quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Igreja Católica atual faz de tudo para esculhambar as missas

Domingo passado foi o batizado da Duda, minha neta número dois (cronologicamente falando). E eu fui - é claro - à igreja, muito embora não me agrade a ideia de submeter uma criança a qualquer tipo de obrigação religiosa. Fui exclusivamente por amor e consideração ao meu filho - que também não tem religião -, à minha nora e à minha neta - que, obviamente, também não tem.

O que presenciei na igreja foi algo inacreditável, que mais se assemelhava a uma feira livre, nada tendo a ver com uma cerimônia religiosa, a começar por um “mestre de cerimônias” - talvez um desses leigos que hoje ajudam nas missas - que, munido de um microfone em volume máximo, ainda por cima gritava os nomes dos 17 batizandos cujos pais, padrinhos e parentes respondiam também aos berros, em uma espécie de chamada prévia. Parecia anúncio de promoção de loja de quinquilharias na Rua da Alfândega.

Sentamos separados dos pais da Duda. A berraria imediatamente me deixou atordoado e saí para fumar após uns dez minutos, sem que a tal chamada tivesse terminado. Além disso, era gente que não acabava mais, e eu até me senti um pouco responsável pelo fato de ter contribuído com quatro filhos e respectivos maridos, esposas, filhos dos filhos, netos a caminho, mulher, ex-mulher, marido de ex-mulher e eu mesmo: 15 pessoas, só de minha parte, sendo que apenas três faltaram por estarem viajando, fora os parentes da minha nora, padrinho e madrinha da Duda e respectivos parentes diretos. Uma legítima multidão.

Fumei, voltei, e enfim o padre tinha começado a falar - tão alto quanto o “mestre de cerimônias” -, explicando longamente que a celebração não era budista, xintoísta, protestante ou espírita, mas sim católica. Depois de ficar ciente dessa importante revelação, sem esperar por mais outras tão espantosas quanto, eu resolvi ir a um supermercado por perto, que tinha visto no caminho, para comprar umas flores para a neta e uma caixa de paçocas para o neto. Peguei os “presentes” e, com calma e resignação, enfrentei a fila única descomunal do caixa sem me prevalecer das minhas prerrogativas de idoso. Paguei e voltei à igreja.

Nessa hora o padre estava naquela parte do senta-levanta-ajoelha, mesmo com a balbúrdia comendo solta, sem que os batizados propriamente ditos tivessem começado. Sem ter um pingo de paciência para assistir, não uma missa em si, mas uma zorra e desrespeito totais, deixei as pequenas sacolas do supermercado com minha filha e minha mulher, decidi tomar um pouco de “água benta” e rumei em direção a um pé-limpo em frente que eu já tinha previamente selecionado quando saí para fumar.

A essas alturas, uma da tarde - a cerimônia sem-cerimônia começara ao meio-dia -, goela seca, a cervejinha caiu como um néctar dos deuses do Olimpo e também me ajudou a acalmar. Bebi a o conteúdo da latinha de Antarctica rápido, mas com todo o respeito que a primeira do dia merece.

Voltei à igreja pela terceira vez e, desta, um pouco mais tranquilo. Mas, quis a alaúza instaurada com o firme propósito de tornar a coisa insuportável, que ainda estivesse começando a chamada para que, de uma a uma, as crianças recebessem o sacramento. E foi logo na primeira que eu vi que a coisa toda estava irremediavelmente perdida, quando, no final de uma interminável ladainha que o padre fazia com pais, padrinhos e agregados, obrigados a repetir suas palavras que me entraram por uma orelha e saíram pela outra, ele elevou a voz mais ainda e disse: “Repitam comigo de novo: ‘creio’!, sem comer chicletes! Não pode comer chicletes aqui!”.

Quiuspariu!, aquilo foi a gota d’água para o meu já tão judiado saquinho. E rumei, em definitivo, para o boteco, e de lá só voltei quando, do outro lado da rua, vi rostos familiares saindo do átrio. Enfim, duas horas depois de iniciada a azáfama, era hora de ir embora. Do bar e da igreja.

Fui e irei sempre a cerimônias religiosas desse tipo por consideração, desde que seus protagonistas me sejam caros e estejam presentes em carne e osso vivos, o que exclui velórios, enterros e missas de defuntos, sobre quais me dou o direito de decidir, de acordo com meu humor na hora, mas me dou o direito também, caso eu estiver presente a qualquer uma delas, de assistir ou não aos ritos, de acordo com o que eu considere respeitoso a quem é seu motivo e a mim.

