Jorge Béja, na Tribuna da Internet
Uma questão fundamental passou despercebida ontem no STF,
quando o plenário terminou de colher o voto de seus 11 integrantes e proclamou
o resultado do julgamento da ação de Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental (ADPF) proposta pelo PCdoB contra a Lei do Impeachment. É até
compreensível que não tenha sido notada. Afinal de contas, na história do STF e
de todo o Judiciário nacional, nenhuma outra ação foi tão rapidamente julgada.
Começou e terminou em sete dias. Nem nos Juizados Cíveis Especiais (pequenas
causas) os processos tramitam tão rápido. E foi processo mais do que complexo.
Envolveu vários temas constitucionais de alta indagação,
arguidos em petição com 74 páginas, e opostos em face de grande número de
partes e com múltiplos pedidos. E cada uma dessas partes se fez presente, sem
protelação e todos com seus advogados. Tudo seguiu rigorosamente dentro da
legalidade. Não o ocorreu o menor prejuízo para que todos pudessem exercitar o
amplo direito de defesa, escrita e oral. Foi histórico, eloquente e didático.
Quem viu, muito aprendeu. Como seria bom se na Justiça todos os processos
fossem assim! Nem era preciso que fossem tão rápidos.
Tudo foi perfeito. Ou quase perfeito. Isto porque caso a
decisão de ontem do STF fique como ficou, a votação secreta da Câmara que
elegeu a Comissão Especial formada pela chapa 2 (chapa avulsa) não foi
alcançada nem desfeita pelo resultado do julgamento da ADPF que decidiu pelo
voto aberto. O subtítulo da manchete de hoje do O Globo diz “comissão eleita na
Câmara por voto secreto é anulada”. Não, não foi.
Digo agora, neste artigo da Tribuna da Internet, que aquela
votação ainda se mantém, hígida e válida. Nem precisa ser repetida, com nova
votação, às claras. Pode até parecer heresia essa afirmação, mas não é. Tudo
por causa de um detalhe, de um pedido do PCdoB que passou despercebido pelos
ministros do STF e que ficou pendente de exame e decisão.
As decisões proferidas em ação de Arguição de Descumprimento
de Preceito Fundamental (ADPF) têm efeito imediato. Valem desde o momento que a
votação é encerrada. Nem precisa aguardar que o acórdão (decisão por inteiro)
seja lavrado (redigido e assinado). É o que diz o artigo 10, parágrafo 1º, da
Lei nº 9882/98 que cuida especificamente da tramitação desta ADPF: “O
presidente do Tribunal determinará o imediato cumprimento da decisão,
lavrando-se o acórdão posteriormente”. Portanto, a eficácia, o cumprimento do
que ficou decidido no julgamento é instantâneo.
Porém, para o futuro. Vale dali em diante. É o natural
efeito “ex nunc”. Para que retroaja e alcance os atos já praticados em
processos em curso, é fundamental e imprescindível que o Tribunal disponha a
respeito da modulação temporal dos efeitos do julgamento. E isso não aconteceu.
Passou despercebido. Em nenhum momento, o ministro-relator e seus pares
examinaram e decidiram a respeito desse pedido, expressamente formulado na
petição no PCdoB.
Lá está, na letra “a” no item 97 da página 69, na letra “k”
da página 71 e na letra “p” da página 73, reiteradamente pedido que fosse
emprestado efeito “ex tunc” (retroativo) à decisão da Corte “abrangendo os
processos em julgamento”. Vi e ouvi pela televisão todas as duas sessões
(quarta e quinta), por inteiro. E não vi nem ouvi nenhum ministro levantar e
debater tão importante questão. Nem na proclamação do resultado final o
ministro-presidente a ela fez menção. E para que o efeito da decisão
retroagisse (“ex tunc”) e alcançasse os atos já praticados em processos em
curso, a lei 9882/99 exige pronunciamento a respeito, como previsto no seu
artigo 11. Caso contrário, só vale para o futuro.
Logo, pela omissão a respeito de tão importante e crucial
pedido expressamente formulado pelo PCdoB (se a decisão de ontem do STF tivesse
o automático efeito retroativo, os talentosos advogados do PCdoB que produziram
tão exuberante peça nem precisavam fazer tal pedido, por sua própria
desnecessidade ), a votação secreta que elegeu a chapa 2 para formar a Comissão
Especial de que trata o artigo 19 da Lei do Impeachment até agora continua
válida, por causa da lacuna, da omissão do STF em não ter fixado o efeito
retroativo (“ex tunc”) para abranger o processo de impeachment que corre na
Câmara dos Deputados.
A omissão, se percebida pelo PCdoB e/ou por qualquer outra
parte que integra do processo, ainda pode ser corrigida em 5 dias, através da
oposição dos chamados Embargos de Declaração. Depois disso e sem embargos nesse
sentido, nada mais poderá ser feito. Nem ação rescisória, visto que contra
decisão que julga procedente ADPF não cabe rescisória. Aliás, não cabe recurso
algum. A decisão é irrecorrível, diz o artigo 12 da Lei 9882/99.
Será que os advogados dos partidos de oposição observaram isso também?
ResponderExcluirEspero que sim, Carlos. Béja é um dos mais competentes juristas que eu conheço e, se a oposição não se tocou, esse artigo certamente vai despertar esses merdas.
ExcluirMas esse artigo não vai alertar o PCdoB para entrar com embargos?
ExcluirAlgo que não vi ninguém comentar, ou melhor, questionar, é o seguinte: se a decisão é retroativa e anula a votação secreta da comissão, o que acontece com as outras comissões da Câmara e do Senado?
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