quinta-feira, 27 de agosto de 2015

O surto de Ricardo Boechat - Acontece nas melhores famílias

Embora eu não seja um fã incondicional do Boechat, eu lhe desejo melhoras. Ninguém merece uma coisa dessas. E falo da cadeira especial reservada a mim por ter padecido por 25 anos com Síndrome (ou, como chamam agora, Transtorno) do Pânico. Só não concordo com a inclusão do mal na categoria das depressões, classificação primitiva de um mal que só foi considerado grave pela psiquiatria por volta de 1985, quando eu já era sua vítima há sete anos. No meu caso, embora tenha sofrido o diabo, nunca estive desencorajado, nunca tive perda de interesse em nada e nem perturbações do pensamento, características básicas da depressão. Pode ser até que isto seja uma questão apenas de semântica, mas a verdade é que uma coisa não tem nada a ver com a outra.

Não tenho a menor dúvida que Boechat acerta na mosca ao dizer que o que ele sentiu “é um desequilíbrio da química cerebral, algo tão físico quanto uma fratura óssea, ou um tumor maligno”. Depois de 25 anos, voltar a ter uma vida 90% normal há dez anos com um remedinho específico que nem contraindicações tem é, para mim - um sujeito totalmente cético e avesso a remédios -, a prova mais cabal do que Boechat afirmou.

Mas leiam o depoimento do Boechat.

Acho que devo uma explicação às centenas de pessoas que me escreveram nos últimos dias perguntando o que eu tinha e desejando minha pronta recuperação.

Pois bem, queridos amigos, o que eu tive foi um surto depressivo agudo. Minutos antes de começar o programa de rádio da quarta-feira retrasada eu simplesmente sofri um colapso, um apagão aqui no estúdio. Nada na minha cabeça fazia sentido. Nenhum texto era compreensível. Os pensamentos não fechavam e uma pressão insuportável dava a nítida sensação de que o peito ia explodir. Fiquei completamente desnorteado e achei melhor me refugiar no meu camarim e esperar socorro médico. Quando finalmente minha doce Veruska me levou ao doutor e eu descrevi o que estava sentindo ele foi categórico em dizer que era depressão. Que o estado de pânico, a balbúrdia mental, a insegurança e tudo mais eram sintomas clássicos do surto depressivo.

Quem cai num quadro desses perde qualquer condição de continuar ativo, de pensar as coisas mais simples. A pessoa morre ficando viva.

E eu fiquei impressionado nestes dias com a quantidade de gente que sofre do mesmo problema. Quando contei a alguns ouvintes que me ligaram o que estava acontecendo, muitos disseram já ter passado por isso, ou conhecer alguém que ainda passa ou já passou.

O Barão me mostrou um vídeo produzido pela ONU indicando que esse fenômeno é global. Uma amiga minha citou números da Organização Mundial da Saúde afirmando que a depressão é a doença que mais cresce no mundo. E o Bruno Venditti me mandou um texto muito bom do pregador Élder Holland sobre o assunto.

Tanto o vídeo da ONU quanto esse texto deixam claro que é importante não esconder a doença, não esconder a depressão. Não tratá-la na clandestinidade. É importante aceitá-la para combatê-la - e todo o silêncio, do próprio doente ou de quem está à sua volta, dificulta a recuperação. Essa necessidade de não fazer segredo, além da sinceridade que faço questão de manter na relação com os ouvintes, é a razão deste depoimento pessoal.

O texto que eu li fala do “transtorno depressivo maior” lembrando que isso não significa apenas um dia ruim, ou um contratempo, ou momentos de desânimo ou ansiedade, que são coisas que todos temos normalmente.

A depressão é muito mais que isso e muito mais séria. É uma aflição tão severa que restringe a capacidade de uma pessoa funcionar plenamente, um abismo mental tão profundo que ninguém pode achar que vai se safar apenas endireitando os ombros ou pensando coisas positivas.

Não, minha gente, essa escuridão da mente e do estado de espírito é mais do que um simples desânimo. É um desequilíbrio da química cerebral, algo tão físico quanto uma fratura óssea, ou um tumor maligno. É um fenômeno que atinge todo mundo: quem perde um ente querido, mães jovens com depressão pós-parto, estudantes ansiosos, militares veteranos, idosos de uma maneira geral e pais preocupados com o sustento da família.

