Olavo
de Carvalho é um polêmico jornalista, famoso pelo uso de palavrões, astrólogo,
autor de vários livros e criador de um curso chamado Seminário de Filosofia.
Considerado filósofo por uns, mas por outros não, ficará ao critério do leitor
considerá-lo ou não um filósofo.
A
desconstrução não deve ser confundida com agressão, não visa desconstruir o
Olavo ou sua obra, mas o mito, apresentar algumas graves falhas que o
colocam mais próximo de um mistificador do que de um filósofo.
Existem muitos méritos para serem reconhecidos na obra do Olavo, a
desconstrução do mito é apenas um estímulo às análises mais criteriosas,
colabora com a divulgação da obra e se contrapõe aos opositores que ao invés de
contestá-lo, fingem ignorá-lo e tentam escondê-lo.
O
ônus da prova
A
primeira parte da desconstrução não poderia abordar outra questão, pois é um
critério científico, filosófico e lógico, que aquele que afirma tem a
responsabilidade de apresentar as evidências daquilo que foi afirmado. É
possível encontrar na internet, o Guia de Falácias, onde encontra-se a Falácia
da Inversão do Ônus da Prova, que consiste em alegar que algo é verdadeiro
por que não foi provado falso.
Em
um dos programas True Outspeak, Olavo argumentou o seguinte: “acreditar
na existência da realidade, acreditar na identidade das coisas, é uma coisa
espontânea do ser humano. Se você contesta, você é quem tem que provar a sua
contestação. O fato de que os primeiros princípios da lógica não podem em si
mesmos, serem jamais provados e que deles dependem a prova de tudo o mais, já
se demonstra com máxima clareza que não é possível o ônus da prova ser de quem
afirma”.
Em
primeiro lugar, o Olavo não citou qualquer um dos primeiros princípios da
lógica, portanto trata-se apenas de palavras jogadas ao vento com falsa
erudição, uma vez que não há como saber o que o Olavo considera como primeiros
princípios da lógica, nem avaliar se os mesmos podem ou não serem provados em
si mesmos.
Os
primeiros princípios da lógica são os lógicos absolutos, que são chamados
assim justamente por que são provados em si mesmos. Lógico absoluto é tudo
aquilo que é verdadeiro por sua própria definição, como por exemplo o círculo.
Uma vez definido o círculo, sendo uma linha curva regular, cujas pontas se
encontram (minha definição), é possível dizer que o arco-íris não é um circulo:
- o arco-íris é uma linha em curva regular;
- as pontas do arco-íris não se encontram;
- logo, o arco-íris não é um círculo.
Para
mostrar por que o círculo é um lógico absoluto, basta utilizar a definição apresentada,
traçar uma linha curva regular, cujas pontas se encontram, para resultar num
circulo. O princípio da falseabilidade (refutabilidade) de Karl Popper,
um dos princípio do método científico, está devidamente respeitado, pois basta
traçar uma linha curva regular, cujas pontas se encontram, mas que NÃO resulte
num círculo, para que a definição seja refutada.
Um
mistificador poderia facilmente recorrer ao Pirronismo, alegando que não
foram apresentadas as definições de linha, de curva ou de ponta. No entanto
trata-se de outros lógicos absolutos, onde pressupõe-se que o interlocutor
tenha conhecimento do que é uma linha, uma curva ou a ponta de uma linha. Desta
forma, ficou demonstrado que todo e qualquer argumento, quando retrocedido
sucessivamente, encontrará em algum momento uma sequência de lógicos absolutos
que sustentam toda a lógica, sendo necessário retroceder mais ou menos,
dependendo do conhecimento ou da ignorância do interlocutor.
Olavo
de Carvalho afirma no vídeo, que é imperdoável para Richard Dawkins e Daniel Dennett (que se diz filósofo), não saber que o
ônus da prova NÃO é de quem afirma. A falácia do Olavo de Carvalho não ficou
limitada à inversão do ônus da prova, mas também apelou para a inversão de toda
a lógica, onde de alguma forma, a lógica prova tudo com base em algo que não
pode ser provado. A falha poderia ser considerada irrelevante para alguém sem
preparo técnico, como diria o próprio Olavo, mas é imperdoável para o Olavo de
Carvalho (que se diz filósofo).
