O texto abaixo provocou espasmos de indignação em muita
gente que declarava “je suis Charlie” há dois dias. “A pretexto de fazer um
texto humorístico, ela se perde em considerações altamente preconceituosas”,
disse um revoltadinho; “o texto de Silvia apresenta diversos estereótipos
negativos relacionados à pobreza”, disse outro tonto em uma crítica furibunda
publicada pelo JB, como se fosse possível fazer piada sem apelar para
estereótipos, principalmente os negativos, muitos deles até inventados, como a
loura burra e o pelotense viado, por exemplo. Como olhar para a cara do Cerveró
e não curtir com aqueles zóinhos?
Sei lá, mas as pessoas andam tão avessas ao humor,
ultimamente, que o mundo está ficando sem graça, muito disto à custa do tal
politicamente correto. Não que o texto que causou essa celeuma toda tenha lá
muita graça, mas é humorístico e satírico, sem dúvida. Quem não se lembra do
Caco Antibes, interpretado pelo Falabela em Saide Baixo, que “detestava pobre”
e todo mundo adorava as piadas (113 regras da pobreza por Caco Antibes)?
Silvia Pilz: O plano cobre
Todo pobre tem problema de pressão. Seja real ou imaginário.
É uma coisa impressionante. E todos têm fascinação por aferir [verificar] a
pressão constantemente. Pobre desmaia em velório, tem queda ou pico de pressão.
Em churrascos, não. Atualmente, com as facilidades que os planos de saúde
oferecem, fazer exames tornou-se um programa sofisticado. Hemograma completo,
chapa do pulmão, ressonância magnética, ultra de bexiga cheia. Acontece que o
pobre – normalmente – alega que se não tomar café da manhã tem queda de
pressão.
Como o hemograma completo exige jejum de 8 ou 12 horas, o
pobre, sempre bem arrumado, chega bem cedo no laboratório, pega sua senha, já
suando de emoção [uma mistura de medo e prazer, como se estivesse entrando pela
primeira vez em um avião] e fica obcecado pelo lanchinho que o laboratório
oferece gratuitamente depois da coleta. Deve ser o ambiente. Piso brilhante de
porcelanato, ar condicionado, TV ligada na Globo, pessoas uniformizadas. O
pobre provavelmente se sente em um cenário de novela.
Normalmente, se arruma para ir a consultas médicas e aos
laboratórios. É comum ver crianças e bebês com laçarotes enormes na cabeça e
tênis da GAP sentados no colo de suas mães de cabelos lisos [porque atualmente,
no Brasil, não existem mais pessoas de cabelos cacheados] e barriga marcada na
camiseta agarrada.
O pobre quer ter uma doença. Problema na tireoide, por
exemplo, está na moda. É quase chique. Outro dia assisti a um programa da
Globo, chamado Bem-Estar. Interessantíssimo. Parece um programa infantil. A
apresentadora cola coisas em um painel, separando o que faz bem e o que faz mal
dependendo do caso que esteja sendo discutido. O caso normalmente é a dúvida de
algum pobre. Coisas do tipo “tenho cisto no ovário e quero saber se posso
engravidar”. Porque a grande preocupação do pobre é procriar. O programa é
educativo, chega a ser divertido.
Voltando ao exame de sangue, vale lembrar que todo pobre
fica tonto depois de tirar o sangue. Evita trabalhar naquele dia. Faz drama,
fica de cama.
Eu acho que o sonho de muitos pobres é ter nódulos. O avanço
da medicina – que me amedronta a cada dia porque eu não quero viver 120 anos –
conquistou o coração dos financeiramente prejudicados. É uma espécie de
glamourização da doença. Faz o exame, espera o resultado, reza para que o
nódulo não seja cancerígeno. Conta para a família inteira, mostra a cicatriz da
cirurgia.
Acho que não conheço nenhuma empregada doméstica que esteja
sempre com atacada da ciática [nervo ciático inflamado]. Ah! Eles também têm
colesterol [colesterol alto] e alegam “estar com o sistema nervoso” quando o
médico se atreve a dizer que o problema pode ser emocional.
O que me fascina é que o interesse deles é o diagnóstico. O
tratamento é secundário, apesar deles também apresentarem certo fascínio pelos
genéricos.
Mesmo “com colesterol” continuam comendo pastel de camarão
com catupiry [não existe um pobre na face da terra que não seja fascinado por
camarão] e, no final de semana, todo mundo enche a cara no churrasco ao som de
“deixar a vida me levar, vida leva eu” debaixo de um calor de 48 graus.
Pressão: 12 por 8. Como são felizes. Babo de inveja.
(argento) ... rapaz! a minha bronca com o Caco Antibes é que o tradicional cajuzinho sumiu das festinhas; o brigadeiro, embora raro, resiste bravamente, talvez por influência do "Big Broder" ...
ResponderExcluir(argento) ... pobre já nasce com "pobrema de neuvos", o que agrada aos "planos de saúde", vendidos à rodo na república das bananas pós Lula
ResponderExcluir(argento) ... ninguém gosta mais de filas que o pobre; as filas para atendimento rivalizam com as do SUS
ResponderExcluirTeste para avaliar seu humor: nas piadas abaixo, qual delas é engraçada?
ResponderExcluira) Como a loira calcula a velocidade da luz? Jogando uma lâmpada pela janela.
b) Como a loira calcula a hipotenusa? a2 + b2 = c2.
Se você marcou a resposta b, parabéns, você é a loira da resposta a e faz muita gente dar risada.