terça-feira, 12 de novembro de 2013

O Juízo Final - Parte Um

O Juízo Final - Parte Um

E chegou o dia do Juízo Final. Sem mais nem menos, sem aviso prévio, de repente todos os mortais foram chamados a prestar contas. Como era de se esperar, foi o maior tumulto. Bilhões de almas a querer passar pelos portões celestiais, cada uma com seus próprios motivos, deixaram São Pedro estressado a ponto de ter que tomar seis comprimidos de Rivotril para segurar a barra. Enquanto isso, os santos que não foram convocados para a reunião de emergência com o Divino, ao verem a balbúrdia, trataram de sumir de circulação, alegando que precisavam discutir a situação com suas bases.

O charivari ainda comia solto quando chega um esbaforido São Gilberto, secretário da Divindade, com a ordem do Divino para que todos se reunissem em grupos, de acordo com suas atividades profissionais terrenas, e que, cada grupo, teria seu representante. Ou seja, mandou sindicalizar a baderna. E mais, os julgamentos seriam coletivos, baseados nos parâmetros das súmulas vinculantes, que já vigoravam no Supremo Tribunal Celestial faz tempo em virtude do excesso de almas enviadas pelo SUS, o que sobrecarregava os juízes celestiais e provocava o congestionamento dos processos. Outro detalhe frisado pelo secretário foi que não seriam aceitos embargos infringentes.

A barra aliviou para São Pedro, que deu até uma escapadinha para umas biritas no boteco da nuvem em frente, mas os mortais passaram a se engalfinhar a socos, pontapés e pedras (de gelo, tiradas do calçamento de um cumulus-nimbus) pela disputa do poder de representar suas respectivas classes. Pedrão, ao chegar e ver aquilo, não teve dúvidas e mandou chamar o BOCETA (Batalhão de Operações Celestiais Especiais e Táticas Antibélicas), composto exclusivamente por potestades - anjos da sexta hierarquia - que, com suas pistolas de choque dado através de raios produzidos pelo sintetismo de nuvens ionizadas e suas balas de hóstias, rapidamente conseguiram debelar o conflito.

A nota destoante ficou por conta da depredação que se seguiu, em que uma centena de anjos caídos - bad blocs - forçaram os portões do Céu, destruíram harpas e incendiaram auréolas. O BOCETA deteve seis deles, identificados pelos nomes de Lúcifer, Belzebu, Leviatã, Samyaza, Baiano e Pablo Capilé, que foram liberados após pagarem fiança.

Mas depois de muito nhenhenhém pós-conflito, acabaram todos escolhendo seus representantes, porém, infelizmente, nem tudo estava resolvido. O problema foi que algumas classes exigiram a presença dos seus respectivos santos padroeiros e começaram a azucrinar Pedro que, a essas alturas, com Rivotril e birita na cuca, já estava meio zureta. Tanto que os Alcoólicos Anônimos, que também resolveram se fazer representar, à margem das suas profissões, os primeiros a pedir a presença do seu protetor a Pedro, que o chamou para uma reunião com seus protegidos. E qual foi a surpresa quando aparece São Martin de Porres. Antes que o alcoólico pudesse dizer alguma coisa, surge do nada uma bichona afetada que, berrando a plenos pulmões, exigia: “Esse bofe é meu, esse bofe é meu!”

São Pedro, cada vez mais porrado, assistia atônito ao chilique quando foi informado pelo alcoólico anônimo, que se chamava Joaquim, que Martin de Porres era o protetor dos cabeleireiros e que o protetor contra o vício do álcool era Santo Onofre. E o chamou imediatamente, reparando o erro.

E não é que um negão veio exigir a presença de São Benedito, O Mouro? “Se os alcoólicos anônimos, que não são uma profissão podem, nós, os afroamericanos também podemos!”, reclamou. E foi um custo para São Pedro, com a ajuda de Onofre, convencer o afrodescendente que o precedente tinha sido aberto pelo fato do alcoolismo ser uma doença e que o excesso de melanina dos negros não é doença nenhuma. Diga-se de passagem, um velho amigo meu ainda resolveu, aproveitando o embalo e por pura sacanagem, evocar Santo Arnaldo, o padroeiro dos cervejeiros, e saiu rindo, sem esperar resposta.

Seguindo a coisa em relativa paz, com todos mais calmos entabulando conversas sobre representação, os médicos, com seu representante definido - um cubano - finalmente foram os primeiros a entrar no Céu. Mas as coisas não foram assim tão simples, já que São Lucas, apesar de muito tentar, não conseguiu convencer ninguém a permitir que eles, seus protegidos, entrassem pelo portão principal, já que era norma os fornecedores entrarem pelos fundos.

Santo Egídio, protetor dos amputados, não estava nem aí para as confabulações e procurava sem sucesso um determinado protegido seu sem um dedo, que lhe tinha prometido mundos e fundos, mas que não tinha cumprido uma só promessa. Ao encontrar com Egídio, Clara, a santa dos cegos, descobriu que ambos estavam procurando a mesma pessoa, e que o amputado em questão lhe tinha enganado, dizendo sempre que não via bulhufas do que se passava a sua volta, mas que, de cego, não tinha nada!

Fim da parte um

5 comentários:

  1. Voce é fenomenal. Nao sei se ja editou o teu livro, se nao o fez, procure faze-lo.
    Fantastico. Os homosexuais ainda nao exigiram um padroeiro? Afinal é exclusao que nao tenham um padroeiro. Poderiam ter, pois a Igreja Anglicana aceita a homosexualidade e nao faz exclusao alguma. "estou caindo de rir aqui olhando a chama das minhas velas ."

    O Ricardo é talento só.
    Estou a espera da segunda parte.

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  2. Esqueci de mencionar o tropa de elite do céu "BOCETA" ahahahahahahahhahahahahah
    Agora sim, estou com solucos de tanto rir ahahahahhahahahahahahahahaha

    Olha, vamos ver se aparece um "orgao" qualquer uma instituicao cuja a sigla seja "PENIS" ou "PINTO" ou ainda "CACETE" ahahahahah ao contrario me revolto e saio pelada no frio,
    Desculpe usar palavras feias. ahahahahhahah

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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    1. Acordei de madrugada com isso na cabeça, peguei meu bloco e escrevi "juízo final". Quando acordei pela manhã e li, a ideia veio quase toda e como a cada parágrafo que eu terminava, vinha outra lembrança, a coisa foi esticando, até que eu resolvi parar sem terminar para postar aqui, ver a reação das pessoas e ler de novo algumas vezes para mudar aqui e ali.

      Nem revisão eu fiz ainda. Mas vou continuar.

      Obrigado, mas você é "suspeita". Beijo.

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  4. Este picareta "dedeta" que nunca sabia de nada, lembra um certo garanhunziano lingua presa que viveu numa era sombria no reino petraliano.

    Deve ser coincidência! rsrs

    Muito bom!

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