A depressão não escolhe vítimas por seu grau de instrução ou situação econômica. Castiga sem piedade e da mesma forma pobres e ricos, anônimos e famosos.

Os médicos que estão me tratando disseram que eu estiquei a corda demais, que fiz mais coisas do que deveria fazer e em menos tempo do que seria razoável. Eu fui além dos limites que minha saúde permitia e ignorei todos os sinais físicos e avisos domésticos. Quantas vezes a minha doce Veruska me disse: "Você vai pifar! Você vai pifar!"...

O texto que eu li ensina que para prevenir a doença da depressão é preciso estar atento aos indicadores de estresse em sua própria vida. Assim como fazemos com nosso carro, é fundamental observar a temperatura do nosso motor interno, os limites de nossa velocidade, ou o nível de combustível que temos no tanque. Quando ocorre a “depressão por exaustão”, que foi o meu caso, é preciso fazer os ajustes necessários. A fadiga é o inimigo comum e recuperar forças passa a ser uma questão de sobrevivência.

A experiência mostra que, se não reservarmos um tempo para nos sentirmos bem, sem dúvida depois teremos que dispender tempo passando mal. E foi o que aconteceu. Mas a cura existe. Às vezes requer tratamentos demorados. Mas, como está no texto que eu li, "mentes despedaçadas também podem ser curadas, assim como corações partidos".

Eu sei que quem liga o rádio numa estação de notícias quer receber informações de interesse geral, quer saber da política, da economia, dos acidentes, do engarrafamento nosso de cada dia.

Então peço desculpas por não entregar nada disso a vocês neste papo inicial no dia de minha volta. Nada de impeachment, de renúncia, de Cunha, de Renan, de inflação, do ajuste fiscal e de tantas outras coisas que só têm feito infernizar nossas vidas mas que são as manchetes do momento.

Não falei neste bate papo nem mesmo das abobrinhas de que eu gosto tanto e que nos ajudam a cumprir a jornada diária sofrendo menos.

Este papo de hoje é sobre depressão. Um mal que afeta milhões de pessoas, milhares delas no Brasil, um mal sobre o qual é preciso estar informado e não fazer segredo.

Como eu agora me descobri fazendo parte dessa população doente, pensei muito nas noites sem dormir dos últimos dias e tomei a decisão de dividir essa experiência com vocês. Se com isso eu conseguir ajudar algum ouvinte a prevenir a depressão ou a curá-la, já me dou por satisfeito.

E toca o barco

6 comentários:

  1. Depressão é uma merda, ou melhor duas: você fica mal em maior ou menor grau e grande parte dos idiotas com quem você convive acha você fraco ou "sem personalidade". E se diz abertamente que está se tratando com psiquiatra, aí vira doido de vez. Fodam-se.

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    1. Exato, Marc. Eu passei por isso durante muito tempo.

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    2. Estou dependente de cadeira de rodas há 4 anos; por motivos vários (e desagradáveis) só agora cheguei á condição de apto para reaprender a andar com prótese; é uma barra pesada. Fico pensando se não tivesse me tratado, o fardo que não seria pra família.

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  2. (argento) ... o lado bom (principal) é descobrir que é necessário diminuir o rítmo das remadas sem esquecer de tocar o barco; se esquecer de tocar o barco não há remédio que faça efeito - superei uma na "era Collor" ...

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    1. Tem que querer, Argento. Eu me recusava a tomar remédios porque os que me receitavam eram verdadeiros torpedos que me transformavam em zumbi, até porque, em 1978 não se conhecia o Pânico, mas nunca deixei de brigar contra essa porcaria.

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  3. (argento) ... aproveitando o "Tem que querer", um recado aos que ainda não superaram a "síndrome da morte em vida": - primeiramente, tem que querer e MUITO, Viver!!!; não esquecer de Lembrar (aprimorar a ATENÇÂO De SER Vivo) que Esta vida é um Presente, um Prêmio!; retreinar o Tato, o SENTIR; o vento, a chuva, a terra, a grama, o chão, mesmo que seja concreto, asfalto, piso frio ... do resto trata a madicina e eu não sou médico pra receitar ... um Abraço (e suco de Limão) faz um bem danado, portanto, o meu ABRAÇO.

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