Spotniks
Criada durante o governo Collor, a Lei Federal de Incentivo
à Cultura, que mais tarde ficaria conhecida pelo nome do Secretário da Cultura
à época, Sérgio Paulo Rouanet, é o principal mecanismo de financiamento e
incentivo à cultura do país.
Através de renúncia fiscal, empresas públicas e privadas e
pessoas físicas podem patrocinar projetos culturais e receberem o valor em
forma de desconto no imposto de renda. Ou seja, os cofres públicos deixam de
receber parte daquele dinheiro em troca de um patrocínio cultural, uma forma de
“terceirizar” um repasse de recursos federais.
Para que uma pessoa ou empresa possa doar, no entanto, o
projeto visado precisa antes ser aprovado pelo Ministério da Cultura (MinC). E
é nesse ponto que as coisas se perdem entre diversos casos estranhos de
aprovação de valores astronômicos para projetos pífios ou de repasses que
acabam sendo uma forma de bancar patrocínio privado com dinheiro público. Ou de
projetos de grande porte que teoricamente não precisariam do auxílio, aprovados
pelo Ministério.
Não por acaso, no primeiro governo Dilma, 3% das propostas
levaram 50% dos incentivos, um cenário que só contribui para a concentração
cultural do país, enquanto pouco incentiva projetos menores.
Se o atual modelo possui falhas, as alternativas não são lá
muito convincentes.
O atual Ministro da Cultura, Juca Ferreira, acredita que a
Lei é “o ovo da serpente neoliberal” por permitir a renúncia fiscal total dos
valores destinados à cultura e defende que esse valor diminua para 80% – algo
que desestimularia as doações, já que outros mecanismos legais permitem
renúncias de até 125% para outros projetos específicos.
Apesar da solução proposta, o maior problema – as aprovações
descabidas – continua. Não só aprovações, como também reprovações,
especialmente por motivos políticos: em 2014, o MinC recusou um projeto de um
documentário sobre o ex-governador paulista tucano Mário Covas, por conta do
ano eleitoral. Mesmo assim, em 2006, outro ano eleitoral, dois projetos sobre
Leonel Brizola foram aprovados. E o pior: ambos receberam uma verba milionária
de estatais.
Diante de tantos problemas, listamos aqui 12 casos de
aprovações, no mínimo, bizarras da Lei Rouanet. A lista conta com patrocínios
para artistas renomados, eventos de luxo e até um caso de aprovação sem
conhecimento do artista.
1) O Vilão da
República – R$ 1,5 milhão
Valor aprovado: R$
1.526.536,35
Tipo: Filme
Ano: 2013
“O Vilão da República” é um documentário que contará a
história e a vida de José Dirceu,
desde sua participação em movimentos guerrilheiros, passando por sua história
pela via partidária até a sua condenação a 10 anos e 10 meses de cadeia por
corrupção, em 2012.
O alto valor aprovado para a captação de recursos pelo
Ministério, porém, ficou só no papel: o projeto não recebeu apoio de nenhuma
empresa.
2) DVD de MC Guimê –
R$ 516 mil
Produção: Maximo Produtora Editora e Gravadora Ltda
Valor aprovado: R$
516.550,00
Tipo: DVD musical
Ano: 2015
O funkeiro MC Guimê, apesar de faturar, segundo estimativas,
R$ 300 mil por mês, foi autorizado a captar R$ 516 mil para a produção de um
DVD, que será gravado durante um show na cidade de São Paulo. A filmagem será
distribuída em 3 mil discos, dos quais 80% serão vendidos pelo preço de R$ 29.
Da apresentação musical, 40% dos ingressos serão distribuídos gratuitamente,
40% serão vendidos pelo preço de R$ 50 e o restante será divido entre os
patrocinadores e a população de baixa renda.
3) O Mundo Precisa de
Poesia – R$ 1,3 milhão
Produção: Maria Bethânia
Valor aprovado
1.356.858,00
Tipo: Blog
Ano: 2011
Possivelmente um dos blogs mais caros do mundo, “O Mundo
Precisa de Poesia” tinha a intenção de levar diariamente uma nova poesia, lida
em vídeo, por Maria Bethânia durante um ano. Para a execução desse projeto, o
Ministério da Cultura aprovou a captação de até R$ 1,35 milhão em verbas
através da Lei Rouanet, mas após as críticas, a cantora desistiu da produção.
