sábado, 30 de novembro de 2013

A paranoia das estatinas

Eu sou igual ao PT: contesto até médico. Só que dessa vez eu tenho alguém de peso ao meu lado, Drauzio Varella. Sempre me bati contra o uso indiscriminado das estatinas - que, inclusive, levaram um amigo meu a uma pancreatite medicamentosa que quase o matou -, até porque o colesterol não é esse assassino em potencial que divulgam. Se assim o fosse, os gaúchos teriam a pior média de vida entre os brasileiros, já que seu nível médio do esteroide (no meu tempo era lipídio) são os maiores entre os estados, mas sua média de vida hoje é de 82 anos, a maior do Brasil.

Sem falar que esse furor de redução de parâmetros e a consequente paranoia "estatínica" podem levar a níveis abaixo dos desejáveis, já que o colesterol é necessário para o bom funcionamento do fígado (ajuda na fabricação da bílis), para o metabolismo das vitaminas lipossolúveis, incluindo as vitaminas A, D, E e K, é o principal precursor para a síntese de vitamina D e de vários hormônios esteróides que incluem o cortisol e a aldosterona nas glândulas supra-renais, e os hormônios sexuais progesterona,  diversos estrógenos, testosterona e derivados.

Drauzio Varella: A agonia do colesterol

Nunca me convenci de que essa obsessão para abaixar o colesterol às custas de remédio aumentasse a longevidade de pessoas saudáveis.

Essa crença - que fez das estatinas o maior sucesso comercial da história da medicina - tomou conta da cardiologia a partir de dois estudos observacionais: Seven Cities e Framingham, iniciados nos anos 1950.

Considerados tendenciosos por vários especialistas, o Seven Cities pretendeu demonstrar que os ataques cardíacos estariam ligados ao consumo de gordura animal, enquanto o Framingham concluiu que eles guardariam relação direta com o colesterol.

A partir dos anos 1980, o aparecimento das estatinas (drogas que reduzem os níveis de colesterol) abafou as vozes discordantes, e a classe médica foi tomada por um furor anticolesterol que contagiou a população. Hoje, todos se preocupam com os alimentos gordurosos e tratam com intimidade o “bom” (HDL) e o “mau” colesterol (LDL).

As diretrizes americanas publicadas em 2001 recomendavam manter o LDL abaixo de cem a qualquer preço. Ainda que fosse preciso quadruplicar a dose de estatina ou combiná-la com outras drogas, sem nenhuma evidência científica que justificasse tal conduta.

Apenas nos Estados Unidos, esse alvo absolutamente arbitrário fez o número de usuários de estatinas saltar de 13 milhões para 36 milhões. Nenhum estudo posterior, patrocinado ou não pela indústria, conseguiu demonstrar que essa estratégia fez cair a mortalidade por doença cardiovascular.

Cardiologistas radicais foram mais longe: o LDL deveria ser mantido abaixo de 70, alvo inacessível a mortais como você e eu. Seríamos tantos os candidatos ao tratamento, que sairia mais barato acrescentar estatina ao suprimento de água domiciliar, conforme sugeriu um eminente professor americano.

Pois bem. Depois de cinco anos de análises dos estudos mais recentes, a American Heart Association e a American College of Cardiology, entidades sem fins lucrativos, mas que recebem auxílios generosos da indústria farmacêutica, atualizaram as diretrizes de 2001.

Pasme, leitor de inteligência mediana como eu. Segundo elas, os níveis de colesterol não interessam mais.

Portanto, se seu LDL é alto não fique aflito para reduzi-lo: o risco de sofrer ataque cardíaco ou derrame cerebral não será modificado. Em português mais claro, esqueça tudo o que foi dito nos últimos 30 anos.

A indústria não sofrerá prejuízos, no entanto: as estatinas devem até ampliar sua participação no mercado. Agora serão prescritas para a multidão daqueles com mais de 7,5% de chance de sofrer ataque cardíaco ou derrame cerebral nos dez anos seguintes, risco calculado a partir de uma fórmula nova que já recebe críticas dos especialistas.

Se reduzir os níveis de colesterol não confere proteção, por que insistir nas estatinas? Porque elas têm ações anti-inflamatórias e estabilizadoras das placas de aterosclerose, que podem dificultar o desprendimento de coágulos capazes de obstruir artérias menores.

O argumento é consistente, mas qual o custo-benefício?

Recém-publicado no “British Medical Journal”, um artigo baseado nos mesmos estudos avaliados pelas diretrizes mostrou que naqueles com menos de 20% de risco em dez anos as estatinas não reduzem o número de mortes nem de eventos mais graves. Nesse grupo seria necessário tratar 140 pessoas para evitar um caso de infarto do miocárdio ou de derrame cerebral não fatais.

Ou seja, 139 tomarão inutilmente medicamentos caros que em até 20% dos casos podem provocar dores musculares, problemas gastrointestinais, distúrbios de sono e de memória e disfunção erétil.

A indicação de estatina no diabetes e para quem já sofreu ataque cardíaco, por enquanto, resiste às críticas.

Se você, leitor com boa saúde, toma remédio para o colesterol, converse com seu médico, mas esteja certo de que ele conhece a literatura e leu com espírito crítico as 32 páginas das novas diretrizes citadas nesta coluna.

Preste atenção: mais de 80% dos ataques cardíacos ocorrem por conta do cigarro, vida sedentária, obesidade, pressão alta e diabetes. Imaginar ser possível evitá-los sentado na poltrona, às custas de uma pílula para abaixar o colesterol, é pensamento mágico.

Um comentário:

  1. He he he, é preciso viver e, gastar enquanto vivo; caso contrário, a industria e o comercio morrem por falta dos "consumidores" - consumidor, "novilíngua" para qualquer ser vivo, humano, vegetal ou animal sem alma.
    Compre!, compre!, compre!

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