domingo, 20 de outubro de 2013

Professor de Português

Uma conversa com Fernando Pestana, o professor de português criticado por mim e que, gentilmente, comentou meu post.

Não devemos julgar sem conhecimento embasado, Ricardo. Coloco-me à disposição para trocar ideias com você (fernandopest@yahoo.com.br). Estou curtindo esse papo gramatical. Outra coisa: não deixemos o humor, por mais ácido que ele seja, e a humildade de lado. :-)

Embasamento é muito relativo. Durante essa nossa conversa eu mostro que nem sempre os gramáticos mais renomados estão certos, embora, para a minha tristeza e para o empobrecimento do Português, eles sejam os donos da verdade.

1) Por gentileza, prove, por meio de um manual de redação de renome, que nomes de jornais prescindem do itálico ou de qualquer destaque na escrita. Antes, porém, confira a página 69 do Manual de Redação do Senado Federal: http://www12.senado.gov.br/senado/institucional/conleg/manuais/manual-de-elaboracao-de-textos. Veja também a página 206 do Manual de Redação da Câmara dos Deputados: http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/5684/manual_redacao.pdf.

Bom, o ponto não é esse. Eu fui claro: Reinaldo escreve em um blog e não em um veículo, digamos, formal de informação, portanto ele não tem que se ater a manuais. Além disso eu também não afirmei em hora nenhuma que havia algum manual que não recomendasse o uso de itálico.

2) Obrigado por destacar que o “O” tinha de estar em negrito. Vacilo meu.

Disponha.

3) O objeto indireto (dativo, no latim) se refere normalmente a uma pessoa ou a um ser personificado. Normalmente se usa o “lhe” ou “a ele(a)” para se referir ao alvo das desculpas. Todos os exemplos dos dois melhores dicionários de regência do Brasil (do Luft e do Fernandes) apresentam “desculpar-se com” seguido de coisa, e não de pessoa: “Ele se desculpou com o nervosismo”. O Bechara fala sobre “desculpar-se de, com”, mas não alista exemplos. Saiba que, se o Bechara afirma “desculpar-se de, com”, mas não alista exemplos, é preciso recorrer aos dicionários de regência, que nunca exemplificam “desculpar-se de, com” seguido de pessoa. Mais importante que tudo isso é o que o Celso Pedro Luft diz sobre “desculpar-se com” (segundo ele, só se usa tal regência quando o verbo significa “alegar, pretextar como desculpa”, o que não é o caso no texto do Reinaldo Azevedo). Logo, Reinaldo Azevedo errou a regência mesmo, por ter usado o verbo com um sentido diferente do da regência de “desculpar-se com”! Caso meus argumentos não sejam suficientes, veja isto:

- http://www.ciberduvidas.com/pergunta.php?id=23374
- http://www.ciberduvidas.com/pergunta.php?id=25209

O fato de haver exemplos de “desculpar-se com alguém (pessoa)” não torna tais exemplos registros formais/cultos da língua. Prove que algum gramático apoia “desculpar-se com alguém (pessoa)”, e eu tiro o meu chapéu.

(Esqueci do desculpar. Estou em cima da hora, depois comento)

4) O uso de “algum(a)”, posposto ao substantivo (dinheiro algum), tem sentido negativo e esse é um uso corretíssimo! Nenhum gramático discorda disso!!!!!!!!!!!!! Prove que algum gramático discorda disso, e eu tiro o meu chapéu.

Como eu disse, gramáticos fazem concessões e conchavos até com o diabo. Nesse caso foi com a falta de lógica. Algum por nenhum é sacanagem!

Pegue um léxico moderno qualquer e veja por você mesmo o que se passa, por exemplo, com a palavra “desapercebido”, quando usada no lugar de “despercebido”. O Houaiss simplesmente diz que “os parônimos desapercebido e despercebido foram objeto de censura purista, acoimados de falsa sinonímia (no sentido de não percebido, não observado), mas o emprego desses vocábulos como sinônimos por autores de grande expressão tornou a rejeição inaceitável”. Quer dizer: basta uma meia dúzia de gente famosa e premiada - como Chico Buarque e seus Jabutis - cometer a mesma besteira que os baba-ovos logo incorporam ao vocabulário formal.

E o que você me diz de “leiautar”, como “realizar o ‘leiaute’ de”?

5) Ok! Pesquisei mais um pouco. Não são só Celso Cunha e Evanildo Bechara, mas também Mattoso Câmara e Maria Helena de Moura Neves que dizem podermos usar “isso” ou “isto” com valor anafórico, ou seja, retomando um termo já mencionado. Se quatro grandes nomes, um deles (Bechara) citado por você para defender a tese de que está certo “desculpar-se com alguém (pessoa)” (engraçado ele ser ignorado agora, quanto ao uso do pronome demonstrativo), corroboram o uso de “isto” para retomada, quem sou eu, quem é você ou Reinaldo Azevedo para dizer o contrário? Isto me satisfaz. Em outras palavras, Reinaldo Azevedo não pode dizer que o uso de “isto” para retomar é um erro, a não ser que ele seja melhor que Celso Cunha, Bechara, Mattoso e Neves. Detalhe: sou professor de português para concursos públicos; recentemente caiu uma questão da banca Ceperj exatamente sobre o uso CORRETO de “isto” (anafórico). Enfim... o fato de um gramático não apoiar esta ou aquela doutrina gramatical não significa que a doutrina está errada. Errado está quem pensa o avesso, pois a língua não é uma ciência exata. Se quatro pensam diferente de dez, quatorze estão certos e nenhum está errado.

