Meu pai trabalhava na Standard Eletric lá pelos anos 1960 e
foi designado para receber aqui no Rio um dos chefões da matriz americana, que
ficaria uma semana. Muito simpático, Kennedy (não lembro o primeiro nome) não
sabia nada de Brasil. Ou por outra, tinha uma ideia totalmente distorcida do
que fosse uma cidade como o Rio de Janeiro, que imaginava ser uma grande taba cheia
de índios no meio da floresta. Papai, um tremendo gozador, resolveu então curtir
com a ignorância do gringo.
Uma das primeiras perguntas de Kennedy a meu pai foi se era seguro
andar sozinho a pé, dar umas voltinhas por Copacabana, onde estava hospedado. O
velho respondeu que sim, desde que ele se mantivesse afastado dos meios-fios,
onde se escondiam as cobras... Claro que depois ele disse que era brincadeira.
Aqui cabe uma observação: até o final da década de 1970, o
Rio era um paraíso, sem trânsito e sem assaltos. Era realmente muito seguro
andar pelas ruas daqui a qualquer hora do dia ou da noite.
Na época ainda não havia ainda a febre das churrascarias
rodízio, mas havia aqui em Ipanema uma churrascaria maravilhosa chamada Carreta,
que não ficava nada a dever às modernas. E lá foram eles e eu, de contrapeso.
Sentamos e, quase imediatamente, veio um garçom nos servir a deliciosa lingüiça-aperitivo
(na época lingüiça tinha trema). Ato contínuo, o americano perguntou o que era “aquilo”,
no que papai recomendou para que ele experimentasse primeiro, o que foi feito.
Tendo gostado - “it’s delicious” - o gringo perguntou de novo do que se tratava
a iguaria. E meu pai: “Cobra cascavel na brasa”.
Foi o bastante para Kennedy sair correndo para o banheiro,
presumo que para botar para fora a “cobra” que estava comendo. E lá foi meu pai
atrás do cara, rindo aos magotes, para desfazer a brincadeira. Sorte que o
americano era bem humorado e levava tudo na boa.
Mas a pior maldade estava reservada para o Maracanã, justo
em um Fla-Flu, com o estádio entupido de gente. Ao ver aquilo, umas 150 mil
pessoas berrando, pulando e cantando, Kennedy mandou um indefectivel “is it
safe?”, no que meu pai respondeu que sim, até certo ponto, quando as tribos rivais
(as torcidas) começariam a guerrear entre si. O gringo quase teve um infarto e
quis ir embora. Só que o velho, em vez de desmentir, pedia-lhe calma e ponderava
que ainda não estava na hora da batalha. Com pena, eu mesmo acabei desmentindo
a coisa, mostrando ao gringo meu pai às gargalhadas, o que valeu um “son of a
bitch” vindo lá das entranhas.
No final das contas Kennedy saiu daqui muito bem
impressionado, tanto que voltou com a mulher e a filha para férias.
Resolvi escrever isso em alusão às palhaçadas protagonizadas
anteontem pelos “índios” de Havaianas e bermudas Nike em Brasília. Se juntarmos
a ignorância dos estrangeiros em relação ao Brasil às imagens dos safados de
arco e flecha mirando policiais e palácios, divulgadas no mundo inteiro, dá
para imaginar o mal que isso faz para o turismo em particular, para o País e para
os brasileiros, de uma maneira geral. Quantos milhões de Kennedys terão se
apavorado com isso e riscado o Brasil do mapa? Quem ousaria investir um centavo
em um país onde a pré-história ameaça voltar com toda força?
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