domingo, 5 de maio de 2013

Cartórios e Maioridade Penal: uma ligação para lá de suspeita.

Era final de 1977. Na delegacia de Bonsucesso eu acabara de reconhecer um dos três bandidos que assaltaram a fábrica do meu pai, no Jacaré, e o mataram. Aliás, um parêntesis: os reconhecimentos eram feitos na base do cara-a-cara. Não haviam os vidros espelhados que a gente vê nos filmes americanos (doce ilusão) e nem sequer a menor proteção à identidade de quem identificava e, exatamente por isso, as demais testemunhas acabaram se recusando a depor temendo por represálias dos bandidos pondo em risco as suas vidas, pois praticamente todos os 150 funcionários moravam nas imediações da fábrica, a maioria na já imensa favela do Jacarezinho. O absurdo era tanto que em uma das delegacias que compareci para uma identificação fui levado - pasmem - à sua carceragem, entupida de gente presa, onde passei por um corredor entre celas tão estreito que os presos conseguiam me segurar, o que era sempre seguido por porradas dos policiais que me acompanhavam para supostamente me “proteger”.

Mas, voltando, assim que identifiquei o sujeito como sendo um dos assaltantes - após um périplo de várias visitas a várias delegacias durante dois meses -, o delegado coçou a cabeça e me disse:

- Ele é menor, vamos ter que soltar.

- Como menor? - perguntei. Esse cara não tem menos de 25 anos!

- É que ele tira uma nova Certidão de Nascimento na Baixada a cada ano. A maioria dos “menores” que aparecem aqui fazem isso. Esse então já é velho conhecido aqui - respondeu o delegado. Mas pode deixar que dessa vez ele vai ser monitorado até a gente chegar aos outros dois.

Como se isso fosse consolo... Eu queria mais é estrangular o sujeito ali mesmo, embora não tivesse sido ele o autor do disparo que matou meu pai - sobre este eu já tinha feito o depoimento para um retrato falado.

Depois disso eu acabei desistindo de comparecer às delegacias. Duas ou três vezes por semana durante mais de dois meses já havia me estressado o suficiente, mais do que eu já estava por ter presenciado o assassinato do meu pai. Feito o retrato falado de um, identificado outro, achei que já estava de bom tamanho.

Após tanto preâmbulo eu pergunto: de que vale ter uma lei que estabelece uma idade mínima para que o indivíduo responda por seus próprios crimes se a sua execução é invalidada por um crime mais que corriqueiro e que não é combatido?

Como é que podem ser válidos os documentos emitidos por cartórios se estes carimbam e reconhecem firmas até de papel higiênico em branco?

Por que os documentos de nascimento dos cidadãos não são emitidos exclusivamente pelo governo já com um número de único de identificação que os acompanhará até a morte, como se faz com o CPF?

É claro que todos sabem que essa praga chamada cartórios movimenta zilhões há muito tempo e que compra quem quiser com o dinheiro dos preços extorsivos que cobram e com o dinheiro com que são comprados na feitura de “documentos” falsos. Resumindo, eles fazem apenas um repasse da roubalheira.

Será que não está na hora de acabar com essa farra?

3 comentários:

  1. Eu já conhecia este lado tão doloroso da tua vida, é revoltante o que voce conta.
    Não somente revoltante como transmite uma sensação de vazio muito grande, não há justiça, somente sujeira, violencia e incapacidade daqueles que deveriam zelar pela segurança das pessoas.
    Entendo toda a frustação que te acompanha desde da morte do teu pai, morte causada por bandidos que deveriam pagar pelo ato criminoso que praticaram, não vingança, justiça, pois em um Estado de direito a justiça deve ser praticada.
    A dor que te acompanha me comove, não sei o desfecho, os assassinos estão soltos? Penso que estão, já mataram outras pessoas, ja roubaram, ja destruiram outras familias.
    Claro que num caso de assassinato infelizmente o cidadao brasileiro tera que procurar a policia, mas no fundo sabemos que é o mesmo que procurar os bandidos, pelo menos assim é que vejo a policia, inerte e conivente com a sujeira do submundo.
    Tenho até medo da policia quando vou ao Brasil.
    Receba um grande abraço meu.

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  2. Obrigado.

    Não estão soltos, estão mortos desde 1978.

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  3. Já não poderão causar mais tragédias. Melhor assim.

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