4) Turnê Luan
Santana: Nosso Tempo é Hoje Parte II – R$ 4,1 milhões
Produção: L S Music Produções Artísticas Ltda (Luan Santana)
Valor aprovado: R$
4.143.325,00
Tipo: Shows ao vivo
Ano: 2014
Apesar da Lei Rouanet ter sido criada com o intuito de
auxiliar artistas menores com pouca visibilidade, na prática as coisas
funcionam um pouco diferente.
Em 2014, o Ministério da Cultura aprovou um incentivo de 4,1
milhões para a realização de uma turnê de Luan Santana em diversas cidades do
país, dos 4,6 milhões solicitados pela equipe do cantor. Entre as
justificativas para aprovação, o Ministério alegou “democratizar a cultura” e
“difundir raiz sertaneja pela música romântica”.
5) Turnê Detonautas –
R$ 1 milhão
Valor aprovado: R$
1.086.214,40
Tipo: Shows ao vivo
Ano: 2013
Em meio a polêmicas por conta do valor destinado a uma banda
reconhecida nacionalmente, o projeto não chegou a captar nenhum valor de fato.
6) Shows Cláudia
Leitte – R$ 5,8 milhões
Produção: Produtora Ciel LTDA
Valor aprovado: R$
5.883.100,00
Tipo: Shows ao vivo
Ano: 2013
Outro famoso autorizado a captar recursos pelo Mecenato do
Ministério da Cultura, Cláudia Leitte foi aprovada para captar quase R$ 6
milhões pelo programa para a realização de 12 shows em cidades das regiões
Norte, Nordeste e Centro-Oeste em 2013. Em meio a críticas, a cantora acabou
recebendo “somente” 1,2 milhão de reais em apoio.
E os escândalos em torno desse projeto não assustam só pelos
valores: segundo o jornal O Dia relatou na época, a produtora Ciel possuía
diversas dívidas, assim como outras empresas da cantora, que teria montado um
esquema com diversos CNPJs para conseguir a aprovação do MinC para a captação
de verbas.
7) Filme Brizola,
Tempos de Luta e exposição Um brasileiro chamado Brizola – R$ 1,9 milhão
Produção: Extensão Comunicação e Marketing Ltda
Valor aprovado: R$
1.886.800,38
Tipo: Exposição e Filme
Ano: 2006
Ao mesmo tempo que negou o patrocínio ao filme sobre Mário
Covas, citado no início do texto, por motivos de proximidade das eleições, o
Ministério da Cultura aprovou, em 2006, ano de eleição, dois projetos sobre a
vida de Leonel Brizola, histórico militante do PTB, conduzidos pela Extensão
Comunicação e Marketing, que somam 1,88 milhão de reais.
Desse valor, “somente” R$ 1.052.100 foram efetivamente
captados. Entre as empresas que apoiaram financeiramente o projeto estão as
estatais Petrobras (R$ 592 mil), Eletrobras (R$ 300 mil) e CEEE (R$ 50 mil).
8) Peppa Pig – R$ 1,7
milhão
Produção: Exim Character Licenciamento e Marketing Ltda
Valor aprovado: R$
1.772.320,00
Tipo: Teatro infantil
Ano: 2014
Até mesmo a porquinha britânica está na lista dos aprovados
para captar recursos da lei. Mesmo sendo personagem de um dos desenhos mais
famosos da TV por assinatura, o espetáculo “Peppa Pig” foi autorizado pelo
Ministério da Cultura a captar quase 1,8 milhão de reais em recursos. E não
pense que é uma obra de caridade: segundo a ficha apresentada pelos produtores,
apenas 10% dos ingressos serão distribuídos gratuitamente.
9) Concertos aprovados
sem o conhecimento do maestro João Carlos Martins: R$ 25 milhões
Produção: Rannavi Projeto e Marketing Cultural
Valor aprovado: R$
25.319.712,98
Tipo: Concerto musical
Ano: 2013
Já pensou ser aprovado para receber mais de 25 milhões de
reais sem precisar mover um dedo para isso? Foi o que aconteceu com o maestro
João Carlos Martins, em 2013.
Em novembro daquele ano, dois projetos envolvendo o músico
foram aprovados para captarem um valor total de R$ 25,3 milhões pelo Ministério
da Cultura. A Folha de São Paulo percebeu a aprovação e entrou em contato com o
músico para saber maiores detalhes das apresentações. Foi só então que maestro
descobriu que tinha sido aprovado para uma captação de recursos através da Lei
Rouanet, a qual ele não havia solicitado.
