segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

As sacanagens com Tom Jobim

Finalmente achei alguém que concorda comigo sobre as sacanagens que fizeram com Tom Jobim. Em um artigo muito bom, hoje no Globo, Joaquim Ferreira dos Santos fala sobre a inconveniência do lugar onde instalaram sua estátua.

Eu vou mais longe: se coloriram a camisa e as calças de Tom, por que não o resto? Ou por que não toda em bronze natural? O resultado foi trágico. O rosto, que deveria sobressair - assim presumo -, some em função do contraste.

Ficou simplesmente horroroso. Em tudo e por tudo.

De: tom@arpoador, Para: zózimo@leblon: Joaquim Ferreira dos Santos

Meu caro Zózimo, receba daqui, diretamente da muvuca do Arpoador, toda a minha invejinha branca por você estar aí, no outro lado do calçadão, no cantinho discreto do Leblon. Que sossego deve ser essa vida de estátua longe das multidões!

Não sei se você tem lido jornal, mas me colocaram no meio de uma cena infernal, na esquina dos arrastões e dos turistas internacionais. Eu virei aquela pedra no caminho de que falava o Drummond, outra vítima, coitado, dessa mania de fazerem estátua para todo mundo.

Estou no meio da calçada atravancando ainda mais a vida de quem quer a simplicidade feliz de andar de um lado para o outro, sem ter que desviar de um cara feito de pedra, paradão na tua frente.

Pois saiba, meu bom Zózimo, que me botaram num lugar cheio de fradinhos, antenas de operadora de celular, latões de lixo, aqueles bancos desconfortáveis para mendigo não sentar, enfim, uma confusão de obstáculos. Como se fosse pouco esse caos de atrapalhamentos, agora colocaram mais um cotoco para o cidadão tropeçar. Eu!

Você, que é jornalista, me diga: quem teve essa ideia maluca?

Estou de costas para o mar, servindo de enfeite para que gente do mundo inteiro venha se apoiar no meu ombro, se tome de intimidades com minha pacata figura tijucana e me compartilhe em milhares desse negócio que eles agora pedantemente chamam de selfie.

Como eu te invejo, querido Zózimo! O tempo todo olhando a sinuosidade do Leblon, as dunas de Ipanema. A vista alcançando daí até o nascer do sol aqui na Praia do Diabo, um deslumbramento de cores que agora está nas minhas costas, e eu para sempre fiquei condenado a nunca mais ver.

Você é um felizardo, meu caro! Colocaram-te de olho direto sobre a areia, para você seguir apreciando o cenário tão ao seu gosto, o mais impressionante espetáculo sobre a terra - a eterna melhoria das sucessivas gerações de moças que vão à praia.

Elas continuam basicamente as mesmas, com todos os mesmos acessórios de sempre, mas como é que elas conseguem? Como é que o Divino lá em cima consegue? Mexem no cabelo aqui, no músculo ali, redesenham as redondilhas, as panturrilhas, aperfeiçoam minúcias que ninguém imaginava poderem ser aprimoradas - e, a cada safra, a cada geração, elas se apresentam para o banho de mar com uma arte final mais espetacular do que nunca.

Pois, Zózimo, me deixaram de costas para tudo isso!

Fizeram-me na medida para servir de cenário, uma curiosidade carioca a mais para que as pessoas coloquem no tal do Instagram e digam aos amigos distantes que estão no Rio e tropeçaram com o Tom Jobim. As operadoras de celular estão faturando às minhas custas, e eu, duro de pedra, tenho que permanecer em silêncio.

Essas são as notinhas que eu tenho aqui do outro lado da praia, meu caro colunista.

Que saudade do tempo em que a gente ficava na Cobal do Leblon jogando conversa fora, resenhando a Humanidade. Ninguém chegava para fotografar. Grandes charutos, grandes chopes, papos intermináveis.

Uma vez você aproveitou na coluna uma das loucuras que saíam nessas horas. A gente conversava sobre um amigo, bom de copo, que se internara para uma temporada de 30 dias de desintoxicação. Aí eu disse, “pois é, Zózimo, a gente passa a vida inteira construindo uma reputação pra ver tudo se perder em um mês”. No dia seguinte estava no jornal, em três linhas, com aquela tua classe redacional.

Pois é, meu caro, do cantinho discreto da Cobal eu vim parar no calçadão do Arpoador. Como se não bastasse ser abraçado o dia inteiro por gente que nunca vi mais gorda e cheia de areia, colocaram para me proteger dos vândalos um carro da Guarda Municipal estacionado do meu lado. Em cima da calçada!

Um repórter veio cobrir a inauguração daquilo a que agora estou condenado e me disse: no Rio, já somos 312 bustos e, com a minha, 98 estátuas fincadas. É quase a população de um bairro. Imagino que em breve um decreto municipal vai nos dar vida e começar a cobrar o IPTU.

Enfim, eu agradeço a intenção de quem o fez, inclusive de terem me esculturado jovem. Mas quem ouviu a bossa nova sabe que eu sou zero de pompa e pose. A grande homenagem seria cuidar da minha sumaúma no Jardim Botânico. Conservar as praias do Oceano Atlântico sem estátua na frente ou sem a favela de quiosques escondendo as Cagarras. Meu negócio é a poesia do urubu solto, o resto é a lama, é a lama.

A propósito, meu bom Zózimo, eu temo que agora, com a estátua plantada no meio da calçada, comecem a cantar uma nova versão da minha música - e ela passe a ser “é pau, é pedra, é o Tom no caminho”.

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