Repito: são as malditas concessões dos gramáticos, que em vez simplificar a língua só a empobrecem. E complicam também.

Voltando ao exemplo acima - do “desapercebido” - se você fosse corrigir uma redação, aceitaria a grafia derivada de erros sucessivos ou a corrigiria? E se corrigisse e o aluno viesse com o Houaiss no sovaco para esfregá-lo na sua cara, como ficaria (além do cecê)?

6) Obrigado por me avisar das aspas simples. Eu conheço a lição. Já corrigi. Tenho prazer em reconhecer que errei, pois assim me torno cada vez mais destilado. Obrigado, de verdade!

Destilado ou do outro?

7) Meu nobre, colocar vírgulas em orações subordinadas adverbiais intercaladas é de praxe. Isso cai em prova todo maldito ano, e as gramáticas estão cansadas de ensinar isso há milênios. A oração “como se fosse pronome relativo” é subordinada adverbial comparativa e está intercalada por vir entre (daí, INTERcalada) o sujeito (O uso do advérbio) e o predicado (é coisa de gente...). Safo?! Sim, Reinaldo Azevedo errou... de novo. Se ele se coloca na posição de corrigir alguém, tem de admitir ser corrigido. Meu propósito foi apenas mostrar que “herrar é umano”. Eu erro, Chico erra, Reinaldo erra, Ricardo erra. Não podemos esculachar alguém gramaticalmente se nós mesmos cometemos erros gramaticais. Minha intenção não foi espezinhar, esculhambar, esculachar o Reinaldo, mas ele QUIS menosprezar, arrogantemente, o “português” do Chico Buarque. No fim das contas, do ponto de vista gramatical, Reinaldo errou mais que acertou. Será que ele vai admitir seus erros, mesmo depois de ter sido tão duro com o Chico? Só nos resta aguardar.

8) Na verdade, qualquer “idiota” deveria saber que toda oração subordinada adverbial intercalada é separada por vírgulas. Brincadeirinha... é porque você pegou pesado com suas palavras; eu as usei de propósito, para você sentir que as palavras ferem. Bem... o fato é que toda oração subordinada adverbial intercalada é separada por vírgulas, isso é ensinado pelos gramáticos desde sempre e cai em prova de concurso há séculos, todo maldito ano! Se quiser, posso mostrar uma porrada delas! Recomendo que compre o livro A Vírgula (em itálico), do Celso Pedro Luft. Lá você vai aprender um pouquinho sobre o assunto. Prove que a vírgula é dispensável, e eu tiro o meu chapéu.

Lá vem você com a tal “oração subordinada adverbial intercalada”. Mas eu aceito a sua argumentação de professor, já que análise sintática nunca foi meu forte. Aliás, eu diria que a gramática analítica, de uma maneira geral, nunca foi meu forte. Se eu sigo regras e escrevo razoavelmente bem é por pura intuição, por uma considerável quantidade de leitura - da boa - e pelo exercício diário e atencioso da escrita há uns 20 anos.

9) Até Deus é questionado, e ninguém é detentor do conhecimento supremo e infalível. Sim, Reinaldo errou. Ponto final! A grande questão é se ele vai reconhecer os erros dele. Talvez você ache que o Reinaldo seja um semideus e não precise disso, mas sabemos que ele é feito de barro, como todos nós.

Se você não leu meu post até o fim, leia. Eu disse: “E olha que eu não morro de amores pelo Reinaldo...”, portanto, longe de mim considerá-lo um semideus.

Reinaldo se acha o infalível dono da verdade. E até o é, mas única e exclusivamente em seu blog, porque ele simplesmente não permite que nada, nem mesmo uma vírgula, venha contra as suas convicções. Há apenas uma exceção para comentários escolhidos a dedo que ele escolhe como motivo de achincalhes.

10) Fernando Pestana é professor de Português, humano (rs), bem-humorado e não se importa de errar e ser corrigido.

Obrigado pelo papo e grande abraço, parceiro!

Eu é que agradeço pela sua presença e pelos seus modos gentis, embora eu preferisse uma boa porrada.

Brincadeira. Apareça sempre.

Ricardo Froes também é professor. De Ciências Ocultas e Letras Apagadas. E ex-arquiteto.

6 comentários:

  1. Salve, meu camarada! Fiquei muito feliz com o desfecho desse imbróglio todo! No fim das contas, venceu a sensatez! Caso queira falar comigo ou me manter atualizado com novas idiossincrasias gramaticais "azevedianas", mande um e-mail (é mais prático). Grande abraço!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Ah! Faço questão que conheça a minha gramática: "A Gramática para Concursos Públicos", da editora Elsevier. :-)

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    1. Deixa eu espezinhar mais um pouco: existe mais de uma Gramática?

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  4. Parabenizo o blog e os debatedores. Na verdade este blog está (lentamente) se transformando na melhor opção de debates na net. Pessoas como o Fernando Pestana poderiam participar com mais frequência, inclusive com artigos. Quanto ao Ricardo Froes, é uma pessoa que discorda com propriedade (quando discorda), embora na maioria das vezes Ricardo e eu concordamos, sempre que divergimos é possível aprimorar nossos intelectos, mesmo que nenhuma das partes mude de opinião. Parabéns ao blog e aos debatedores.

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    1. Fico feliz com isso, Milton, até porque sou meio destemperado e não espero lá muito retorno do que escrevo.

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