Considero o que assisti domingo uma afronta a todos que lá estiveram com educação suficiente para saber respeitar qualquer manifestação religiosa, independentemente dos seus próprios credos ou “descredos”, aos católicos de uma maneira geral e, principalmente, às crianças que estavam lá para receber seu primeiro sacramento sem nem saber por quê. Única e exclusivamente por isso tudo preferi o supermercado e o boteco à verdadeira desfeita que um padreco e sua trupe cometeram, sobretudo com a minha neta.

Talvez a maioria das pessoas conteste meu direito de opinar sobre suas religiões por eu ser ateu. Talvez todos os crentes extremados de todas as crenças me considerem um pecador por isso. Tô nem aí, até porque, sem ser um estudioso, já li a respeito de quase todas muito mais que a maioria dos seus adeptos. Mas que nem todos se aflijam porque que minha pinimba hoje é com o catolicismo, mais especificamente, com o processo de esculhambação paulatina de um dos ritos mais bonitos de todas as religiões, que é a missa católica. Mais precisamente, era.

Fiz primeira comunhão - ainda quando o Mar Morto estava apenas doente - sendo obrigado a assistir missa todo domingo. Nas aulas semanais de catecismo fui cobrado da assinatura do pároco da Igreja Nossa Senhora da Paz, Frei Leovigildo, em uma cartelinha especialmente feita para isso, durante um ano. Lembro até que o cara escrevia com uma caneta tinteiro com tinta verde-cheguei e tinha uma caligrafia que era uma verdadeira obra de arte rococó, que, aliás, condizia com sua personalidade vaidosa.

Leovigildo rezava as missas em latim, que acompanhávamos pelo missal, dava os sermões em uma língua que vagamente se assemelhava ao português inteligível por meninos e meninas com sete anos de vida, mas, apesar dos pesares, aquela postura, o silêncio total que nos era exigido, as intervenções oportunas de um órgão e de um coral e a fala mansa e firme do padre - mesmo sem entendermos um décimo, tudo isso junto, criava um clima que remetia a algo mais que apenas uma extrema paz, coisa que eu só fui entender dez ou doze anos depois, quando resolvi empreender uma busca frenética por um deus, qualquer que fosse, comprando e lendo toda e qualquer literatura sobre o assunto, inclusive os ditos “livros sagrados” de quase todas as religiões.

Sim, a leitura me ajudou a compreender e respeitar muitas coisas, mas foi a memória que eu tinha das missas que assisti durante 1959, associada a uma certa maturidade intelectual dentro do que era possível a um rapaz de 18 anos, que me fez perceber a - digamos - elevação espiritual pretendida pelo catolicismo. Não importa se essas cerimônias foram engendradas e desenvolvidas por hábeis marqueteiros da Idade Média com o auxílio imprescindível dos arquitetos de então, que criavam ambientes que, sem dúvida, enlevam até hoje.

Um dos momentos mais bonitos que vivi e uma das emoções mais fortes que senti, foi dentro de uma igreja, em 1973, já ateu e então convicto. Um dia antes do fato eu a visitei com o grupo ao qual eu pertencia, em turismo pela Europa. É claro que eu, como estudante de arquitetura e admirador das artes, me encantei com a visita à Catedral de Notre Dame de Paris, mas, ao sair de lá, senti que ainda faltava alguma coisa para ver, sem saber exatamente o que era. Como eu estava hospedado em um hotel a três quarteirões da igreja, decidi que, no dia seguinte, acordaria bem cedo e iria, sozinho, fazer uma nova visita.

E assim fiz. Arrisquei, mesmo sabendo que a Catedral passava por pequenos reparos de restauro que determinavam seu fechamento em certos horários. E dei sorte, muita sorte. Primeiro que na porta principal, embora não estivesse aberta, havia uma meia folha apenas encostada, que não tive dúvidas em me esgueirar para atravessá-la. Segundo porque o encarregado de tomar conta da entrada era um francês muito simpático, talvez o único exemplar dessa raça em Paris, que, ante minhas argumentações em um legítimo dialeto marselhês adquirido em São João do Meriti, concedeu permissão para que eu entrasse. Terceiro porque a igreja estava completamente vazia de fieis e a presença dos poucos restauradores nem era percebida em meio à imensidão da nave. Quarto porque quase imediatamente após sentar e dirigir meu olhar para cima, para a beleza dos vitrais em uma manhã de sol, algumas notas soltas vindas de um órgão enriqueceram mais ainda o ambiente já tão rico apenas e tão somente pela beleza da luz através dos coloridos translúcidos. Quinto porque ao som do órgão, juntaram-se vozes que igualmente, em notas soltas variando entre três oitavas, completavam um maravilhoso e afinado caos sonoro. E sexto porque, alguns minutos depois, fui o único estranho no ninho brindado com a harmonia do que presumo ter sido um ensaio dos talvez mais gabaritados coral e órgão da França, interpretando as missas de Bach, Mozart e outros autores que minha limitada cultura musical não permitiu identificar.

