terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Na Petrobras quem é honesto tem corte no salário

Extraído da Tribuna da Internet e da Folha

Esta entrevista foi publicada em 17 de abril deste ano, antes, portanto, da Operação Lava Jato. O texto circula pela internet e ganha cada vez mais leitura, porque mostra que Graça Foster, antes de ser presidente, já sabia das irregularidades e da atuação de Renato Duque. O texto nos foi enviado pelo sempre atento comentarista Mário Assis. Já havíamos publicado aqui, mas vale a pena ler de novo.

O engenheiro Gesio Rangel de Andrade foi “colocado na geladeira” na Petrobras por se opor ao superfaturamento da obra do gasoduto Urucu-Manaus, na Amazônia. A afirmação é de Rosane França, viúva de Gesio, que morreu há dois anos, vítima de ataque cardíaco.

Segundo ela, pessoas da estatal tentaram constranger seu marido a aprovar aditivos para a obra. Ele não concordou e foi exonerado do cargo, permanecendo por dois anos sem qualquer função.

Os gastos com o gasoduto Urucu-Manaus estouraram todas as previsões. A área técnica estimou a obra em R$ 1,2 bilhão, mas o contrato foi fechado por R$ 2,4 bilhão, após pressão das construtoras.

O gasoduto demorou três anos para ficar pronto e o custo chegou a R$ 4,48 bilhões. A estatal aprovou um aditivo de R$ 563 milhões para um dos trechos, praticamente o valor daquele contrato.

Com 663 quilômetros, o gasoduto transporta gás natural produzido pela Petrobras em Urucu até as termelétricas da Amazônia. O gás substitui parte do óleo diesel queimado pelas usinas, reduzindo o custo da energia.

Gesio era o gerente-geral da obra do gasoduto. Segundo Rosane, o marido alertou Graça Foster, que ocupou o cargo de diretora de Gás e Energia.

A viúva não cita nomes, mas em e-mails enviados aos seus superiores, aos quais a reportagem teve acesso, Gesio reclama da diretoria de engenharia, comandava por Renato Duque, que negociava com as empreiteiras.

A Petrobras informou em nota que o gasoduto é um “empreendimento lucrativo” e que foi preciso “alterar a metodologia de construção devido às condições adversas na Amazônia”. As construtoras não se manifestaram.

O TCU investigou o caso, mas não encontrou indícios de superfaturamento por conta da dificuldade de compará-lo com obras semelhantes. O órgão detectou falhas graves no projeto feito pela engenharia da Petrobras. O caso ainda está em análise.

Ex-funcionária da Petrobras, Rosane França, 56, diz que não sabe de casos de corrupção na estatal, mas que “sempre tinha alguém recebendo uma herança”. A família move ação trabalhista contra a Petrobras. Leia trechos da entrevista:

- Qual é a relação da sua família com a Petrobras?
Entrei para a companhia em 1980 e o Gesio já trabalha lá desde 1976. Casamos em 1986 e tivemos três filhos. Gesio fez carreira na Petrobras e se tornou referência na área de gás natural. Até que foi convidado para ser o gerente do gasoduto Urucu-Manaus.

- O que aconteceu?
Foram realizadas três licitações. Duas foram canceladas por preços excessivos cobrados pelas construtoras, e a terceira foi feita à revelia do Gesio. É claro que tinha a pressão das empreiteiras, mas quando profissionais da sua empresa dizem que você tem que aceitar, é pressão interna. Ele recebia recados de que o projeto não andava por causa dele e algumas decisões foram impostas.

- Por que Gesio era contra aditivos para a obra?
O preço que a Petrobras aceitou já estava superfaturado. Era mais caro do que fazer gasoduto na Europa com alemão trabalhando. Como ele ia assinar algo que seria contestado pelo TCU?

- Quem estava pressionando o Gesio dentro da Petrobras?
Não vou citar nomes.

- Ele soube de corrupção?
É claro que eu ouvia desabafos. Nunca soubemos de um caso de corrupção, mas é lógico que você percebe que fulano viaja com os filhos para fora do país três vezes por ano. Sempre tinha alguém recebendo uma herança.

- Gesio foi exonerado do comando da obra do gasoduto no fim de 2007. Por quê?
Ele foi exonerado no meio da noite, quando o diretor de gás e energia [Ildo Sauer] saiu e antes do sucessor [Graça Foster] entrar. Ele ficou como consultor informal da nova diretoria por alguns meses até que foi afastado de vez.

- Gesio alertou seus superiores –Ildo Sauer e Graça Foster– do que estava ocorrendo?
Sim. O primeiro fazia parte da tropa de choque que queria brecar o superfaturamento da obra. Depois, ele informou o que estava ocorrendo para a nova diretoria.

- O salário dele caiu? O que aconteceu com o padrão de vida da família?
Foi muito duro. No final, ele recebia 50% a menos. Foi nessa época que entramos com um processo na Justiça do Trabalho. Morávamos num apartamento alugado, mas tivemos que voltar para o imóvel que ele vivia quando era solteiro. Não sobrava dinheiro para trocar de carro. Ele chegava no estacionamento da Petrobras e o pessoal ficava sacaneando. “E aí, Gesio? Não vai trocar de carro? Tá na hora.”

- Por que ele não preferiu ignorar os problemas?
Ele era honesto. Era um homem humilde, que foi educado para ser honesto e sofreu muito por isso. Encontrou muitas pessoas que não eram assim. Ele queria fazer as obras pelo menor preço e foi colocado na geladeira.

- Você pretende mover outro processo contra a Petrobras?
Ele pretendia processar a empresa por danos morais quando se aposentasse. Como o caso começou a vir à tona, estamos estudando essa possibilidade.

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