O
que é uma ciência
No
mesmo vídeo onde Olavo de Carvalho inverte o princípio do ônus da prova, também
explica para o interlocutor e demais ouvintes, o que é uma ciência: “ciência é
o seguinte, você faz uma hipótese que um certo campo de fenômenos tem uma certa
homogeneidade e que esta homogeneidade é definida por certas constantes, em
seguida você vai investigar estas constantes. Isso quer dizer que em primeiro
lugar, nenhuma ciência pode estudar uma realidade concreta, ciência só pode
estudar recortes feitos hipoteticamente, tudo o que ela diz só vale dentro
deste recorte feito hipoteticamente, nenhuma ciência pode dizer “A” sobre a
realidade concreta, por que a realidade concreta não existe para a ciência”.
Olavo
de Carvalho consegue mostrar uma enorme confusão mental, confundido a ciência
propriamente dita com uma ramificação da ciência, chamada por ele de “uma
ciência”. O simples fato de dizer que existe “uma ciência” sugere a existência
de “outras ciências”, não deixando dúvidas sobre a incapacidade de entender que
existe apenas UMA ciência com diversas ramificações, tornando-o completamente
incompetente para pronunciar-se sobre qualquer questão científica.
Olavo
consegue mostrar uma confusão mental muito maior, quando afirma que a ciência
(uma ciência) não pode ser pronunciar sobre a realidade concreta. Por dedução
óbvia, a bomba atômica, o desenvolvimento tecnológico e o descobrimento da cura
de uma grande quantidade de doenças, não fazem parte da realidade concreta para
o polêmico jornalista (que se diz filósofo).
O
vídeo em questão refere-se à uma explicação sobre a existência de Deus, que o
Olavo deu para um ouvinte do programa True Outspeak, chamado Tiago, que ligou
para o Olavo durante a transmissão do programa. Além de explicar para o Tiago,
que o ônus da prova não cabe a quem afirma, que a ciência (uma ciência) não
pode se pronunciar sobre a realidade concreta, também explicou que Deus é
transcendente, que Deus só pode existir como realidade concreta e que a
existência de Deus é uma questão de ordem metafísica.
Ao
afirmar que a investigação da existência de Deus é uma questão de ordem
metafísica e que Deus só pode existir como realidade concreta, Olavo afirma
implicitamente que a realidade concreta é uma questão de ordem metafísica.
Sendo a metafísica a realidade concreta, uma questão de ordem física só poderia
ser uma realidade abstrata, mas como o Olavo afirmou que a ciência (uma
ciência) só pode se pronunciar sobre um “recorte feito hipoteticamente”, resta
a possibilidade de existir (na mente do Olavo) uma realidade hipotética.
O
fim da ciência moderna
Olavo
de Carvalho participou do vídeo de divulgação do livro O Enigma Quântico,
onde afirma que a época da modernidade científica está encerrada, não sobrevive
aos exames feitos pelo autor do livro, não sobrevive à pesquisa histórica dos
últimos trinta anos, que tem revelado uma imensidão de falsidades na história
das origens e da constituição da ciência moderna.
Olavo
citou uma carta de um cientista, que afirma que não existe a menor prova do
sistema heliocêntrico, depois citou um suposto experimento realizado por dois
cientistas, Michelson e Morley, descrito pelo Olavo da seguinte maneira: “se de
fato a Terra se move em volta do Sol, então deve haver diferenças na velocidade
da luz em vários pontos da Terra, conforme as várias estações do ano. Eles
mediram isso milhares e milhares de vezes, e viram que não mudava nada, então
das duas uma, ou a Terra não se move, ou é preciso modificar a física inteira.
Então um cidadão chamado Albert Einstein viu isso e achou que era preferível
modificar a física inteira, só para não admitir que não havia provas do
heliocentrismo”.
Antes
de qualquer comentário, é necessário esclarecer alguns detalhes sobre o
experimento dos dois cientistas. O objetivo do experimento era verificar a
existência do éter luminescente, que sofreria perturbações devido ao
movimento da Terra ao redor do Sol, causando uma diferença nas medições da
velocidade da luz em diferentes lugares do planeta. Os cientistas obtiveram
diferentes medições e reivindicaram a comprovação da existência do éter. A
comunidade científica entendeu que as diferenças nas medições não eram
significativas o suficiente para demonstrar a existência de éter.
Também
é necessário esclarecer que Albert Einstein não tinha a intenção de mudar toda
a física (e não mudou), na verdade os resultados da Teoria da Relatividade
contrariaram o desejo de Einstein, que era justamente compreender o cosmo
através dos princípios newtonianos, mas descobriu que estes princípios não se
aplicavam em situações astronômicas. A Teoria da Relatividade de Einstein
sepultou definitivamente a hipótese da existência do éter.
