É muito difícil encontrar alguém muito inteligente em todos
os sentidos. São raríssimos e não me ocorre ninguém para citar agora. Parece que a tal da "inteligência emocional" não se faz presente em nenhum deles.
Tive o privilégio de ser amigo de um gênio dos grandes:
Henrique da Costa Mecking, o Mequinho, um fenômeno do xadrez que sucumbiu
vítima de sua total incapacidade para lidar com as coisas mais simples da vida,
apesar de falar sete idiomas, ter uma memória (geral) incomparável e ser capaz
de bater qualquer um em um tabuleiro de xadrez.
Além de amigo, fui seu assessor informal durante algum
tempo, chegando até a dar algumas entrevistas em seu lugar pela absoluta falta
de “saco” de Mequinho para esse tipo de coisa. Ele me pedia e se justificava
com o entrevistador: “o Ricardo sabe mais da minha vida que eu mesmo”.
Certamente eu não sabia, mas sabia o justo para responder as perguntas
previsíveis dos jornalistas, mesmo dos - raros - que entendiam um pouco de xadrez.
Conhecemo-nos em um torneio carioca de xadrez universitário
em que me inscrevi e Mequinho compareceu para “prestigiar”. Foi gozado. Por uma
coincidências chata, fui emparceirado na primeira rodada justamente com o cara
com quem eu treinava xadrez diariamente, o Zé Luiz. Combinamos então empatar a
partida após uns 15 movimentos e jogamos despretensiosamente e rápido. Fomos o
primeiro tabuleiro a terminar o jogo. Então Mequinho se aproximou e falou com o
Zé: “como é que você aceita empate com o jogo ganho?”. Explicamos então que foi
um jogo pró-forma, combinado. Após a bronca - ele, talvez com razão, achou isso
errado - ficamos conversando e ele “se convidou” para participar da nossa
turma. E apareceu.
Mequinho vivia xadrez, mas tinha muita “inveja” - inveja
entre aspas e no bom sentido - de uma vida “normal” de um garoto de 18 anos
como a minha. Suas obrigações e obsessões enxadrísticas não lhe deixavam tempo
para isso. Frequentava minha casa e, mesmo quando eu não estava lá, ele
aparecia para conversar com meus pais ou, por exemplo, perguntar à minha mãe se
a barba dele estava bem feita, as orelhas e o nariz limpos, antes de aparecer
em programas de TV. Até minha namorada entrou na dança: ele se apaixonou por
ela, platonicamente.
Mequinho era um fenômeno. Despontou cedo para o xadrez, que
aprendeu de ficar olhando seu pai e o prefeito de Pelotas, onde nasceu, jogarem
e aos cinco anos já era capaz de ganhar os dois. Em uma terra onde o jogo
(chamar xadrez de esporte é sacanagem) não representava nada, que não tinha um
jogador sequer de nível internacional, um sujeito chegar a ser apontado como o
único capaz de ganhar de Robert Fisher, o imbatível e louco campeão mundial, é
muita coisa.
Aos 12 anos foi campeão gaúcho, aos 13, brasileiro, aos 15
sul-americano e Mestre Internacional e aos 20 obteve o título de Grande Mestre
Internacional. Mas o começo foi difícil. Quando começou a carreira internacional,
nem a Federação Brasileira e nem o governo o ajudavam. Não tinha dinheiro para
contratar um analista para treinar ou estudar suas partidas adiadas durante os
torneios, tendo que, várias vezes, passar as noites acordado, ele mesmo
analisando como seguir os jogos. Alie-se a isso, a companhia nada agradável do
seu pai nas viagens, que só fazia atrapalhar. Em um torneio na Holanda em 1967,
se não me engano, assim que Mequinho deitou seu rei, reconhecendo a vitória do
seu adversário, seu pai levantou-se, foi até o tabuleiro e tascou-lhe um puxão
de orelha!
Fatos como esse fizeram Mequinho fazer suas malas e sair de
casa. Veio para o Rio com a cara e a coragem e, por força da sua fama já
consolidada, conseguiu logo um contrato com o Flamengo e depois um “emprego”
dado por Médici, além de ter suas viagens e analistas também bancados pelo
governo. Comprou um fusca e, com os prêmios que ganhava, acabou comprando um
apartamento de dois quartos em Ipanema. Sua vida, então, enfim estava
organizada, mas sua cabeça não. Padecia de uma enorme carência afetiva que,
tenho certeza, não era nova e nem pela sua vida monástica no Rio: ela veio de
Pelotas, em função de uma família meio estranha que não se limitava aos puxões
de orelha públicos do seu pai. Seu avô, de quem não guardava lembranças nada
agradáveis, castigava suas travessuras de criança enterrando-o até o pescoço -
pelo menos foi isso que ele me contou.
Não sei precisar bem o ano, mas por volta de 1975 ou 76,
resolveu ir contra os meus conselhos e entregar suas economias a um argentino
que lhe fora indicado como um mago das finanças que cuidava dos investimentos
de vários artistas e jogadores de futebol. O resultado foi catastrófico: depois
de algum tempo, o sujeito sumiu com tudo que ele, os artistas e os jogadores de
futebol tinham. Mequinho teve até que vender o apartamento no Leblon para o
qual se mudara recentemente, por não ter mais como pagá-lo.
