Claudia Maria Madureira de Pinho: Pela memória de meu pai
Papai não cometeu crimes contra a humanidade. Tentou
evitá-los. Foi escolhido para o cargo para isso. Por seu perfil. Era a missão.
Acreditava na instituição do Exército
Pouco após o assassinato de Vladimir Herzog dentro de sua
cela no DOI-Codi, em São Paulo, o presidente Ernesto Geisel e o ministro do
Exército, Sílvio Frota, convocaram meu pai ao Planalto. Desejavam que assumisse
o comando do Centro de Informações do Exército, o Ciex. Precisavam de alguém
que acabasse com o horror dos porões. Papai, o general Antonio da Silva Campos,
não queria o cargo. Em família o pressionamos para que passasse à reserva. Era
uma ordem, ele a acatou. (Mantinha o pedido de saída para a reserva pronto na
gaveta.) Por conta desta passagem de pouco mais de um ano pelo comando do Ciex,
seu nome foi listado entre os 377 responsáveis por crimes contra a humanidade
da Comissão da Verdade.
O que leva um nome a ser colocado como responsável por
crimes contra a humanidade em um relatório oficial? Ele é citado três vezes no
documento, todas de forma vaga. Mas está na lista. Os membros da comissão
sequer descobriram o ano em que nasceu ou aquele em que morreu. Puseram seu
nome entre os responsáveis pelo pior de todos os crimes que um ser humano pode
cometer sem, ao menos, ter o respeito, a decência, de buscar saber de quem se
tratava.
A Geisel e Frota, naquele dia, papai argumentou que não
tinha o perfil. Que sua vida no Exército havia sido toda baseada no respeito à
Convenção de Genebra. “Quem aceita tocar num fio de cabelo de um preso”, lhes
disse, “ainda mais torturar, é um ser doente.” Não eram militares de fato. Eram
pessoas “a quem nenhuma ordem é capaz de conter”. Como de fato nenhuma ordem
conteve. Durante aquele ano do Ciex, que passou viajando de quartel em quartel
tentando impedir a barbárie, perdeu dez quilos.
Papai nasceu em família pobre. Sua mãe, imigrante
portuguesa, foi uma empregada doméstica que jamais aprendeu a ler. Entrou nas
Forças Armadas porque ali poderia estudar, encontrar futuro. Se fez voluntário
para combater o fascismo durante a Segunda Guerra. Foi preso e arriscou corte
marcial porque se recusava a separar soldados brancos de negros em seu pelotão
durante paradas. Contava a história do único homem que soube ter matado, um
soldado alemão, na Batalha de Montese. Lance de sorte: sacou mais rápido,
disparou. Seguindo as regras, retirou do corpo o cordão de identificação que
seria enviado para as forças inimigas e manuseou sua carteira. Lá, encontrou a
foto de uma mulher e de um bebê. No meio de um tiroteio, nunca se sabe se uma
bala feriu ou matou. Mas, naquele momento, ele soube. Os pesadelos com aquela
imagem o perseguiriam pelo resto da vida.
Entre seus melhores amigos estavam vários militares cassados
pela ditadura. Dentre eles, o brigadeiro Rui Moreira Lima. Estão, como papai,
mortos. Não podem vir à frente e depor em seu nome, contar quem foi Antonio da
Silva Campos. Mas eu, sua filha, posso.
O período da ditadura foi difícil para nós. Eu ia às
passeatas pedir a volta da democracia, ele implorava que ficasse em casa. Tinha
medo de que, se desaparecesse, não conseguiria me localizar. Ainda
tenente-coronel, no fim dos anos 1960, foi responsável direto por um preso
político, na Vila Militar. Almoçava com ele. Talvez ainda esteja vivo. Foi
libertado e retornou para visitar meu pai.
Papai não cometeu crimes contra a humanidade. Tentou
evitá-los. Foi escolhido para o cargo para isso. Por seu perfil. Era a missão.
Acreditava na instituição do Exército. Talvez não devesse. De fato comandou o
Ciex em 1976 e 1977. Mas, por honestidade, por integridade, no mínimo por uma
questão de decência, antes de listar seu nome entre alguns dos homens mais
abjetos que passaram pelas forças militares brasileiras, deviam se informar
sobre quem foi.
Mas não fizeram, sequer, uma busca no Google.
A família de Nelson Freire Lavenére-Wanderley vem a público
para protestar veementemente contra a absurda e mentirosa afirmação da Comissão
da Verdade de que o referido seria responsável por qualquer tipo de crime em
sua vida e/ou em sua carreira militar.
Sua vida inteira foi marcada por um espírito nacionalista,
patriótico e de Homem de bem. Seus contemporâneos, no país e no exterior, que o
conheceram, independente de credo político, guardam dele a melhor lembrança que
se pode ter de uma pessoa honrada e de princípios.
Suas virtudes são comprovadas pelos conhecidos, amigos,
colegas de farda, familiares, por quem com ele conviveu ou o procurou e pela
História da Força Aérea Brasileira registrada até ontem.
Mesmo após reformado, permaneceu se dedicando exclusivamente
a assuntos vinculados à Aeronáutica, como historiador e conferencista.
Sem poder imaginar essa mentirosa insinuação que hoje lhe fazem
e expressando seu amor à FAB ele disse: “A epopéia do Correio Aéreo Nacional não
terminará; ela se transfere, de geração em geração. Sob novos tempos, ela
prosseguirá impulsionada pelo anseio que empolga a Força Aérea Brasileira de
servir à Pátria, de ser útil e de participar da integração e do desenvolvimento
nacional”.
