Rio, 31 de dezembro de 2014
Tia Dilma:
Resolvi escrever pra você, que sabe tudo, porque eu pedi
umas coisinhas pro Papai Noel, só que ele ainda não deu as caras aqui em casa
até agora, uma semana depois do Natal. Será que o saco dele ficou retido na
alfândega? Será que os veadinhos estão cumprindo quarentena no Centro de
Controle de Zoonoses? É muita burocracia, não é mesmo, Tia?
Quero crer que ele não desistiu do emprego. A não ser que
você o tenha nomeado ministro de alguma coisa só porque ele usa vermelho, já
que esse traje é só uma invenção da Coca-Cola.
Estou apreensivo, Tia Dilma, caso o Papai Noel não tenha
aparecido para mim porque não fui lá muito bem na escola. Acontece que, dos 200
dias letivos, eu só tive 80 de aula, por causa das greves dos professores e, desses
80 dias, o professor de matemática faltou a 30 - acho que estava doente,
aguardando ser atendido pelo SUS. Como você vê, Tia, a culpa não foi minha.
Outra coisa que Papai Noel pode ter levado em conta é que eu
também não comi direito, é verdade, mas é que a verba da merenda lá da escola
foi desviada pela diretora para organizar aquela homenagem dos alunos a você,
quando foi nos visitar. Aí sim, tinha brigadeiro, cajuzinho e até cidra - ou será
sidra? É que minha professora de gramática também não sabia como se escreve.
Mas eu fiquei com sede, porque não bebo álcool e a água dos bebedouros lá da
escola está proibida por causa dos coliformes fecais. Aliás, eu vi que você foi
se aliviar no banheiro da diretora, mas nós, os alunos, temos que fazer xixi
e cocô atrás da moita nos fundos do pátio, porque os banheiros estão
interditados pela Vigilância Sanitária desde o começo do ano. Você viu como a moita está grande?
Você acredita, Tia Dilma, que nem lá em casa tem comida? É que
mamãe (eu não tenho pai) usa todo dinheiro do Bolsa Família pra comprar e fumar
crack. Ela até diz que quer parar e já procurou vários órgãos públicos que você
diz existir pra ajudar os drogados a deixarem seus vícios, mas não encontrou
nenhum. Eu tenho um irmão tão magro, mas tão magro, que tem que tomar banho - quando
tem água - de braços abertos, porque senão ele cai pelo ralo.
Papai Noel tem que ter levado isso tudo em conta. Se não
levou, eu vou deixar de acreditar nele. Mas em você, Tia Dilma, eu continuo
acreditando e vou acreditar cada dia mais, à medida que for emburrecendo a
galope pela falta de estudo.
Certo de sua atenção para o meu problema, agradeço
Atenciosamente
José da Silva
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