Daí para a pane de crânio total foi um pulo. Com o sistema
nervoso - que já não era grande coisa - abalado, foi definhando física e
mentalmente, passando a abandonar e até desistir de participar de torneios, mas
foi quando algum “luminar” da medicina diagnosticou que ele tinha miastenia
gravis que foi tudo pro brejo. Era evidente que seu mal era puramente
psicológico, mas Mequinho precisava de uma desculpa que não denunciasse a sua
fraqueza emocional e resolveu “adotar” a miastenia como fosse uma explicação
mais nobre sobre seu estado.
Aqui cabe um parêntesis. A miastenia gravis é uma
deficiência na transmissão dos impulsos nervosos que provoca o enfraquecimento
dos músculos e até hoje não se conhece o que a provoca. A miastenia gravis não
tem cura. Tive um amigo com a doença e sei muito bem da sua irreversibilidade,
tanto que de nada adiantou a montoeira de dinheiro gasto por ele na busca de
uma cura ou mesmo de um paliativo: ele definhou até morrer. Parece que hoje há
alguns medicamentos que ajudam a suportá-la, mas não impedem a sua progressão.
Posto isto, Mequinho, de cama e em desespero, recebe romarias
de religiosos que através de passes, rezas e outras mazelas lhes prometem uma “cura
milagrosa” - é impressionante o oportunismo dessa gente -, entre eles, um grupo
da Renovação Carismática da Igreja Católica que, não sei por que cargas d’água,
entre as tantas visitas caiu no goto de Mequinho. Escolhido o “caminho” por ele,
deu-se o “milagre da cura”, e ficou mais claro ainda que a única coisa que ele
precisava era se sentir seguro, mesmo que amparado. E foi assim que a tal
miastenia que nunca existiu, sumiu da sua cabeça, dando lugar à religião católica,
que abraçou a ponto de se formar em teologia, filosofia e tentar ser padre, o
que lhe foi negado pela igreja, sabe-se lá por quê.
A igreja se recusou a ganhar um padre, mas o xadrez perdeu
um gênio, que depois dessa dedicação toda à religião, não é nem sombra do que
foi.
Talvez meu julgamento pareça cruel, negando até mesmo um
suposto diagnóstico médico, mas para mim é mais que claro que seu único mal é a
sua cabeça.
A vida eh feita de muitas historias.
ResponderExcluirDificil saber o que se passa pela cabeca das pessoas. Quando temos "basuritas" na alma eh tudo confuso.
Ele fez a escolha dele sozinho.
Provavelmente no futuro os pais poderao escolher os filhos, esteticamente e intelectualmente suponho eu, nao sera amanha, mas acontecera. Acho tremendamente injusto que os filhos nao possam escolher os pais.
O pai do teu amigo nao era um pai, talvez ele tambem nao tenha sido bem tratado pelo pai dele e assim continua a desgraca.
Depois de muitos anos de vida , aprendi que nao necessitamos amar os nossos pais somente porque sao os nossos pais, temos que ama-los e respeita-los exclusivamente por serem pessoas que merecemo nosso amor e o nosso respeito e nao porque nos deram a vida, afinal ninguem pede para vir ao mundo.
sempre o admirei muito e sentia orgulho do brasileiro campeão de Xadres. A vida prega peças na gente, um gênio que não queria ficar encarcerado no corpo, já transcendia esta existência...
ResponderExcluirParabéns Ricardo, pela sorte de compartilhar momentos com nosso campeão, se existe inveja boa, é o que sinto de você neste momento.
Obrigado, Full. Faz tempo que eu queria escrever sobre o Mequinho e hoje acordei inspirado.
ResponderExcluirFalta muita coisa - não sei se daria um livro -, mas, como eu disse, apesar da crueza do meu julgamento, foi uma homenagem.
Mequinho foi um grande homem, grande brasileiro. Ao nosso maior campeão de xadrez, a lembrança do orgulho que nos proporcionou.
ResponderExcluirBom dia Ricardo!
ResponderExcluirInformação para não ser publicada.
Estou usando o post do Mequinho para compartilhar uma coisa que estou achando muito estranha, dia 21 pela primeira vez, meu blog foi acessado 4 vezes da Bélgica, dia 22 14 vezes e 1 acesso da Inglaterra, hoje já são 3 acessos da Bélgica. O professor Olavo afirma que a ONU é uma das ramificações da Nova Ordem Mundial, e sua sede é na Bélgica, acredito que o movimento no Brasil esteja sendo monitorado por eles.
Abç
Fulgencio
fulgencio_filho@hotmail.com
Full:
ResponderExcluirMuito provavelmente seu blog foi acessado pela Theresa, minha assídua colaboradora, que mora em Gent, na Bélgica, já que eu botei o link dele aqui.
Valeu... isso é muito bom
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