Da Midia Sem Máscara.
Em tempos de disputa na Ordem dos Advogados do Brasil, tenho
me lembrado dos inúmeros depoimentos sobre o exercício da advocacia, ouvidos ao
longo da vida, que me remetem a uma imagem bastante desfavorável de uma
profissão que pode ser tão importante para construirmos um verdadeiro Estado de
Direito.
Os “causos”, as piadas, os chistes sobre advogados são
abundantes e sempre nos transmitem um conteúdo que tem como foco a esperteza, a
malícia, a ardileza e, ao fim e ao cabo, a falta de limites para a ação
profissional. Esse tipo de imaginário sobre a natureza e/ou o modus operandi
dos profissionais da advocacia tem uma profunda importância sociológica, pois é
produto de uma longa experiência.
Pois bem, parece uma unanimidade, não somente no imaginário
popular, que qualquer causa e qualquer cliente é defensável. Afinal, todos têm
direito a um advogado para que a justiça seja aplicada de forma adequada.
Lembremos de dois ou três casos.
Qual foi o comportamento dos criminalistas brasileiros,
entre eles, Márcio Thomaz Bastos, também apelidado modestamente de “God”,
durante o processo do Mensalão? Qual tem sido o comportamento dos criminalistas
nesse processo do Petrolão? Como tem se comportado o exército de advogados do
PCC Brasil afora?
Outro dia, Almir Pazzianotto Pinto, advogado do sindicato
dos metalúrgicos de São Bernardo na época de Lula, contou que o Apedeuta costumava alertá-lo, já naquele tempo,
que “não queria advogado para dizer o
que eu [Lula] tenho que fazer. Eu quero advogado para me livrar depois que eu
fizer.” O problema é que esse tipo de raciocínio não é exclusividade das
mentalidades delinquentes, mas, infelizmente, de uma infinidade de
profissionais da advocacia.
O próprio Márcio Thomaz Bastos, em artigo na Folha de São
Paulo, chegou a defender que “Não há exagero na velha máxima: o acusado é
sempre um oprimido”. E ainda afirmou:
“Ao zelar pela independência da defesa técnica, cumprimos
não só um dever de consciência, mas princípios que garantem a dignidade do ser
humano no processo. Assim nos mantemos fiéis aos valores que, ao longo da vida,
professamos defender. Cremos ser a melhor maneira de servir ao povo brasileiro
e à Constituição livre e democrática de nosso país.”
Naquela altura, “God” já havia feito de tudo para livrar a
cara dos petistas no processo do Mensalão e já estava “de corpo e alma” em
outra causa nobre, defender o pio Carlinhos Cachoeira, mais um “oprimido pela
justiça”.
A pergunta para refletirmos é: uma defesa jurídica é só um
artefato técnico ou haveria algo mais a ser perseguido?
O grande Heráclito Fontoura Sobral Pinto, um dos maiores
brasileiros da história, pode nos ajudar a responder essa questão. Atentemos
para o que diz essa avis rara do direito nacional:
“O primeiro e mais fundamental dever do advogado é ser o
juiz inicial da causa que lhe levam para patrocinar. Incumbe-lhe, antes de
tudo, examinar minuciosamente a hipótese para ver se ela é realmente defensável
em face dos preceitos da justiça. Só depois de que eu me convenço de que a
justiça está com a parte que me procura é que me ponho à sua disposição”.
Sigamos com o jurista católico:
“A advocacia não se destina à defesa de quaisquer
interesses. Não basta a amizade ou honorários de vulto para que um advogado se
sinta justificado diante de sua consciência pelo patrocínio de uma causa. O
advogado não é, assim, um técnico às ordens desta ou daquela pessoa que se
dispõe a comparecer à Justiça. O advogado é, necessariamente, uma consciência
escrupulosa ao serviço tão só dos interesses da justiça, incumbindo-lhe, por
isto, aconselhar àquelas partes que o procuram a que não discutam aqueles casos
nos quais não lhes assiste nenhuma razão”.
Por fim, mais uma dose de decência:
“É indispensável que os clientes procurem o advogado de suas
preferências como um homem de bem a quem se vai pedir conselho. Orientada neste
sentido, a advocacia é, nos países moralizados, um elemento de ordem e um dos
mais eficientes instrumentos de realização do bem comum da sociedade”.
Que o espírito de Sobral Pinto ilumine as consciências que
ainda acreditam que a advocacia não é somente uma “técnica de caça a tesouros”,
mas uma dimensão ética da própria vida republicana.
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