Escrito em 2007.
Esse negócio de achar que nossas
leis são feitas para serem burladas já encheu as medidas. Isso não existe nem
nunca existiu. O que há é uma grande confusão entre os operadores do direito na
aplicação da lei. Não há referenciais e nem tampouco diretrizes na Justiça do
Brasil que uniformize os processos jurídicos, e isso nos induz a acreditar que
há leis a menos ou a mais, leis que “pegam” ou não e outras besteiras no
gênero. Se há alguma lei “burlável”, ela o será única e exclusivamente pela sua
inconstitucionalidade, fato que jamais poderia ser desconhecido por um juiz, o
que, pelo contrário, ocorre com freqüência. Junte-se à essa falta de
parâmetros, os fartos casos de incompetência e desonestidade e vamos ter o
nosso retrato jurídico atual.
Com esse quadro caótico, a máxima
de “cada cabeça, uma sentença” é perfeitamente justificável, embora nada
desejável. Um dos “erros” que independem de leis, por exemplo, é que o Sistema
Penal é constituído e treinado exclusivamente para receber pobres, de tal
maneira, que fica completamente sem saber o que fazer quando um indivíduo
pertencente à classe média ou alta é aprisionado. Sem querer defender ninguém,
mas será que tal fato não é um potencial gerador de injustiças, como as
seguidas liminares concedidas ao jornalista Pimenta Neves, assassino confesso
de sua namorada com dois tiros a queima-roupa, e a condenação de uma mulher que
roubou manteiga?
O que nos falta não são leis e
sim estrutura jurídica, uniformidade processual e isonomia nas
responsabilidades. E não há como não concordar que quem tem cabeça para
escolher um presidente tem por obrigação saber distinguir entre o certo ou o
errado. O difícil é saber a partir de quando.
Enquanto a lógica der lugar à
hipocrisia e a razão à demagogia, nunca se vai chegar a nenhuma coclusão a
respeito deste ou de qualquer outro assunto. O fato do ECA (Estatuto da Criança
e do Adolescente) ser uma utopia para alguns não é uma vergonha para a
sociedade e sim para quem o elaborou imaginando que o mundo é um shangilá, onde
tudo é lindo e os menores são apenas vítimas de uma sociedade injusta. Ao
permitirem que menores gozem de tantos privilégios acaba os levando a gozar da
nossa cara. A verdade é que estamos em uma situação onde cadeia, detenção,
xilindró, cana, FEBEM ou qualquer outro artifício que tire de circulação
potenciais ameaças são extremamente necessários, a despeito de serem ou não
instrumentos de recuperação. É fundamental a reclusão sumária de todo e
qualquer indivíduo potencialmente perigoso, seja ele “dimenor” ou não, para que
os cidadãos que, a duras penas, cumprem com todas as suas obrigações para ter
uma vida decente tenham um mínimo de paz. Ou será que os que pensam diferente
nunca foram assaltados, ameaçados ou tiveram algum parente ou amigo
assassinado?
É cana geral! O resto, a gente
discute depois que tudo aqui do lado de fora estiver limpo. Ou o Brasil acaba
com o menor impune ou o menor impune acaba com o Brasil.
A bem da verdade as leis que
determinam a imputabilidade do cidadão baseadas meramente em critérios
cronológicos são profundamente inconseqüentes, a começar pelo disparate
primário da maioridade eleitoral ser aos 16 anos enquanto a criminal é aos 18.
E é sobre esse absurdo que quero deixar uma questão a quem tenha algum
conhecimento em direito. Segundo o Capítulo II do Código Eleitoral, entre
outros, são Crimes Eleitorais e suas respectivas penas:
Art. 289. Inscrever-se,
fraudulentamente, eleitor.
Pena – reclusão até 5 anos e
pagamento de 5 a 15 dias-multa.
Art. 290. Induzir alguém a se
inscrever eleitor com infração de qualquer dispositivo deste Código:
Pena – reclusão até 2 anos e
pagamento de 15 a 30 dias-multa.
Art. 296. Promover desordem que
prejudique os trabalhos eleitorais:
Pena – detenção até dois meses e
pagamento de 60 a 90 dias-multa.
Art. 297. Impedir ou embaraçar o
exercício do sufrágio:
Pena – detenção até seis meses e
pagamento de 60 a 100 dias-multa.
