Segunda feira. Chega de bagunça.
Lendo o Reinaldo Azevedo, fiquei surpreso com a informação
que Elio Gaspari, ao transcrever uma pergunta de John Kennedy em um trecho da
conversa entre o então presidente dos EUA e Lincoln Gordon, seu embaixador no
Brasil, adulterou-a de maneira que ficasse mais incisiva.
Vejam:
Transcrição do áudio tirada do site do próprio (http://arquivosdaditadura.com.br/documento/multimidia/pouco-antes-seu-assassinato-kennedy):
“What about
the... Do you see a situation coming where we might be, find desirable to
intervene militarily ourselves?”
Tradução do Elio (idem do mesmo site):
“E os... Você vê a
situação indo para onde deveria, acha aconselhável que façamos uma intervenção
militar?”
Um colaborador do Reinaldo, “O Admirador do Bardo”, ouviu e
constatou que a frase correta de Kennedy em inglês é:
“Do you see
a situation coming where we might be finding desirable to intervene militarily
ourselves?”
Tradução do “Admirador”:
“Você vê uma situação iminente em que nós poderíamos
considerar conveniente intervir militarmente?”
E segue o “O Admirador do Bardo” em seu comentário:
"Pior foi colocar na boca do presidente americano uma frase
ilógica, por mais coloquial que seja - e, mais, com atentados à língua inglesa.
“A situação indo para onde deveria…”??? Heavens! Kennedy fala em “uma situação”
e não “a situação”. O sujeito de “find” é “nós”, e não “a situação”.
Kennedy não pergunta a Gordon se ele (Gordon) acha
aconselhável fazer uma intervenção militar. Kennedy conjectura sobre a hipótese
de os Estados Unidos (“we”) virem a considerar ser conveniente intervir. É
outra coisa. Aliás, a frase foi tirada de uma conversa de mais de uma hora
entre JFK e LG. Só naqueles poucos segundos há referência a uma intervenção
militar por parte dos americanos. O presidente e seu embaixador discutem longamente
os cenários políticos prováveis no Brasil, falam da personalidade e da força de
arregimentação dos mais eminentes políticos brasileiros, mas não discutem
nenhum plano de invasão do país.
Enfim, Tio Rei, os caras ouviram o galo cantar, mas não souberam
onde e nem em que idioma. Uma lambança só: essa falta de rigor, de precisão e
objetividade fazem muito mal ao jornalismo, viu? Obviamente, ninguém duvida que
os americanos estivessem felizes com a queda do Jango (não tanto quanto os
próprios brasileiros, mas estavam…) ou que tivessem um plano para ajudar os
militares brasileiros caso o Brasil afundasse em guerra civil entre comunistas
e defensores da democracia. Era o ápice da Guerra Fria. Os EUA e a URSS tinham
planos para invadir qualquer país.
Bem, Tio Rei, despeço-me com um abraço e a admiração de
sempre. Antes de ir-me, mais uma observação: não é instrutivo constatar a
superioridade moral da democracia americana - que preservou as provas materiais
de seu envolvimento com a crise havida no Brasil - no cotejo com a tirania
soviética, que, em 1964, se meteu no Brasil tanto quanto os americanos (ou
mais), mas destruiu as evidências?"
Confesso que ainda
não ouvi a gravação inteira (disponível em https://dl.dropboxusercontent.com/u/4104108/audio-kennedy-1963-10-07.mp3),
até porque o áudio tem uma hora e meia de duração e a qualidade da gravação
fica a desejar, dificultando a compreensão, principalmente para quem, como eu,
não tem os ouvidos acostumados com o idioma de Shakespeare, mas se isso for
verdade, compromete bastante a obra caprichada do Elio sobre a ditadura,
afinal, uma distorção aqui, outra ali, e a história acaba sendo contada de
ponta cabeça.
Idiossincrasia! - "quem conta um conto aumenta (ou subtrai) um ponto"
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