segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Falta atitude no brasileiro até nas coisas mais banais

Mundo Cordel: Reflexão no cinema (mas não foi sobre o filme)

Quinze de novembro de 2015. Feriado de Proclamação da República. Não vi muitos sinais de que se tratava de uma data comemorativa. Até porque o feriado caiu em um domingo, aí ninguém dá mesmo muita importância para isso.

Almocei com minha mulher em um shopping center, aproveitando o sossego das lojas fechadas em homenagem ao feriado republicano, e fomos ao cinema.

O filme não era lá essas maravilhas, mas servia como entretenimento. Até que as imagens sumiram da tela. A plateia fez um “Aaaaah!” tímido, mas logo silenciou. As pessoas esperaram, educada e pacientemente, que o problema fosse resolvido.

Acontece que a solução não chegou tão rapidamente como se esperava. Após uns longos minutos, as imagens voltaram à tela, só que em um ponto posterior àquele onde a exibição havia parado. Alguém gritou “Volta o filme! Volta o filme!”. E, depois de mais um tempo, o filme acabou voltando mesmo, mas logo parou novamente. Paralelamente a esses problemas na exibição, percebemos que o ar condicionado parara de funcionar.

Para nós, bastava. Levantamo-nos e fomos à gerência exigir nosso dinheiro de volta.

Apesar do aborrecimento dominical, o fato não mereceria de mim qualquer registro, a não ser por duas razões: 1) nenhum representante do cinema dirigiu a palavra aos espectadores, para explicar o problema ou se desculpar; 2) a maneira passiva (e não apenas pacífica) com que as pessoas se comportaram diante da situação.

Porque na minha – talvez muito particular – maneira de ver as coisas, a gerência do cinema tinha o dever de enviar alguém, logo na primeira falha, para dizer aos espectadores algo do tipo: “Senhoras e senhores, temos um problema técnico. Estamos tentando solucionar, mas os clientes que preferirem podem se dirigir à gerência agora, para receber seu dinheiro de volta”.

Como tal não ocorreu, nem qualquer outra variação que sinalizasse algum respeito da empresa pelas pessoas que ali estavam, a reação destas me pareceu mais estranha ainda.

Apesar de aquelas pessoas estarem pagando (caro) por um serviço que não estava sendo prestado adequadamente, e ainda, sendo tratadas sem um mínimo de respeito, elas não demonstravam nenhum sentimento de indignação. Ninguém ficava de pé, ninguém erguia a voz, ninguém protestava. Nada.

Depois que eu e minha mulher nos dirigimos à gerência, umas seis pessoas nos seguiram. Mas a grande maioria permaneceu lá, quieta.

Tudo isso me fez pensar no seguinte: como esperar que essas pessoas, que não têm iniciativa sequer para exigir um tratamento digno em um cinema, participem ativamente da vida política do país? Como esperar que ocupem as ruas e as praças, exigindo dos políticos, e das autoridades em geral, uma conduta compatível com seus cargos?

Mas, já ocorreram manifestações populares enormes este ano! – contestarão alguns.

É verdade – respondo – e foram fatos realmente extraordinários. Mas acontecidos episodicamente, em tardes de domingo, sem uma regularidade que viesse a manter alguma pressão mais efetiva.

Para a situação que o país vive, enfrentando crises econômica e política, é pouco. Para um país no qual ex-diretores de sua maior estatal, alguns dos maiores empresários do país e dezenas de políticos estão envolvidos em um esquema gigantesco de corrupção, é muito pouco. Para uma nação que vê o presidente da Câmara dos Deputados ameaçado de cassação, e a presidente da República ameaçada de impeachment, é quase nada.

A cada dia, novas raízes do baobá da corrupção são expostas pelas escavadeiras da Polícia Federal, do Ministério Público e da Justiça Federal. Nos Estados e nas prefeituras, inúmeros casos menores, mas não menos criminosos, são exibidos regularmente em reportagens de revistas e programas de televisão. Licitações fraudulentas, cartéis, escoamento do dinheiro público para empresários inescrupulosos e campanhas políticas são fatos corriqueiros.

E a economia se deteriora. E o desemprego cresce. E a inflação aumenta.

O descrédito da classe política é tão grande que, nas poucas vezes em que uma quantidade significativa de pessoas saiu à rua para protestar, foi marcante a rejeição à presença de símbolos, bandeiras e até pessoas ligadas a partidos políticos. Centrais sindicais e movimentos sociais também não eram bem vindos. Seja porque quem estava na rua não acreditava nessas entidades, seja porque essas próprias entidades tratam aquelas pessoas como se não fizessem parte do povo.

O certo é que a insatisfação das pessoas com a situação do país é percebida em qualquer conversa de bar. Insatisfação por fatos ocorridos em nível municipal, estadual e federal. No Poder Executivo, no Legislativo e no Judiciário.

Mas falta um mecanismo de canalização dessa insatisfação, para que ela gere um processo de transformação da realidade. Para que as pessoas se unam, e exijam respeito de seus representantes.

Talvez nos faltem lideranças, talvez nossa educação não tenha sido bem direcionada para a formação de cidadãos. Não seio que é. Sei apenas que nos falta algo.

Como naquela sala de cinema. Onde ninguém gostou do que estava acontecendo, mas faltava algo que fizesse as pessoas tomarem uma atitude. Não apenas para exigir o dinheiro de volta, como fizemos eu e minha mulher, mas para exigir, acima de tudo, respeito e dignidade.

4 comentários:

  1. Existe uma mentalidade no Brasil, que é predominante e quase absoluta, onde esperam que alguém faça alguma coisa, todos dizem que fariam se todos fizessem, mas querem ser os últimos as fazer jamais os primeiros. Eu tive várias experiências onde tomei a iniciativa e aqueles que "fariam se todos fizessem" não precisaram que "todos fizessem" para ficarem contra mim, com a nobreza de reconhecer que eu estava certo.

    No Brasil não há democracia, as pessoas (maioria) nem sabem o que é democracia, querem mesmo é que tudo se resolva através de autoridade e não através da razão.

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    1. (argento) ... Democracia é um "conceito" tão Tosco (abstrato) que, em verdade, Ninguém sabe, concretanente, o que É, ... é como Papai Noel, que embora você saiba não existir, usa-o como engodo para as crianças ...

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  2. (argento) ... ATITUDE é um valor Individual ou Coletivo?

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  3. (argento) ... tomando a Ordem Natural Das Coisas como Referência:, o Quê tem precedência, a Atitude ou a Consciência?

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