Finalmente achei alguém que concorda comigo sobre as
sacanagens que fizeram com Tom Jobim. Em um artigo muito bom, hoje no Globo, Joaquim
Ferreira dos Santos fala sobre a inconveniência do lugar onde instalaram sua
estátua.
Eu vou mais longe: se coloriram a camisa e as calças de Tom,
por que não o resto? Ou por que não toda em bronze natural? O resultado foi
trágico. O rosto, que deveria sobressair - assim presumo -, some em função do
contraste.
Ficou simplesmente horroroso. Em tudo e por tudo.
De: tom@arpoador, Para: zózimo@leblon: Joaquim Ferreira dos
Santos
Meu caro Zózimo, receba daqui, diretamente da muvuca do Arpoador,
toda a minha invejinha branca por você estar aí, no outro lado do calçadão, no
cantinho discreto do Leblon. Que sossego deve ser essa vida de estátua longe
das multidões!
Não sei se você tem lido jornal, mas me colocaram no meio de
uma cena infernal, na esquina dos arrastões e dos turistas internacionais. Eu
virei aquela pedra no caminho de que falava o Drummond, outra vítima, coitado,
dessa mania de fazerem estátua para todo mundo.
Estou no meio da calçada atravancando ainda mais a vida de
quem quer a simplicidade feliz de andar de um lado para o outro, sem ter que
desviar de um cara feito de pedra, paradão na tua frente.
Pois saiba, meu bom Zózimo, que me botaram num lugar cheio
de fradinhos, antenas de operadora de celular, latões de lixo, aqueles bancos
desconfortáveis para mendigo não sentar, enfim, uma confusão de obstáculos.
Como se fosse pouco esse caos de atrapalhamentos, agora colocaram mais um
cotoco para o cidadão tropeçar. Eu!
Você, que é jornalista, me diga: quem teve essa ideia maluca?
Estou de costas para o mar, servindo de enfeite para que
gente do mundo inteiro venha se apoiar no meu ombro, se tome de intimidades com
minha pacata figura tijucana e me compartilhe em milhares desse negócio que
eles agora pedantemente chamam de selfie.
Como eu te invejo, querido Zózimo! O tempo todo olhando a
sinuosidade do Leblon, as dunas de Ipanema. A vista alcançando daí até o nascer
do sol aqui na Praia do Diabo, um deslumbramento de cores que agora está nas
minhas costas, e eu para sempre fiquei condenado a nunca mais ver.
Você é um felizardo, meu caro! Colocaram-te de olho direto
sobre a areia, para você seguir apreciando o cenário tão ao seu gosto, o mais
impressionante espetáculo sobre a terra - a eterna melhoria das sucessivas
gerações de moças que vão à praia.
Elas continuam basicamente as mesmas, com todos os mesmos
acessórios de sempre, mas como é que elas conseguem? Como é que o Divino lá em
cima consegue? Mexem no cabelo aqui, no músculo ali, redesenham as redondilhas,
as panturrilhas, aperfeiçoam minúcias que ninguém imaginava poderem ser
aprimoradas - e, a cada safra, a cada geração, elas se apresentam para o banho
de mar com uma arte final mais espetacular do que nunca.
Pois, Zózimo, me deixaram de costas para tudo isso!
Fizeram-me na medida para servir de cenário, uma curiosidade
carioca a mais para que as pessoas coloquem no tal do Instagram e digam aos
amigos distantes que estão no Rio e tropeçaram com o Tom Jobim. As operadoras
de celular estão faturando às minhas custas, e eu, duro de pedra, tenho que
permanecer em silêncio.
Essas são as notinhas que eu tenho aqui do outro lado da
praia, meu caro colunista.
Que saudade do tempo em que a gente ficava na Cobal do
Leblon jogando conversa fora, resenhando a Humanidade. Ninguém chegava para
fotografar. Grandes charutos, grandes chopes, papos intermináveis.
Uma vez você aproveitou na coluna uma das loucuras que saíam
nessas horas. A gente conversava sobre um amigo, bom de copo, que se internara
para uma temporada de 30 dias de desintoxicação. Aí eu disse, “pois é, Zózimo,
a gente passa a vida inteira construindo uma reputação pra ver tudo se perder
em um mês”. No dia seguinte estava no jornal, em três linhas, com aquela tua
classe redacional.
Pois é, meu caro, do cantinho discreto da Cobal eu vim parar
no calçadão do Arpoador. Como se não bastasse ser abraçado o dia inteiro por
gente que nunca vi mais gorda e cheia de areia, colocaram para me proteger dos
vândalos um carro da Guarda Municipal estacionado do meu lado. Em cima da
calçada!
Um repórter veio cobrir a inauguração daquilo a que agora
estou condenado e me disse: no Rio, já somos 312 bustos e, com a minha, 98
estátuas fincadas. É quase a população de um bairro. Imagino que em breve um
decreto municipal vai nos dar vida e começar a cobrar o IPTU.
Enfim, eu agradeço a intenção de quem o fez, inclusive de
terem me esculturado jovem. Mas quem ouviu a bossa nova sabe que eu sou zero de
pompa e pose. A grande homenagem seria cuidar da minha sumaúma no Jardim
Botânico. Conservar as praias do Oceano Atlântico sem estátua na frente ou sem
a favela de quiosques escondendo as Cagarras. Meu negócio é a poesia do urubu solto,
o resto é a lama, é a lama.
A propósito, meu bom Zózimo, eu temo que agora, com a
estátua plantada no meio da calçada, comecem a cantar uma nova versão da minha
música - e ela passe a ser “é pau, é pedra, é o Tom no caminho”.
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