quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Minha historinha deste Natal

Antes de mais nada, sou um “antidatista”. Eu diria que uma parcela dos que não suportam o Natal é por uma questão quase genética, um gene “antidatismo”, que muitas vezes se estende para não curtir também o dia de aniversário, o Carnaval, o Dia das Mães, dos Pais e até mesmo o Réveillon.

Apesar de ser quase impossível sublimar completamente tal carga genética nos dias fatídicos, meu Natal não será o mesmo. Aliás ele já aconteceu ontem com direito até a presente.

Há um mês, mais ou menos, eu estava na galeria onde fica meu bureau etílico quando um rapaz, uns dez metros à minha frente, ao tirar seu celular do bolso de trás das calças deixou cair um monte de dinheiro e não se deu conta. Como o dinheiro se espalhou pelo chão - eram notas de 20, 50 e 100 - e se eu parasse para reunir as notas o cara já estaria longe, pisei em cima da grana para nenhum espertinho se aventurar e dei um berro: “Ô rapaz!”. E nada. Repeti: “Ei!”. Nada do cara olhar, entretido que estava ao celular. Quando ele já estava dobrando o corredor para sair, resolvi apelar e gritei a plenos pulmões: “Ô crioulo de branco!”.

Foi aí que o rapaz parou e virou, me olhando atravessado. “É você mesmo, cara. Olha aqui!”, eu disse, e apontei para o dinheiro no chão. Aparentemente ainda não se dando conta do que se tratava, o crioulo foi chegando, meio ressabiado e com cara de poucos amigos. “Você deixou cair”, disse eu. Foi aí que o cara apalpou seu bolso e se deu conta que o dinheiro não estava mais lá.

Já sorrindo ao chegar perto, o rapaz exclamou: “Putz! É o meu salário todo!”. E se abaixou para catar, enquanto se desmanchava em tantas mesuras e agradecimentos que até me deixaram constrangido.

 - Cara, não precisa tanto! Eu não fiz nada, só parei e te chamei.

 - Amigo, qualquer outro levaria essa grana e ficaria na dele. O senhor foi meu santo de hoje - disse o rapaz, visivelmente emocionado e, em meio a mais mesuras e agradecimentos ainda, foi embora e eu fui tomar minha cervejinha de lei, sem me dar conta da importância de tudo aquilo.

O tempo passou e ontem, para variar, eu estava nas minhas libações alcoólicas pré-natalinas, quando o gerente do meu bureau etílico me chamou de longe e disse:

- O rapaz aqui te deixou duas pagas.

Quando eu olhei, era o dito cujo, que me cumprimentou, desejou Feliz Natal e se mandou, sem que eu conseguisse dar uma palavra, deixando na minha memória seu sorriso de gratidão. A ficha tinha caído quando lembrei do “qualquer outro levaria essa grana”.

Não, eu não sou mais qualquer outro, pelo menos para o rapaz. O acaso me levou a fazer parte de um seleto grupo de gente importante para gente a quem não se dá a mínima importância. O reconhecimento desse rapaz me trouxe orgulho, não por uma virtude minha - honestidade não é virtude -, mas por apenas ser correto. Orgulho por ter, ainda que por casualidade, proporcionado um sorriso tão sincero.

Obrigado crioulo de branco!

6 comentários:

  1. Uma bela historia.
    É tao gostoso ser reconhecido.

    Boas Festas para todos. Um grande beijo de longe.

    http://www.youtube.com/watch?v=EvDxSW8mzvU

    ResponderExcluir
  2. (argento - sob captcha) ... isso não tem preço ... um sorriso. um abraço ... sejamos gratos ...

    ResponderExcluir
  3. Vou começar desejando Feliz Natal para todos. Eu também sou "antidatista", que esquece o próprio aniversário, mas que sabe muito bem como é viver uma situação semelhante a essa que o Ricardo contou.

    Quando eu estudava em Curitiba costumava comprar cigarro numa banca de jornais e revistas que era praticamente uma pequena livraria, administrada pela família, o casal e uma filha, todos muito antipáticos. A filha era muito bonita e a mãe mais bonita ainda, mas sempre com "cara de quem comeu e não gostou". Certo dia peguei a carteira de cigarros com uma nota de 50 mil Cruzeiros, a mãe era quem estava no atendimento. Peguei o cigarro e o troco, sai e quando conferi o troco percebi que o troco era maior que os 50 mil que eu havia entregado. Eu estava há poucos passos da porta e voltei imediatamente. Entreguei a carteira e o troco dizendo: desculpe, você se enganou no troco. A mulher me olhou de uma maneira mais rude do que costumava olhar. Fiquei calado e deixei ela conferir. Quando ele percebeu que tinha entregado dinheiro há mais e eu estava devolvendo... surgiu um sorriso que eu jamais imaginaria ver algum dia. Depois daquele dia a mulher mudou totalmente o comportamento comigo, passou a me atender com simpatia, sempre sorrindo e fincando mais bonita do que já era. A filha e o marido não mudaram em nada, mas também não sei se ficaram sabendo do ocorrido.

    No caso do Ricardo a quantia era significativa, mas no meu caso não mudaria a vida de ninguém, em valores de hoje seriam uns dez reais. Historias como essas mostram que a honestidade vale mais que o dinheiro, a honestidade faz as pessoas se sentirem bem com os outros e consigo mesmos, enquanto que os desonestos serão sempre frustrados e recalcados, não importa quanto dinheiro possam ter.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Não sabia que o Milton tinha estudado na minha bela Curitiba. Eu sou curitibana e coritibana.

      Excluir
    2. Depois de estudar voltei à Curitiba para trabalhar por aproximadamente um ano. Gosto muito de Curitiba, mas também tive experiências muito desagradáveis. Trabalhei com um consultor de empresas que era completamente insano e depois tive que aturar um evangélico insuportável que não tinha um pingo de caráter.

      Mas Curitiba é uma cidade maravilhosa e o time que eu simpatizava era o Pinheiro, cuja torcida lotava um Karmann Ghia, agora é o Paraná Clube, Não sei porque no Brasil a gente tem que ter um time em cada cidade, mas torcer mesmo é só para o São Paulo e sem qualquer fanatismo.

      Excluir
  4. Essa trinca é de ouros! Obrigado, amigos!

    ResponderExcluir