segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Mutreta na transcrição da gravação de Kennedy?

Segunda feira. Chega de bagunça.

Lendo o Reinaldo Azevedo, fiquei surpreso com a informação que Elio Gaspari, ao transcrever uma pergunta de John Kennedy em um trecho da conversa entre o então presidente dos EUA e Lincoln Gordon, seu embaixador no Brasil, adulterou-a de maneira que ficasse mais incisiva.

Vejam:

“What about the... Do you see a situation coming where we might be, find desirable to intervene militarily ourselves?”

Tradução do Elio (idem do mesmo site):
 “E os... Você vê a situação indo para onde deveria, acha aconselhável que façamos uma intervenção militar?”

Um colaborador do Reinaldo, “O Admirador do Bardo”, ouviu e constatou que a frase correta de Kennedy em inglês é:
“Do you see a situation coming where we might be finding desirable to intervene militarily ourselves?”

Tradução do “Admirador”:
“Você vê uma situação iminente em que nós poderíamos considerar conveniente intervir militarmente?”

E segue o “O Admirador do Bardo” em seu comentário:

"Pior foi colocar na boca do presidente americano uma frase ilógica, por mais coloquial que seja - e, mais, com atentados à língua inglesa. “A situação indo para onde deveria…”??? Heavens! Kennedy fala em “uma situação” e não “a situação”. O sujeito de “find” é “nós”, e não “a situação”.

Kennedy não pergunta a Gordon se ele (Gordon) acha aconselhável fazer uma intervenção militar. Kennedy conjectura sobre a hipótese de os Estados Unidos (“we”) virem a considerar ser conveniente intervir. É outra coisa. Aliás, a frase foi tirada de uma conversa de mais de uma hora entre JFK e LG. Só naqueles poucos segundos há referência a uma intervenção militar por parte dos americanos. O presidente e seu embaixador discutem longamente os cenários políticos prováveis no Brasil, falam da personalidade e da força de arregimentação dos mais eminentes políticos brasileiros, mas não discutem nenhum plano de invasão do país.

Enfim, Tio Rei, os caras ouviram o galo cantar, mas não souberam onde e nem em que idioma. Uma lambança só: essa falta de rigor, de precisão e objetividade fazem muito mal ao jornalismo, viu? Obviamente, ninguém duvida que os americanos estivessem felizes com a queda do Jango (não tanto quanto os próprios brasileiros, mas estavam…) ou que tivessem um plano para ajudar os militares brasileiros caso o Brasil afundasse em guerra civil entre comunistas e defensores da democracia. Era o ápice da Guerra Fria. Os EUA e a URSS tinham planos para invadir qualquer país.

Bem, Tio Rei, despeço-me com um abraço e a admiração de sempre. Antes de ir-me, mais uma observação: não é instrutivo constatar a superioridade moral da democracia americana - que preservou as provas materiais de seu envolvimento com a crise havida no Brasil - no cotejo com a tirania soviética, que, em 1964, se meteu no Brasil tanto quanto os americanos (ou mais), mas destruiu as evidências?"

Confesso que ainda não ouvi a gravação inteira (disponível em https://dl.dropboxusercontent.com/u/4104108/audio-kennedy-1963-10-07.mp3), até porque o áudio tem uma hora e meia de duração e a qualidade da gravação fica a desejar, dificultando a compreensão, principalmente para quem, como eu, não tem os ouvidos acostumados com o idioma de Shakespeare, mas se isso for verdade, compromete bastante a obra caprichada do Elio sobre a ditadura, afinal, uma distorção aqui, outra ali, e a história acaba sendo contada de ponta cabeça.

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