Art. 299. Dar, oferecer, prometer,
solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer
outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção,
ainda que a oferta não seja aceita:
Pena – reclusão até quatro anos e
pagamento de 5 a 15 dias-multa.
Art. 301. Usar de violência ou
grave ameaça para coagir alguém a votar, ou não votar, em determinado candidato
ou partido, ainda que os fins visados não sejam conseguidos:
Pena – reclusão até quatro anos e
pagamento de 5 a 15 dias-multa.
Art. 302. Promover, no dia da
eleição, com o fim de impedir, embaraçar ou fraudar o exercício do voto, a
concentração de eleitores sob qualquer forma, inclusive o fornecimento gratuito
de alimento e transporte coletivo:
Pena – reclusão de quatro a seis
anos e pagamento de 200 a 300 dias-multa.
Art. 301. Usar de violência ou
grave ameaça para coagir alguém a votar, ou não votar, em determinado candidato
ou partido, ainda que os fins visados não sejam conseguidos:
Pena – reclusão até quatro anos e
pagamento de 5 a 15 dias-multa.
Art. 302. Promover, no dia da
eleição, com o fim de impedir, embaraçar ou fraudar o exercício do voto, a
concentração de eleitores sob qualquer forma, inclusive o fornecimento gratuito
de alimento e transporte coletivo:
Pena – reclusão de quatro a seis
anos e pagamento de 200 a 300 dias-multa.
Art. 312. Violar ou tentar violar
o sigilo do voto:
Pena – detenção até dois anos.
Etc., etc....
Se um jovem de 16 anos está “maiorizado”
e habilitado a votar, por que ele não pode ser responsável por eventuais crimes
eleitorais que possa cometer?
Eu tenho uma historinha
particular que ilustra bem o absurdo dessa tal de maioridade penal. Meu pai
morreu assassinado durante um assalto à fábrica que possuíamos no bairro do
Jacaré - Rio - e eu e o gerente de produção fomos as únicas testemunhas depoentes,
apesar de, entre os 150 funcionários, pelo menos uns dez terem presenciado a
cena, fato que entendi e aceitei, em função da grande maioria morar nas
imediações e se sentirem ameaçadas pelos bandidos, caso viessem a depor. Fiz um
retrato-falado de um deles - eram três - e identifiquei outro em um arquivo
fotográfico na delegacia. A partir daí, passei a ser chamado, umas duas ou três
vezes por semana, para identificar os criminosos, até que um belo dia, na
delegacia de Bonsucesso, reconheci um deles. O sujeito estava meio amassado de
tanta porrada, mas eu o reconheci. Não era o que atirou em meu pai, mas o que
havia me rendido, e eu confirmei ao delegado a identificação positiva.
Só como curiosidade, esse
processo de reconhecimento era feito “de frente pro crime”, olho no olho, sem
aqueles espelhos sem fundo que se vê nos filmes americanos. A proteção à
testemunha era zero. Não sei a quantas anda hoje, mas acredito que tenha mudado
muito pouco. Isso foi em 1977.
Para meu espanto, o delegado
falou que, infelizmente, ia ter que soltá-lo porque ele era menor. Argumentei
que com aquela cara de 30 anos o sujeito não poderia ser menor de jeito nenhum,
mas, ao ver uma certidão de nascimento cheirando a tinta, novinha em folha, de
um cartório de Caxias, fui obrigado a concordar que, pelo menos “legalmente”, o
filho da puta era “dimenor”. E mais: tive a revelação que ele já era velho
conhecido daquela delegacia e que, a cada ano, tirava uma nova certidão
atestando sua menoridade. Como eu já estivesse meio íntimo do delegado, devido
a tantas peregrinações à delegacia, fiquei meio consolado ao ouvi-lo dizer para
que eu ficasse tranqüilo porque os policiais iriam ficar na cola do vagabundo
para que ele os levasse aos outros. E mais eu não soube porque, dias depois, o
stress deflagrou em mim uma Síndrome do Pânico que me deixou no estaleiro por
anos seguidos.
Agora eu pergunto: se essa
menoridade pode ser obtida assim, tão facilmente, a troco de dez réis de mel
coado, a sua inimputabilidade legal não é uma inconseqüência?
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