quarta-feira, 26 de junho de 2013

In vino veritas


Do blog do Giulio Sanmartini, com algumas modificações


De férias em Paris, resolvi jantar em um restaurante conceituado, o Lucas Carton. Eu já estava acomodado numa mesa, quando um homem bastante idoso entrou acompanhado de uma moça, que provavelmente seria sua namorada - ou enfermeira, vá lá saber -, foi encaminhado à mesa bem ao lado da minha e pediu uma garrafa de “Chateau Mouton Rothschild”, safra 1928. O sommelier, em vez de trazer a garrafa para mostrar ao cliente, traz o décanteur de cristal cheio de vinho e, depois de uma mesura, serve um pouco no cálice para o cliente provar. O cliente, delicada e lentamente, movimenta o vinho, leva o cálice ao nariz para sentir o aroma, fecha os olhos e cheira o vinho. Inesperadamente, franze a testa e, com expressão muito irritada, pousa o copo na mesa, comentando rispidamente:

- Isto aqui não é um Mouton de 1928!

O sommelier assegura-lhe que é. O cliente insiste que não é. Estabelece-se uma pequena discussão e, rapidamente, muitas pessoas rodeiam a mesa, incluindo o maître, o chef de couisine e o gerente do hotel, que tentam convencer o intransigente consumidor de que o vinho é mesmo um Mouton de 1928. De repente, o maître resolve perguntar-lhe como sabe, com tanta certeza, que aquele vinho não é um Mouton de 1928.

- O meu nome é Phillippe de Rothschild - diz o cliente modestamente - e fui eu quem fez esse vinho.

Consternação geral. O sommelier então, de cabeça baixa, dá um passo à frente, tosse, pigarreia, bagas de suor escorrem-lhe da testa e, por fim, admite que serviu no décanteur um Chateau Clerc Milon, de 1928. E explica seus motivos:

- Perdão, cavalheiro, mas não consegui suportar a idéia de servir a nossa última garrafa de Mouton 1928. De qualquer forma, a diferença é irrelevante. Afinal, o senhor também é proprietário dos vinhedos de Clerc Milon, que ficam na mesma aldeia do Mouton. O solo é o mesmo, a vindima é feita na mesma época, a poda é a mesma e o esmagamento das uvas se faz na mesma ocasião, o mosto resultante vai para barris absolutamente idênticos. Ambos os vinhos são engarrafados ao mesmo tempo. Pode-se afirmar que os vinhos são iguais, apenas com uma pequeníssima diferença geográfica.

Rothschild, então, com a discrição e elegância que sempre foi a sua marca, puxa suavemente o sommelier pelo braço e fala-lhe ao ouvido, mas numa altura suficiente para nosso amigo ao lado ouvir:

- Quando voltar para casa esta noite, peça à sua mulher ou namorada para se despir completamente. Escolha dois orifícios do corpo dela muito próximos um do outro e faça um teste de olfato. Você perceberá a sutil diferença que pode haver em uma pequeníssima distância geográfica.

Apenas como informação, uma garrafa de Chateau Mouton Rothschild safra 1928 custa, na Europa, a mixaria de 2.457,99 €, sem a inclusão de impostos.

Um comentário:

  1. Hahahaha, boa.
    Rotschild não são todos gentleman sofisticados, há também na história crápulas bem vagabundos. Mas, um vinho dessa idade, seja ele qual for: Petrus, Gloria etc. - tem grande chance de ter aromas fecais predominantes, tais e quais aqueles do segundo buraco. Hehehe. Saúde!

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