Diante da situação embaraçosa, o maestro solicitou o
cancelamento da captação de recursos junto ao órgão. Mais tarde, investigações
mostraram que a empresa solicitante, Rannavi Projeto e Marketing Cultural,
havia feito o pedido sem o consentimento do maestro. A empresa também possuía
dados duvidosos e não havia repassado documentos que comprovassem a sua relação
com os projetos do maestro e com outros dois projetos solicitados ao MinC.
10) Painel Artístico
Club A São Paulo – R$ 5,7 milhões
Produção: ZKT Restaurante, Bar, Teatro, Buffet e Eventos
Ltda (Club A)
Valor aprovado: R$
5.714.399,96
Tipo: Música “Popular”
Ano: 2013
Outra bizarrice aprovada em 2013 pelo Ministério da Cultura,
conforme noticia a Veja SP: 5,7 milhões de reais para a realização de “um
painel artístico de difusão cultural nos segmentos da música, dança e artes
cênicas” no Club A, em São Paulo. O clube da elite paulistana, que tem como
ex-sócio Amaury Jr., faria uma lista com pessoas selecionadas para participar
do evento. Quem não tivesse o nome na lista precisaria pagar R$ 160 para
entrar.
Ironicamente, o projeto caríssimo e requintado da casa foi
aprovado no segmento “Música Popular” para captar até 5,7 milhões de reais para
a realização do painel, mas nenhum valor foi de fato captado pelos
organizadores.
11) Shrek, O Musical
e Turnê – R$ 17,8 milhões
Produção: Kabuki Produções Artísticas Ltda
Valor aprovado: R$
17.878.740,00
Tipo: Teatro
Ano: 2011 e 2012
A produção acima custou R$ 11,3 milhões – a captação de
recursos não atingiu o limite aprovado. Se a foto já deixa algumas dúvidas
sobre a recepção da peça pelo público, a crítica especializada confirma algumas
expectativas: o espetáculo recebeu a nota mínima, 1 de 5, na Veja SP.
E, apesar do aporte multimilionário, os ingressos para a
peça do ogro não saíram de graça, chegando a custar R$ 180 por pessoa.
12) Cirque Du Soleil
– R$ 9,4 milhões
Produção: T4F Entretenimento S.A
Valor aprovado: R$
9.400.450,00
Tipo: Teatro
Ano: 2005
Durante sua passagem pelo Brasil em 2005, o canadense Cirque
Du Soleil, maior produtor teatral do mundo, foi aprovado para captar até R$ 9,4
milhões em recursos através da Rouanet. O valor foi quase totalmente captado e
recebeu aporte de empresas como Bradesco e Gol, que depois puderam solicitar o
valor como desconto no pagamento de impostos, segundo o funcionamento da Lei.
O problema: estas empresas também fizeram marketing e
colocaram sua marca nos kits de divulgação do evento e em algumas partes do
espetáculo. O valor aprovado pelo MinC também é questionável quando levado em
conta o preço dos ingressos, que chegavam a custar mais que o salário-mínimo da
época.
No final, o seu dinheiro foi indiretamente utilizado para
financiar um patrocínio privado e um dos espetáculos circenses mais caros do
mundo. Que você também teria que pagar, caso quisesse assistir.
Pergunto porque não sei a resposta. Os filmes sobre Chico Xavier e Allan Kardec não foram beneficiados com a Lei Rouanet?
ResponderExcluirNão sei, Milton, mas o do Chico Xavier é pule de dez que sim!
ExcluirO melhor que consegui encontrar foi isso:
Excluirhttp://www.leandroecia.com.br/noticias/cinema-brasileiro-comeca-a-virar-um-bom-negocio/
Fala que Tropa de Elite e Nosso Lar não recorreram às Leis, receberam dinheiro de investidores que ficam com 50% da renda. Mas não dá nenhuma informação sobre como o investimento acontece na contabilidade do investidor.
"Talvez seja apenas uma casualidade, mas sua filha Ana Luiza, que recentemente decidiu fechar as portas de seu sofisticado restaurante em São Paulo, foi contemplada com R$ 512 mil via Lei Rouanet para a publicação de um livro de receitas".
ResponderExcluirhttp://www.oantagonista.com/posts/a-receita-trajano
A publicação de um livro com 500 páginas deve custar R$ 10,00 por exemplar. As editoras costumam publicar a primeira edição com mil exemplares para autores não famosos e até 10 mil para famosos.
Com 512 mil dá para publicar 50 mil exemplares. Qual é o recorde de vendas de livro de receitas?