No decorrer do texto do relatório da comissão, seu nome surge
pelo fato de que em 4 de abril de 1964, ao assumir o comando da 5ª Zona Aérea
foi alvejado com tiros, dos quais 2 o acertaram, desferidos por um oficial a
quem dera voz de prisão e que, ato contínuo foi morto por um
1 tiro dado por um terceiro oficial presente no recinto de seu gabinete.
O fato foi largamente divulgado por toda a mídia nacional,
foi instaurado um inquérito para apuração dos fatos e um processo penal que
absolveu, em todas as instâncias, o oficial que alvejou o insubordinado. Até a
viúva do oficial morto, em carta aberta publicada no jornal O Globo, se
manifestou elogiando o Comandante por ter mandado prestar honras militares ao
oficial por ocasião de seu enterro.
Durante os depoimentos para comissão, a verdade foi
distorcida, escamoteada e escondida para que o falecido fosse considerado
vítima militar da revolução e justificasse uma indenização. Para isso então
surgiu uma versão de que o mesmo teria sido vítima de rajada de metralhadora
nas costas, com 16 perfurações apontadas numa perícia médica.
Essa versão teve sua revogação pedida por participantes da
comissão, mas esta optou por não discutir se a morte ocorreu por legítima
defesa e salientou-se que o deferimento da versão já dada se concretizou por
decreto presidencial e que a CEMDP não teria competência para revogá-la e assim
permanece até hoje, conforme consta nas páginas 60 e 61 do Direito à Memória e
à Verdade da Comissão Especial Sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, da Secretaria
Especial de Direitos Humanos da Presidência da Republica, de 2007.
A acusação de crime é contra o “Patrono do Correio Aéreo
Nacional”, título que lhe foi concedido, em 12 de junho de 1986, em
reconhecimento à sua carreira militar e ao seu legado para a FAB. Principalmente,
por seu pioneirismo no CAN, onde, junto com Eduardo Gomes, Lemos Cunha, Casemiro
Montenegro e tantos outros traçaram os caminhos que hoje unem a Nação
Brasileira.
Em Ordem do Dia do Comandante da Aeronáutica em 12 de junho
de 2014, foi dito: “HOUVE UM DIA EM QUE PIONEIROS EMPUNHARAM O ESTANDARTE DOS BANDEIRANTES
E COMEÇARAM A SEMEAR, POR ESTE IMENSO PAÍS, AS OPORTUNIDADES DO ENCONTRO, DA
SOLIDARIEDADE E DA INTEGRAÇÃO. HÁ OITENTA E TRÊS ANOS, OS TENENTES NELSON
FREIRE LAVENÉRE-WANDERLEY E CASEMIRO MONTENEGRO FILHO VENCERAM A SERRA DO MAR E
FIZERAM DO 12 DE JUNHO DE 1931 UM MARCO DE PATRIOTISMO E TENACIDADE”.
O mesmo Homem que entre as inúmeras homenagens que a FAB lhe
prestou ressaltamos apenas a última, ocorrida em 15 de outubro de 2014, quando
foi inaugurado um auditório na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais da Aeronáutica
com seu nome, é apontado no relatório final da Comissão Nacional da Verdade
como responsável por crimes cometidos.
Não é justo, moral nem ético que a FAB, que ressalta entre
seus valores a liderança, como motivador de seus subalternos; o servir à
Pátria, como essência de exemplo; a honra, como decoro da classe; a coragem,
traduzida pela franqueza, perseverança e firmeza de atitudes e de convicções e
a lealdade, como compromisso assumido com a Instituição e junto a seus superiores,
pares e subordinados, não se pronuncie a respeito dessa acusação.
Isso é o que dá as FABs ficarem em silêncio o tempo todo durante o andamento desse tribunal infame que é essa tal "comissão da verdade". Nenhuma nota num jornal de grande circulação, nenhuma nota na imprensa vendilhona (Globo, Band, RedeTV, Record, etc.) para o PT.
ResponderExcluirNenhum processo criminal contra essa corja de esquerdopatas.
Triste a posição das FABs, que em sua maioria so pensa nos soldos e bajulaques.
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Nas FFAA a hierarquia é sagrada e como os comandantes supremos das FFAA são idosos omissos e acomodados, resulta no silencio absoluto às acusações dos petralhas para aniquilar definitivamente qualquer posição dos militares. A historia nos mostra que as grandes modificações que resultaram na liberdade dos povos, foram feitas pelos rebeldes e não pelos poderes constituídos. Como exemplo cito Tiradentes, que se revoltou contra a monarquia portuguesa embora fosse um simples Alferes, mas foi o estopim que incendiou o país e libertou o brasil do jugo português. Não é impossível que a rebeldia entre os militares possa acontecer, porque uma fera acuada e muito mais forte do que seu opressor.!!!
ResponderExcluir"Papai não cometeu crimes contra a humanidade. Tentou evitá-los." e "passou viajando de quartel em quartel tentando impedir a barbárie": isso diz tudo...
ResponderExcluirSerá que alguma das vítimas das torturas perpetradas nos porões do Centro de Informações do Exército ficou sabendo que o Comandante dessa organização criminosa era na verdade um bom pai de família, uma pessoa de bom coração que na verdade era contra a tortura ?
E, que atitudes tomou o General quando seus esforços para "impedir a barbárie" falharam ?
Vale lembrar que o General Antonio da Silva Campos deixou no fundo da gaveta das hipocrisias e conveniências a tal "carta de passagem para a reserva", porque só foi reformado em Fevereiro de 1983, atingido pela Cota Compulsória quando comandava a 10ª Região Militar.
Para os terroristas, que também, torturaram, estupraram e mataram, a impunidade. Já Pela memória de um pai, que estava a serviço de um governo, o descrédito a uma filha e o escracho público.
ExcluirBela retórica. Bela noção de justiça.