Eu sei, sou um chato, mas a cada vez que leio ou escuto um
atentado ao idioma tenho reações alérgicas, principalmente se for praticado por
alguém que vive dele, como Claudio Humberto, um craque na arte de informar, mas
que, volta e meia tropeça feio na flor do Lácio.
Hoje ele me sai com essa em seu blog: “Em diálogo áspero,
Barbosa acusou-o de fazer ‘chincana’, a serviço dos mensaleiros”.
De onde Claudio Humberto foi tirar essa tal “chincana”?
Eu tenho certeza que “chicana” é uma das primeiras coisas
que um estudante de Direito aprende a escrever, a falar corretamente e a usar. Significa,
de uma maneira geral, “abuso dos recursos, sutilezas e formalidades da justiça”.
Mesmo entre aspas como, no caso da frase do Claudio, “chincana” é uma grossa besteira
que me remete a Galvão Bueno - outro que vive das palavras, mas, volta e meia,
assassina uma -, o inventor da palavra “chincane” - que ele pronuncia “xinquêin”
-, já que em uma discussão de alto nível em torno da origem da palavra, ele
cismou que uma curva dupla criada para formar um obstáculo em uma pista de
automobilismo ou em uma estrada tinha algo a ver com “gincana” e não com o
termo de origem francesa “chicane” criado no Século XV.
Ainda bem que o dicionário Houaiss, campeão em incorporar
besteiras ao vocabulário ainda não “assimilou” a versão galvanizada de chicana,
senão seria difícil alguém acreditar em mim.
Aliás e a propósito, Ruy Castro, em seu artigo de hoje na
Folha, “Dentro e fora da legalidade”, fala sobre o assunto e eu me atrevo a
discordar da sua frase final que afirma que “o problema de uma língua não está
nas palavras que ela incorpora, mas nas que são abandonadas e morrem a cada dia”.
Vejam, por exemplo, o que aconteceu com “desapercebido” - adjetivo
que significa originalmente “que não está preparado; sem munições, provisões;
desaparelhado, desmunido” -, vocábulo que o Houaiss simplesmente resolveu aceitar
como sinônimo de “despercebido”, sob a alegação que “os parônimos desapercebido
e despercebido foram objeto de censura purista, acoimados de falsa sinonímia,
mas o emprego desses vocábulos como sinônimos por autores de grande expressão
tornou a rejeição inaceitável”.
Eu só queria que alguém me citasse quais foram os “autores
de grande expressão” que usaram “desapercebido” no lugar de “despercebido”.
Paulo Coelho? José Sarney? Emir Sader? Certamente vocês nunca vão ler essa
besteira em um Machado de Assis.
Outra do Houaiss: “leiautar” - quiuspariu! -, significando “fazer
o leiaute de”. Pombas!, já não temos “esboçar”, “delinear”, “projetar”?...
Que Ruy me desculpe, mas são justamente os léxicos, com essa incorporação indiscriminada
de qualquer jargão inventado por grupos socioculturais ou profissionais, que
causam a substituição, o abandono e a morte das palavras da dita norma culta.
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