Paladino da lotérica

Cabeça a mil, ontem eu ia esquecendo de fazer minha fezinha na loteria. Quando lembrei, eram seis da tarde e, como as apostas encerram às sete, resolvi dar um pinote até a lotérica. A que jogo normalmente já estava fechada, irregularmente, sob a alegação da greve dos ônibus. Já não gostei.

Andei mais um quarteirão e fui a uma outra, cuja fila era quilométrica, mas, pelo menos estava funcionando a meia-bomba, com apenas dois caixas. A curra não era assim tão inevitável, mas, relaxei e entrei no rabo da bicha - que é como os nossos amigos d’além mar se referem ao fim da fila - sem gozar. Após quase meia hora de espera, haviam apenas três pessoas na minha frente, quando irrompem dois cidadãos e vão direto ao caixa, com o intuito de furar a bicha sob a alegação de serem “idosos”, isto é, com 60 anos ou mais. Não me pareceu que eles tivessem muito mais que isso.

Não me contive e mandei um “a fila é lá atrás”. Não me deram bola.

Insisti com um “tem gente aqui mais velha que vocês e estão na fila normalmente, por favor, entrem lá atrás”. Nada.

A essas alturas, o pessoal da fila - gente pra dedéu - já estava de cochichos, talvez se perguntando quem era o maluco que queria ir contra a lei. Foi aí que extrapolei e me postei na frente dos dois usando a também minha prerrogativa: “Se vocês furam, eu furo vocês porque eu estava aqui antes”.

No que vira-se um para mim e diz: “ É a lei”.

E respondi: “A lei nos dá esse direito, sim, mas infelizmente ela não dá bom senso. Vocês são tão saudáveis quanto eu e, se tivessem um pouco mais de civilidade e respeito ao próximo, fariam o que eu fiz, entrando lá atrás, até porque hoje é um dia especial, com ônibus em greve, e esse monte de gente que trabalha também quer chegar cedo em casa. De mais a mais, se isso aqui fosse um banco ou uma fila de hospital, vá lá, mas furar fila para fazer joguinho é canalhice da braba!”

Claro que emputeci os caras, que, mesmo assim, não arredaram pé, sendo que um deles me perguntou se eu era “idoso”, o que respondi afirmativamente. Não satisfeito, o mequetrefe pediu para que eu provasse com documentos para poder entrar na frente deles. Muito educadamente, respondi que se ele chamasse a polícia, eu teria o maior prazer em mostrá-los ao guarda, do contrário, eu ia ficar ali mesmo, e fazer meu jogo antes dos dois.

E assim foi, sendo que ainda permiti que uma senhora que estava na minha frente na fila, fizesse sua fezinha antes de mim e dos dois calhordas, que ficaram com cara de mamãe-me-frita-um-ovo, enquanto eu, ao sair, recebi sorrisos e tapinhas nas costas.

Da próxima vez que pensarem em repetir o desrespeito, garanto que vão se lembrar de mim.