Desembarco mareado nesta nova estação do progresso. Sou pela
abertura dos portos e não vejo argumento mais forte do que centenas de
caminhões engarrafados esperando o momento de exportar sua carga.
Chego mareado não pelo balanço das ondas, mas pelo espetáculo
agitado em terra firme. Um longo psicodrama que não pude acompanhar em todos os
detalhes por causa das tarefas cotidianas. Mas já o pressentia. Para articular
seu governo na nave do Congresso, a senhora escolheu Ideli Salvatti. Com as
características da nova ministra, a escolha a transformaria rapidamente de
Salvatti em Afundatti: independentemente de suas qualidades, simplesmente não é
a pessoa para o cargo. Pode ser amiga, fiel, apaixonada pela causa, mas, que
diabo, isto é uma República! Em vez de elevar o nível da política, como se pede
a uma presidenta, ela a joga no chão e a pisoteia com o salto alto.
O mais impressionante, à distância, é o reality show no
Congresso. Conheço alguns personagens, da política fluminense, e não acreditava
no que lia: Eduardo Cunha, guerrilheiro que obriga o governo a recuar. Como
assim? Eduardo Cunha fazendo emboscadas, dispersando quando o inimigo se
concentra, concentrando-se quando o inimigo se dispersa?
Eduardo Cunha, o líder do retrocesso, diziam algumas outras notas.
Será? Cunha não se bate pelo progresso nem pelo retrocesso. Seus parâmetros são
outros. Lembro-me de uma sessão que ele presidia. Discutimos e tive a sensação
de que não estava me olhando. Disse: “Por favor, olhe para mim”. E ele: “Estou
olhando”. Percebi, subitamente, que olhava sem olhar. Ele falava de dentro de
uma caverna.
Garotinho, pensando em Cunha, chamou a emenda dos portos de
emenda dos porcos. Foi sua contribuição. Saiu quase ileso no outro dia, quando
Ronaldo Caiado afirmou que ele, Garotinho, tinha cheiro de porcos.
Nada como o tempo para serenar os ânimos. Cheirar não é ser.
Abre espaço para um acidente, ter passado por um chiqueiro, posado para uma
foto com porquinhos no colo.
Imaginem essa confusão numa atmosfera fechada, uma espécie
de abrigo antiaéreo onde se entra e sai sem ver a passagem do dia para a noite,
o próprio amanhecer. Pizzas, frangos, um batalhão de alimentos entra pelos
corredores e deságua na cantina abarrotada. Cochilos, intervalos para o
futebol, é verdade isso que a imprensa mostrou. E, naturalmente, os gases: 500
pessoas reais concentradas no mesmo espaço, disputando os mesmos sofás. O que
importam esses detalhes para a história da modernização dos portos? Se o preço
de distribuir renda é degradar a política, por que não usar o mesmo raciocínio
para desatar o nó no comércio exterior?
Pelo rádio ouço uma comentarista lembrar que a emenda dos
portos seria aprovada mais rapidamente no Senado, pois os senadores, mais
velhos, não aguentariam a maratona. Como apenas seis horas bastaram para rever
algo que os deputados levaram dias para concluir, supõe-se que têm uma
invejável juventude intelectual. Falsa suposição. Os senadores fazem o que quer
o governo. Garantidos suas verbas e seus cargos, nada têm a temer, exceto um colapso
do serviço de chá.
O episódio da emenda dos portos mostrou mais uma vez o
descompasso entre o crescimento econômico e a qualidade política. Acho esse
caminho insustentável. Mas posso estar equivocado, aplicando uma visão dinâmica
a algo que tende a sobreviver, se essa for mesmo a escolha nacional, por
comodismo ou indiferença.
Confrontado com as expectativas da redemocratização, o
processo político brasileiro degradou-se. Se as previsões falharam no passado,
de que adianta renová-las? Pensar o futuro, só recorrendo à ficção científica.
Que bichos ocuparão as denúncias na tribuna? Antes havia o dinossauro, que se
tornou simpático, o veado, que perdeu sua conotação negativa. O porco é o bicho
do momento, mas o próximo pode ser a iguana, a barata ou o dromedário? Tudo é
possível na enorme fazenda petista, onde os bichos se acalmam só quando sentem
o cheiro do dinheiro no ar.
O drama dos portos ocorre num momento de comemoração do
partido dominante, que se orgulha publicamente de elevar milhões de pessoas à
classe média. Na festa, a filósofa Marilena Chaui disse que odeia a classe
média por suas posições fascistas e conservadoras. Então, elevam a vida das
pessoas para melhor conseguirem odiá-las?
Se a classe média é reacionária e fascista, resta procurar
uma classe social democrata e progressista, salvadora. Seriam os operários os
portadores da nova moral? Lula, por exemplo, beijando a mão de Jader Barbalho e
dizendo que Newton Cardoso é o Pelé da política?
Com seu talento filosófico, Chaui poderia até nos convencer
da tese de Lula de que não existiria poluição se a Terra não fosse redonda.
Como a Terra gira e a Lusitana roda, slogan que sempre marcou o negócio das
mudanças no Rio, o poluído planeta, pelo menos, está em movimento. Cedo ou
tarde essa mistificação que vê o fascismo só nos outros e veste de pureza um
partido corrompido até a medula pode ser desmascarada.
O discurso de Chaui, no entanto, é sintomático. Depois de
impor a ideia de que a degradação política é essencial para mover o País, está
tudo pronto para tratar as pessoas como se tratam os deputados no plenário. O
sadomasoquismo nacional entra em nova fase. Os brasileiros da classe média são
roubados de dia e insultados à noite nas tertúlias literárias do PT. Se gostam
ou não, é problema deles.
Desde o início da democratização me bati pela liberdade de
escolha em questões delicadas, incluída essa de gostar de apanhar. Se os
eleitores preferem um Parlamento cheio de Cunhas e os empresários adoram tratar
suas questões com eles, temos somente de nos resignar e esperar que combatam
entre si e sejam devorados pela própria cobiça.
Aos poucos, vamos compondo um novo e inquietante dístico
para a Bandeira Nacional: “Barbárie e Progresso”. Salve, salve.
Eu aprecio o Gabeira, sabe comunicar, nao eh vulgar, eh sarcastico, sarcasmo bem usado eh sinal de inteligencia.
ResponderExcluirNao sei de mais ninguem do tempo dos dinosauros que tenha intelecto, intelecto nao corrompido pelo esterco petista.
Mais de 1 bilhão para aprovar a MP dos Portos!`
ResponderExcluirE assim caminha a desumanidade petista!!
Acompanho seu trabalho já a algum tempo, inclusive divulgando alguns textos de seu blog, e convido para conhecer o meu trabalho também OK!
http://bigfull.wordpress.com
Fui lá, Full. Muito bom seu blog. Vou botar nos meus links
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