Isso tudo combinado me levou involuntariamente a esconder as noções básicas da razão em algum lugar do cérebro. Passei a não sentir mais os efeitos do frio polar que fazia e os únicos arrepios que eu sentia eram o resultado de uma espécie de êxtase que ultrapassava em muito qualquer tipo de prazer vivido por mim até então. Nem mesmo o melhor sexo com a melhor mulher tinha sido tão completo e complexo quanto o que eu sentia naquele momento.

Havia perdido a noção de tempo, tanto que, não sei o quanto depois o tal gentil francês veio a mim e avisou da hora e que Notre Dame seria fechada para que todos os que ali trabalhavam almoçassem, inclusive o próprio. Agradeci e saí.

Só lamento não poder descrever o que senti em detalhes e, mesmo logo depois da experiência, eu já não conseguiria fazê-lo, porque as emoções puras são indescritíveis, por pessoais demais a ponto de não serem entendidas até por quem as vive.

Com absoluta certeza, apesar da falta de uma explicação convincente, afirmo não ter sentido nada que se assemelhasse a uma aproximação ou presença de um deus, mas tenho a certeza que muitos sentiriam ambas as coisas, se submetidos à mesma situação, mesmo que aquilo tudo não tivesse passado de uma mera informalidade, totalmente descompromissada com o rigor de uma missa. Quem sabe os deuses não me quisessem à época, já que eu era um feroz contestador de suas existências? Quem sabe eu, hoje, mais complacente, se passasse pela mesma experiência, fosse procurado por alguma divindade? Sabe-se lá?

Voltando ao batismo da neta, o que se verifica hoje na igreja católica é a sua completa dissociação do caráter religioso, transformada que foi em uma instituição dirigida e preocupada apenas com os aspectos sociais quando, por princípios, teria que tratar de fundamentos espirituais, até não exclusivamente, mas, pelo menos que fossem como seus alicerces.

Finalizando, acabei de ler, por alto, que o Papa Chico apresentou ontem a sua segunda encíclica, na verdade a primeira exclusivamente  sua, cheia de apelos demagógicos que pedem aos clérigos que se afastem da doutrina e se preocupem mais com o povo.

Mais tarde comento, mas, a princípio, é justamente contra esse tipo de coisa que eu me bato. Espiritualidade não combina com demagogia em nenhuma religião.

2 comentários:

  1. A Igreja Romana tem uma importância histórica inegável, é responsável pelo surgimento do pensamento liberal, pelo surgimento da ciência moderna e surpreendentemente, o Santo Ofício e a Inquisição foram os responsáveis pelo surgimento dos direitos humanos, foi com o Santo Ofício que surgiu uma nova (e mais racional) concepção dos tribunais. Infelizmente pouco conhecem a verdadeira história do Santo Ofício, que é confundido com o Martelo das Bruxas ou com outros tribunais.
    A Igreja Romana passou por períodos onde parecia mais um prostíbulo do que uma igreja, mas superou tudo isso e deu ao mundo grandes pensadores. Não consigo entender por que inventaram certas coisas que transformou a igreja em um circo. O casal que frequentou a igreja durante mais de vinte anos, conviveu com os pais que frequentaram a igreja a vida inteira e cursaram uma faculdade, precisa fazer um curso de noivos para poder casar. Os convidados já presenciaram vários casamentos, ou batizados, no entanto o padre ou ministro fica um tempão explicando o que é o casamento, o que é o batizado.
    Será que alguém que não sabe o que é um batizado, não vai procurar saber antes de ir para a cerimônia? Será que existe alguém que não sabe o que um batizado ou um casamento?

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  2. Eu entendo o Ricardo.
    Como eu aqui encontro uma igreja catolica diferente. Nao há gritos nem microfones, há musica sacra ao fundo, as pessoas falam muito pouco e baixo e o padre nao grita, é tudo organizado.
    Tudo depende da cultura, assim como tambem a politica, a religiao é o espelho do povo.
    A igreja católica aqui é sem cantos, sem padres e sem guitarras ou outras tropicalices mais.
    Nao há batizados em grupo., tao pouco matrimonios.

    Seria muito mais convidativo ter um bar dentro da igreja, assim pelo menos o Ricardo e outros permanceriam dentro do recinto e nao iriam para fora.

    Uma única vez fui a uma missa ucraniana ortodoxa, tive uma grande amiga na adolescencia que os avós eram ucranianos. Foi uma experiencia fatigosa, talvez hoje eu apreciaria como uma apendice cultural, mas na epoca foi angustiante, tres horas de missa e toda cantada em ucraniano.
    Infelizmente tive que ficar até o fim, nao pude sequer ir ao bar do lado fazer xixi.

    **** Também nao há flores de plastico no altar.

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