Há algum tempo venho notando o aumento considerável e
desagradável de interlocutores que não “interlocutam”, ou seja, estão
presentes, mas é como se não estivessem ou como se estivessem em dobro, nunca na medida certa. E não é só por causa esse inferno de
aipodes, aipedes, andróides e outras tralhas que mudaram a dinâmica dos papos e
alteraram a noção de educação e respeito. Há cada vez mais pessoas que não têm
a mais vaga consideração com seus parceiros de papo, mesmo não sendo usuárias
dessas drogas e não estando sob o efeito delas. Tem o avoado que “desliga”, tem
o cara que te interrompe no meio de uma argumentação para falar de outra coisa,
tem o peru de fora que chega tarde e corta tudo sem pedir licença, enfim, a
fauna é grande.
Domingos de Oliveira fala hoje sobre o assunto e, embora não
esgote o tema, a crônica é uma boa leitura.
Faça o seu clube
Quando você fala com outra pessoa, ela não ouve o que você
diz e responde qualquer coisa baseada no que lhe convém. Essa é a realidade do
diálogo interpessoal nos tempos que correm. Se você for conversar com um
alguém, convém seguir uma técnica rigidamente observada. Tenho achado as
conversas de mesas muito chatas, tenho achado chatas as conversas fora das
mesas. Tenho o desprazer de anunciar aqui a falência do diálogo, aquilo que
permitia o entendimento. Não se assuste, explico, a clareza é a cortesia do filósofo.
Bem verdade que os bares ficaram cheios de proibições: não
pode fumar nem tabaco nem maconha, não pode dizer em bom tom palavras
relacionadas à cor ou preferência sexual dos fregueses, não pode beber demais
nem de menos porque senão o garçom reclama que você sentou à mesa sem consumir.
E os aparelhinhos coloridos entraram no cenário. Cada um com seu telefone na
mão. Mandam mensagens. Não vê. Não toca o outro. Detalhe: a preciosa pausa!
Conseguiram igualmente roubar as pausas. Aquele significativo intervalo que
tínhamos entre falar e ser respondido. O mínimo que se pode fazer com esses
intrusos é, de vingança, escrevê-los em português: “iscaipe”, “gúgol”,
“uatizap”, ”tuíter”, “feicebuque”.
Por essa e por outras, resolvi fundar um clube! Atitude insólita.
Os associados reúnem-se uma vez por semana. “Clube dos Artistas”, “dos
Autores”, “dos Guerreiros”, “de Estudos”, “dos Bravos”, dos Lúcidos”, “dos
Bravos Guerreiros”, “dos Bravos Guerreiros Contra a Morte”. Nenhuma dessas
fachadas pegou. Então ficou sendo “O Clube”. Nome mais que suficiente, ao que
me parece. Ninguém sabe, nem eu, para que serve o Clube! Seria natural montar
peças, ler livros, conversar política, porém descobrimos coisa mais curiosa.
Está entrando em decadência a arte da conversação! Estudamos o que é um diálogo
interpessoal hoje, de qualquer forma, não importa o conteúdo! Estudamos, quase
arqueologicamente, a esquecida “Arte da conversação”. Descobrimos que há no
próprio ato de dialogar, atualmente, alguma coisa muito errada. Descobrimos! Às
vezes descobrimos defeitos em coisas que fazemos há anos.
Os homens não inventaram essas coisas como palavras, frases,
verbos, adjetivos para jogar fora. O diálogo é um código que serviria para
permitir o entendimento, a aceitação mútua. Hoje, “o processo da conversa” é um
desenvolvimento do jogo infantil do telefone sem fio, da conversa de botequim
ao Congresso Nacional. Na verdade, reparem! Não dialogamos. Ouvimos o que o
outro diz. E respondemos outra coisa. Coisas que não passam da expressão de
sentimentos egoístas. Replicamos com outras coisas que fingem responder à
primeira. Tipo: “Que vantagem posso levar dessa conversação?” “Como o mundo me
vê?” “Falo sorrindo porém tremo de medo de encontrar o senhor, senhora ou
senhorita?”. O medo tem muitos disfarces, poderia dar sozinho um baile à
fantasia.
Qualquer diálogo nos dias de hoje, até o amoroso, beira
molde semelhante ao descrito acima.
Talvez existam outras coisas que fazemos a toda hora sem
perceber os defeitos. O Clube propõe que seja diferente:
1. Que, envergonhados, reconheçamos, todos, que esquecemos a
arte ancestral da escuta.
2. Que, num honesto diálogo, somente é permitido responder
alguma coisa que enriqueça e informe quem falou. A tréplica deve seguir a mesma
lei. E assim iria o diálogo até o fim, até outro assunto. E assim, conseguindo
realizar a proeza de manter as consciências paralelas, podemos ser tesouros uns
para os outros. É aonde eu queria chegar.
3. Que achar chato e desinteressante o assunto do outro é
uma falta de consideração tremenda. Desfaz o diálogo.
Consta uma lenda, que se refere a personagem bem-sucedido e
notório na praça. Sempre que lhe perguntavam se ele gostava de artes, livros ou
filmes, qualquer tipo, ele se surpreendia: “Gostar? Mas com que finalidade?”
No Clube já experimentamos algumas vezes colocar pessoas
conversando e utilizando fielmente os preceitos acima dos nossos arqueólogos
culturais de 1 a 3 (escuta, importância da resposta e interesse). E foi
surpreendentemente agradável, pode acreditar. Inacreditável mesmo. O vinho
correu leve, tudo era sensual e divertido. Era o prazer da conversa. Era claro
também para todas as pessoas que observações novas, profundas e belas tinham
sido ditas num diálogo corrente.
Estudar a arte da conversação parece uma pesquisa inatual,
mas quem sabe muito melhoraria se aprendêssemos a dialogar civilizadamente.
Olhem! Atenção! Um grupo disciplinado que treinar bastante, como no circo, e
dominar essa arte terá nas mãos inesperados poderes, inclusive políticos.
Ficarão famosos e ricos. Será dito pelas esquinas “aqueles se entendem, por
isso dá certo tudo o que eles fazem”.
Se você estiver interessado em entrar para um clube assim,
tente nos achar. Se não estiver, não faz mal. Funde o seu.
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