Ferreira Gullar: Cidade sem Lei
Viver no Rio de Janeiro não está fácil. Sei de várias
pessoas que, embora adorando a cidade, resolveram ir embora. As razões são
muitas, desde a insegurança, que cada vez mais atemoriza as pessoas, até o caos
urbano, que vai se impondo em quase todos os bairros.
As causas dessa situação certamente são várias, mas, dentre
elas, a que nos parece ser a principal é o total desrespeito às normas do
convívio social e que se manifesta a todo momento e em todos os lugares. A
permissividade se instalou no comportamento de considerável parte da população
carioca, a tal ponto que, se alguém se atreve a reclamar, estará sujeito a
represálias. Quem se comporta conforme as normas sociais é considerado “careta”.
Como se sabe, as normas sociais foram criadas para permitir
o convívio pacífico das pessoas. Graças a elas, cada indivíduo é educado para
saber o que lhe é permitido fazer e o que não lhe é permitido, ou seja, o meu
direito termina onde começa o direito do outro.
Sim, mas não é assim no Rio. Aqui o dono de um boteco de uma
porta só ocupa a calçada em frente com cadeiras e mesas para servir bebidas
alcoólicas a dezenas de pessoas. Põe sobre sua porta um aparelho de televisão
que transmite os jogos de futebol pela noite adentro, sendo que, a cada gol,
aquela torcida berra. Mas e a família que mora no primeiro andar, em cima do
boteco? Não pode ver a novela, não pode ouvir música e não vai poder dormir tão
cedo.
Pergunto: a lei permite isso? Claro que não. Perturbar o
sossego público é crime, mas não aqui no Rio. Sábado passado, fui caminhando
pela rua Barata Ribeiro, uma das principais de Copacabana, e me surpreendi com
a quantidade de bares e restaurantes que ocupam as calçadas com cadeiras e
mesas. É quase impossível passar por ali. O transeunte tem que descer da
calçada para a pista por onde passam ônibus e automóveis, correndo o risco de
ser atropelado.
Faz pouco tempo, isso era coisa rara, ocorria apenas na
avenida Atlântica, cujas calçadas são bastante amplas, permitindo o livre
caminhar das pessoas. Agora, a ocupação das calçadas pelos botecos, lanchonetes
e restaurantes ocorre em todos os bairros e as autoridades, que deveriam zelar
pelo cumprimento das leis, nada fazem. Por quê?, perguntamos nós, cidadãos,
prejudicados em nossos direitos. Será que os encarregados de manter a ordem
recebem propinas? Em São Paulo estava acontecendo o mesmo abuso, mas o prefeito
proibiu, segundo soube.
Entre janeiro e maio deste ano, o Instituto de Segurança
Pública do Rio realizou um estudo detalhado para avaliar os problemas de
segurança da cidade. O resultado, ainda que previsto, foi assustador: de um
total de 345.964 ligações para o telefone 190 da polícia, 51.405 reclamavam da
perturbação do trabalho ou do sossego. Mais de 17 mil queixavam-se dos sons
vindos do vizinho; mais de 11 mil, vindos dos bares; e mais de 10 mil, da via
pública, e por aí vai...
Um morador do bairro de Santa Teresa, depois de telefonar
dezenas de vezes pedindo a ajuda da polícia para poder dormir, desistiu e
passou a dormir em casa de parentes e conhecidos. É que a polícia vem, obriga o
cara a abaixar o som, mas, assim que vai embora, ele o põe mais alto ainda para
se vingar do chato que, veja você, deseja dormir!
É que a chamada lei do silêncio não serve para nada. As
próprias autoridades admitem que é quase impossível aplicá-la. A lei que serve
para deter esses abusos é a que pune os atentados ao sossego público, porque é
disso que se trata. A indiferença das autoridades a esses abusos chega, no Rio,
às raias do absurdo. Se vier à nossa cidade maravilhosa tenha cuidado ao
atravessar uma rua, porque aqui frequentemente alguém é atropelado por uma
bicicleta, um triciclo ou motocicleta, pois andam todos na contramão e em alta
velocidade. Para eles também não há sinal fechado, já que desobedecê-lo, no
Rio, não é exceção, é a regra. E as motocicletas, que andam com o cano de
descarga destampado apenas para fazer barulho e atordoar as pessoas?
A verdade é que o Rio, hoje, é uma cidade sem lei.
O problema não é falta de autoridade, mas sim o autoritarismo daqueles que são (deveria ser) responsáveis pelo cumprimento da Lei. O Brasil está repleto de juízes, procuradores e promotores que não fazem outra coisa senão serem "autoridades", quando a AUTORIDADE pertence ao cargo e não ao indivíduo que o exerce. O resultado disso é que emitem parecer jurídico com base nas "convicções pessoais" em vez de fundamentar juridicamente.
ResponderExcluir(argento) ... ora, a lei ... o quê tem mais peso. a lei ou a "economia"?
ResponderExcluirSaudades dos anos setenta...
ResponderExcluirsanconiaton