Olavo
de Carvalho deturpou o objetivo do experimento, as premissas do experimento e o
resultado do experimento, utilizando sua própria falsificação para acusar a
ciência de falsificações históricas e científicas. Não satisfeito com a nobreza
da deturpação do experimento de
Michelson e Morley, Olavo acusa Einstein de modificar toda a física,
apenas para não admitir que não havia provas do movimento da Terra em volta do
Sol.
O
movimento da Terra ao redor do Sol pode ser observado facilmente, bastando
estar na Linha do Equador e observar as constelações nos solstícios e
equinócios, sem necessitar sequer de um telescópio. Um ensaio de minha autoria
está disponível no seguinte endereço:
O
progresso da cultura
Olavo
de Carvalho ministra um curso, com duração de cinco anos, chamado de Seminário
de Filosofia. A introdução ao curso está disponível em um vídeo com uma
hora e quarenta e cinco minutos, onde é possível identificar vários absurdos,
mas comentar todos seria cansativo e desnecessário, pois se algo é absurdo em
seus princípios, então todo o restante é absurdo por sua essência.
Mostrando
uma suposta erudição, Olavo ensina que é possível progredir culturalmente, mas
não é possível regredir, por que o tempo só vai para frente, nunca vai para
trás, portanto regressão não pode ser o contrário de progresso, no entanto a
cultura se deteriora. Olavo também ensina que progresso é uma unidade de medida
que deve ser aplicada aos acontecimentos históricos, para saber aonde ele se
realizou e aonde ele não se realizou, fazendo também uma relação entre
progredir e melhorar.
É
simplesmente impossível saber se o Olavo fala sobre cultura, sobre progresso ou
sobre o tempo, tudo é usado conjuntamente para mostrar erudição, mas em nenhum
momento algo é especificado, muito menos definido, não há qualquer definição
que permita identificar se o tema trata da cultura de pepinos ou de abóboras.
Para elucidar o “enigma olavético” é necessário analisar separadamente cada um
dos temas entrelaçados pelo Olavo, tempo, progresso e cultura.
O
tempo não progride, não regride e não se deteriora, é uma dimensão onde os
eventos acontecem e que não interfere em nada. Quando não há mais tempo para
alterar o placar de uma partida de futebol, o tempo não deixa de existir, o que
deixa de existir é a partida de futebol, não há qualquer registro de que o
tempo tenha feito ou evitado um gol. É necessário que haja tempo para que algo
aconteça, seja como progresso ou como regresso, mas também é possível que algo
permaneça estável (ou estagnado) durante algum tempo, mas não há relação de
causa e efeito entre tempo e acontecimento, o tempo nada causa, apenas permite
que aconteça.
O
progresso é relativo, portanto não é possível falar em progresso de forma
generalizada. O progresso na construção de uma casa não pode ser avaliado da
mesma forma como o progresso no tratamento de uma doença. Um tumor pode
progredir (aumentar de tamanho) durante algum tempo e regredir (diminuir de
tamanho) depois de iniciado o tratamento, no entanto o tumor não melhorou (não
se tornava um tumor melhor) enquanto progredia aumentando de tamanho, nem se
deteriorava enquanto diminuía de tamanho.
Considerar
o progresso uma unidade de medida, é tão descabido como considerar o espaço uma
unidade de medida. Basta uma instrução mínima para entender que o espaço
necessita de uma unidade de medida para ser medido, não é possível usar o
espaço para medir alguma coisa, acontecendo o mesmo com o progresso. Seria
realmente interessante se o Olavo de Carvalho nos dissesse quantos progressos
media a cultura egípcia e quantos progressos media a cultura babilônica.
Cultura
é um termo muito abrangente, podendo expressar costumes, expressões artísticas,
crenças ou até mesmo quantidade de conhecimento. Olavo de Carvalho não
especifica em que sentido a palavra cultura está sendo usada, trata de todos os sentidos ao mesmo tempo para
aparentar erudição.
Dizer
que a cultura musical de uma sociedade progrediu com o aumento da quantidade de
músicas, é equivocado por que a quantidade de músicas que são ouvidas por
aquela sociedade não é necessariamente a mesma quantidade de músicas
existentes. Também é equivocado dizer que foi progresso, quando o costume de
ouvir um estilo de música foi substituído por outro, pois substituir é diferente
de progredir.
Considerando
a cultura como quantidade de conhecimentos, permite dizer que a cultura
progride quando a quantidade aumenta e regride quando a quantidade diminui,
para que a cultura se deteriore, é necessário que o conhecimento existente
desapareça enquanto ainda é necessário.
