domingo, 26 de janeiro de 2014

Cultura e política nem sempre andam juntas

O articulista do Globo, Arnaldo Bloch, ao comentar um evento na praia em homenagem a Cazuza, andou falando besteira demais.

“O show se interrompeu e o telão exibiu um clipe interminável da Prefeitura do Rio. Quando o telão se apagou, surgiu, do silêncio total na escuridão, o coro já manjado que começa com o verso “Ei, Cabral” e termina com aqueles votos que o povo dedica aos juízes de futebol. Foi quando surgiu, no palco, o mestre de cerimônia e celebridade Otaviano Costa com a missão de virar o jogo:

 - Aqui não pode fazer política. Isso aqui é cultura. Isso aqui não é política.

Ô, Ota! Cultura e política andaram juntas desde a Antiguidade Clássica (e antes), em todas as artes! Ou você desconhece o estofo dos movimentos de 1968? Já ouviu falar em Chico Buarque? No movimento hippie? Em Neruda?

Abre o olho, Otaviano. Nem só, e nem tanto, para o seu próprio bem, mas para o bem de quem o tem como referência. Faz um workshop com Nelson Motta, toma um uísque com o Mièle, faz uma visita ao Perfeito Fortuna, assiste a uns vídeos do Glauber Rocha em ‘Abertura’.”

Arnaldo pisou na bola várias vezes. Para começar, Otaviano pode ter até trocado as bolas ao classificar um coro entoando “filho da puta” de “política”, mas ele se referiu apenas ao evento - e não à cultura de uma maneira geral -, um tributo ao Cazuza sem a menor conotação política e, muito embora o homenageado flertasse bastante com ela em suas letras, aquele não era o caso; depois, cultura nunca andou junto com política por obrigação e sim eventualmente, em determinados períodos e lugares; Nelsinho e Mièle nunca misturaram sua arte com política – os maiores sucessos do primeiro, como letrista, foram Saveiro, Dancing Days, Como uma Onda e Coisas do Brasil, e o segundo sempre viajou entre a Bossa Nova e o humor -, e não há nada, portanto, que justifique workshops ou uísques com conotações politiqueiras; o movimento hippie só foi político quando os políticos assim o quiseram e se aproveitaram do seu “sucesso” e, quanto a Fortuna e Glauber, o que dizer de dois porraloucas com o osciloscópio quebrado?

Quanto a Chico e Neruda, são as exceções que confirmam a regra, muito embora ambos sejam poetas de mão cheia mesmo – e principalmente – quando não produzem poesia engajada.

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