A diferença fundamental entre o evolucionismo e o
criacionismo é que o primeiro é uma teoria de Darwin com fartas provas e o
segundo, uma “verdade” religiosa sem prova nenhuma.
Eu nem tocaria nesse assunto, que suscita um besteirol sem
tamanho, se não fosse o artigo do rabino Nilton Bonder, publicado há tempos em
O Globo, “Darwin e Heresias”, onde ele, para meu espanto, defende ardorosamente
o criacionismo bíblico.
Não que eu conheça a obra de Bonder - autor de 14 livros e
rabino badalado aqui no Rio - mas o imaginava um pouco mais brilhante do que
mais um mero distorcedor de palavras, tal e qual qualquer outro intermediário
de deuses.
Até que ele começa bem, dizendo que “a leitura fundamentalista
do texto bíblico não pode sequer ser considerada literal, mas política.
Baseia-se mais no corporativismo e no monopólio do absoluto do que em qualquer
compromisso com a verdade”, ou seja, aparentemente ele é contra as
interpretações que distorcem o sentido da Bíblia, ou melhor, do Antigo
Testamento, que é o livro comum entre judeus e cristãos.
Para meu espanto, logo depois, ele mesmo começa a dar a sua
versão sobre a Gênese, dizendo que o dia bíblico pré-Adão “com certeza, não se
trata do período de rotação completa da Terra sob seu eixo ou o tempo de 24
horas. Dia quer dizer um ‘período’ e por seis períodos demorou para ser formado
este mundo como nós o conhecemos”, completando com “este Universo existe há
5.769 anos (desde Adão) e mais sete eras”.
Ora, o texto bíblico é claro em Gênesis 1:5 - E Deus chamou
à luz dia, e às trevas noite. E foi a tarde e a manhã, o dia primeiro. Se o
primeiro passo de Deus foi criar o dia e a noite - e não me consta que esse
período tenha variado muito além ou aquém das 24 horas -, é óbvio que o dia
bíblico desde o primeiro, tem essas tais 24 horas.
Aqui eu abro um parêntese para uma curiosidade, ainda em
Gênesis 1:
25 Deus, pois, fez os animais selvagens segundo as suas
espécies, e os animais domésticos segundo as suas espécies, e todos os répteis
da terra segundo as suas espécies. E viu Deus que isso era bom.
26 E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a
nossa semelhança; domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu,
sobre os animais domésticos, e sobre toda a terra, e sobre todo réptil que se
arrasta sobre a terra.
Eu acho que Deus ficou meio atrapalhado com tanto trabalho
e, pelo menos na ordem bíblica, criou os animais domésticos antes do homem.
Como é que pode um animal ser domesticado, isto é, submetido ao domínio do
homem, se Adão não tinha sido criado ainda?
Voltando ao rabino, em mais uma interpretação ele diz que “a
Bíblia não tem pretensões de ser um manual eterno da ciência, e sim da
consciência. Sua grande revelação não é como funciona o Universo e a realidade,
mas como se dá a interação entre criatura e Criador. Seu tema maior é outro: a
revelação de que o Universo tem uma identidade, um Self”. Um Self... Tá bom.
Mas já que Bonder acha que a Bíblia não pretende ser um manual científico, com
que autoridade ele se arvora em ardoroso defensor do criacionismo? Baseado em
que ele se atreve a considerar uma teoria exaustivamente estudada até hoje como
uma “leitura herética” como em sua última frase: “Talvez a insistência em prosseguir
com estas leituras heréticas realmente consiga provar Darwin como errado. Isso
porque a sobrevivência de visões tão retrógradas acabará cabalmente
demonstrando a existência não só de processos bem-sucedidos de evolução, mas
também de involução”.
Provar Darwin como errado foi tudo o que ele não conseguiu
com esse monte de contradições. E quem disse a ele que no evolucionismo não há
lugar para a involução?
Ao chamar a Teoria da Evolução de “visão retrógrada”, Bonder
bota um ponto final nessa história, deixando bem claro de que lado vem a
retrogradação.
Para finalizar, a
Teoria da Evolução nunca teve como objetivo contestar nenhuma religião, pelo
contrário, são as religiões que querem contestar o evolucionismo. O que há, na
verdade, é um bando de religiosos enfiando a carapuça, que aliás lhes cai muito
bem. Nunca vi nenhum cientista rasgar o Torá ou qualquer outro livro religioso.
Desconhece-se haver algum cientista que tenha abandonado a sua fé por causa do
evolucionismo até porque, suas cabeças privilegiadas e habituadas a lidar com a
razão lhes permitem separá-la da fé, coisa que eu insisto, é individual e
intransferível e não depende (ou não deveria depender) de livros e muito menos
de intermediários como rabinos, padres, pais-de-santo, pastores ou médiuns.
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