão na cidade para as festas de fim de ano e hoje, enquanto você lê esta coluna, devo estar a caminho do Bar do Cícero, esse achado na Ilha da Gigoia, na Lagoa da Tijuca, no começo da Barra.

Todo mundo que eu arrasto sai maravilhado com os pasteizinhos de camarão, de lagosta e de siri, as moquecas e peixes grelhados, cervejas geladíssimas, caipirinhas saborosas e preços que não provocam azia.

O caminho feito de barquinho (R$ 4) mostra casas luxuosas entre moradias simples, uma vista espetacular da pedra da Gávea, espaços de festas, clubes náuticos, tudo banhado pela luz do sol que reflete na água e deixa tudo com jeitão de paraíso.

Seria maravilhoso, não fosse um detalhe: as águas fétidas. Cocô para todo lado. Então, sempre me vejo avisando de antemão que o passeio é bom, mas tem esse porém. Percebi que ao me deparar com certas situações me baixa o santo do Tom Jobim e lá estou repetindo que tal coisa é boa, mas é uma merda.

Essa região fazia parte do compromisso de despoluição assumido pelo governo estadual, assim como o Complexo Lagunar de Jacarepaguá, a Lagoa Rodrigo de Freitas e a Baía da Guanabara. Você sabe o que aconteceu.

As pessoas continuam morando à beira do cocô, praticando esportes no meio do cocô, passeando de barco sobre o cocô. Porque a maioria das coisas no Rio de Janeiro ou é abandonada ou feita nas coxas.

Viver no Rio é resumidamente isso, bom, mas uma merda. E eu me vejo o tempo todo me desculpando pelas cagadas que transformaram a cidade nesse caos paradisíaco.

Queria muito acreditar que um evento como a Olimpíada deixará legado maior do que uma região revitalizada, um novo museu, complexos esportivos. De que adianta tudo isso se o básico não é resolvido?

Os hospitais estaduais colapsam, e o governo, o mesmo que disse que limparia as águas da cidade, diz que a culpa é da desaceleração da economia. Mas, veja só, no ano de grana curta o mesmo governo aumentou de 613 para 689 o número de cargos comissionados, onerando a folha de pagamento em R$ 324 mil, segundo reportagem do RJTV.

Na mesma semana, o Museu do Amanhã abre as portas e a imagem que fica da inauguração é que um dos maiores problemas do brasileiro é a educação – ou a falta dela.

Passando pela favela da Rocinha, meu pai, que não vinha ao Rio fazia 35 anos, diz que cresceu, mas continua igual. Conto que a área ganhou complexo esportivo, passarela desenhada por Niemeyer, unidade pacificadora. Bom, não é mesmo?

Bom, mas continua com o “valão” de esgoto numa das vias principais, que deságua todinho na praia de São Conrado. Deve ser inaugurado um teleférico. Quem precisa de esgoto quando se ganha um teleférico?

E assim a gente segue, entre um museu moderno aqui, uma estação nova de metrô acolá, hospitais falidos, praias que fedem, povo mal educado, pobres de um lado do túnel, ricos do outro, cervejas geladas, corridas na orla, pôres do sol, enquanto o evento esportivo mais importante do mundo bate a nossa porta.

Vai ser bom? Vai. Mas as coisas aqui vão continuar uma merda.


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