O
conhecimento sobre conduzir uma charrete foi substituído pelo conhecimento de
como conduzir um automóvel, mas a cultura não deteriorou por que conduzir uma
charrete tornou-se dispensável. Se o conhecimento sobre como conduzir o
automóvel desaparecer neste momento, a cultura irá tanto se deteriorar como
regredir, pois passará para um estágio cultural anterior ao estágio onde o
conhecimento para conduzir o automóvel existia.
Olavo
também ensina que não existe uma cultura atrasada em relação à outra, que
atraso cultural não existe. Como não é especificado o sentido em que está sendo
usado o termo cultura, nenhuma forma de avaliação pode ser feita. No exemplo da
cultura musical, é impossível uma cultura estar ou não atrasada em relação à
outra, elas podem ser apenas diferentes, mas quando considerada uma cultura
medicinal, qualquer cultura que tenha alcançado uma quantidade menor de curas,
estará atrasada em relação às outras que curam uma quantidade maior de doenças.
Como
não existe uma unidade de medida que permita medir a confusão mental ou
intelectual de alguém, fica difícil avaliar se no decorrer do Seminário de
Filosofia a confusão progride, regride, se deteriora ou se está atrasada em
relação ao objetivo desejado. Alguém com um pouco de compreensão da cultura
atual, sabe que dizer que uma cultura está atrasada em relação à outra, é uma
“força de expressão”, não é uma afirmação técnica, mas tudo indica que isso não
será aprendido em cinco anos de Seminário de Filosofia.
A
essência do método científico
Para
encerrar esta série de artigos é indispensável abordar o ponto principal do
Seminário
de Filosofia, que segundo o próprio
Olavo de Carvalho é investigar a realidade, conhecer as coisas como
efetivamente se passaram. O Olavo explica o que é realidade da seguinte forma:
“Realidade é aquilo que todo mundo conhece, aquilo que já está dado para você
no conjunto da sua experiência externa e interna, desde que você nasceu. A
realidade é onde você vive, onde você se move, é onde você se alegra, chora,
tem esperança, luta, tem vitórias e derrotas, isto é a realidade”.
Em
nenhum momento foi mencionado se a realidade que será investigada no Seminário
de Filosofia, é a realidade concreta, a realidade não concreta ou ambas as
realidade, mas é mostrada a essência do método científico que será utilizado na
investigação: “[...] imaginar as alternativas, imaginar as perspectivas
possíveis, ir cruzando até que você encontre o limite da realidade, isto aí é a
essência do método científico”.
Antes
que alguém pergunte para que serve investigar a realidade, se a realidade é
aquilo que todo mundo conhece, é aconselhável interpretar essa afirmação como
“o conjunto dos conhecimentos de todo o mundo”, ou seja, não é algo conhecido
por todos, mas a reunião de todos os conhecimentos. No entanto a investigação
da realidade será a investigação de algo que já é conhecido por alguém em algum
lugar.
A
questão é: como saber se algo já é conhecido por alguém, para saber se faz
parte da realidade e, portanto, pode ser investigado? Olavo de Carvalho
estabelece um raciocínio circular, onde investigar a realidade é investigar
aquilo que já está reconhecido como realidade, não é investigar algo para
descobrir se é ou não é real. Substituindo a realidade por um cachorro,
investigar o cachorro é investigar algo que já é reconhecido como cachorro,
para então descobrir o que é um cachorro.
Felizmente
o Olavo consegue romper barreiras e faz as estruturas da ciência modera
estremecerem. Com um método científico capaz de investigar qualquer coisa de
forma infalível, Olavo usa o imaginário para investigar a realidade. Aplicando
o método do Olavo, investiga-se a realidade, com base naquilo que já é
reconhecido como realidade, cruzando imaginários até que sejam limitados pela
realidade, mostrando assim o que é realidade. Substituindo a realidade por um
cachorro... deixa pra lá.
Pablo
Capilé (que não se diz filósofo) costuma tratar tudo como uma questão de
dissertativa, mas não afirma que tudo é uma questão de dissertativa. Olavo de
Carvalho (que se diz filósofo) afirma que a essência do método científico é
imaginar alternativas e perspectivas, portanto afirma que tudo é uma questão de
imaginação. Qual é a diferença entre afirmar que tudo é questão de dissertativa
ou tudo é questão de imaginação? Qual é a diferença entre a filosofia do Olavo
de Carvalho e a filosofia do Pablo Capilé?