Mundo Cordel: Reflexão no cinema (mas não foi sobre o filme)
Quinze de novembro de 2015. Feriado de Proclamação da
República. Não vi muitos sinais de que se tratava de uma data comemorativa. Até
porque o feriado caiu em um domingo, aí ninguém dá mesmo muita importância para
isso.
Almocei com minha mulher em um shopping center, aproveitando
o sossego das lojas fechadas em homenagem ao feriado republicano, e fomos ao
cinema.
O filme não era lá essas maravilhas, mas servia como
entretenimento. Até que as imagens sumiram da tela. A plateia fez um “Aaaaah!”
tímido, mas logo silenciou. As pessoas esperaram, educada e pacientemente, que
o problema fosse resolvido.
Acontece que a solução não chegou tão rapidamente como se
esperava. Após uns longos minutos, as imagens voltaram à tela, só que em um
ponto posterior àquele onde a exibição havia parado. Alguém gritou “Volta o
filme! Volta o filme!”. E, depois de mais um tempo, o filme acabou voltando
mesmo, mas logo parou novamente. Paralelamente a esses problemas na exibição,
percebemos que o ar condicionado parara de funcionar.
Para nós, bastava. Levantamo-nos e fomos à gerência exigir
nosso dinheiro de volta.
Apesar do aborrecimento dominical, o fato não mereceria de
mim qualquer registro, a não ser por duas razões: 1) nenhum representante do
cinema dirigiu a palavra aos espectadores, para explicar o problema ou se
desculpar; 2) a maneira passiva (e não apenas pacífica) com que as pessoas se
comportaram diante da situação.
Porque na minha – talvez muito particular – maneira de ver
as coisas, a gerência do cinema tinha o dever de enviar alguém, logo na
primeira falha, para dizer aos espectadores algo do tipo: “Senhoras e senhores,
temos um problema técnico. Estamos tentando solucionar, mas os clientes que
preferirem podem se dirigir à gerência agora, para receber seu dinheiro de volta”.
Como tal não ocorreu, nem qualquer outra variação que
sinalizasse algum respeito da empresa pelas pessoas que ali estavam, a reação
destas me pareceu mais estranha ainda.
Apesar de aquelas pessoas estarem pagando (caro) por um
serviço que não estava sendo prestado adequadamente, e ainda, sendo tratadas
sem um mínimo de respeito, elas não demonstravam nenhum sentimento de
indignação. Ninguém ficava de pé, ninguém erguia a voz, ninguém protestava.
Nada.
Depois que eu e minha mulher nos dirigimos à gerência, umas
seis pessoas nos seguiram. Mas a grande maioria permaneceu lá, quieta.
Tudo isso me fez pensar no seguinte: como esperar que essas
pessoas, que não têm iniciativa sequer para exigir um tratamento digno em um
cinema, participem ativamente da vida política do país? Como esperar que ocupem
as ruas e as praças, exigindo dos políticos, e das autoridades em geral, uma
conduta compatível com seus cargos?
Mas, já ocorreram manifestações populares enormes este ano!
– contestarão alguns.
É verdade – respondo – e foram fatos realmente
extraordinários. Mas acontecidos episodicamente, em tardes de domingo, sem uma
regularidade que viesse a manter alguma pressão mais efetiva.
Para a situação que o país vive, enfrentando crises
econômica e política, é pouco. Para um país no qual ex-diretores de sua maior
estatal, alguns dos maiores empresários do país e dezenas de políticos estão
envolvidos em um esquema gigantesco de corrupção, é muito pouco. Para uma nação
que vê o presidente da Câmara dos Deputados ameaçado de cassação, e a
presidente da República ameaçada de impeachment, é quase nada.
A cada dia, novas raízes do baobá da corrupção são expostas
pelas escavadeiras da Polícia Federal, do Ministério Público e da Justiça
Federal. Nos Estados e nas prefeituras, inúmeros casos menores, mas não menos
criminosos, são exibidos regularmente em reportagens de revistas e programas de
televisão. Licitações fraudulentas, cartéis, escoamento do dinheiro público
para empresários inescrupulosos e campanhas políticas são fatos corriqueiros.
E a economia se deteriora. E o desemprego cresce. E a
inflação aumenta.
O descrédito da classe política é tão grande que, nas poucas
vezes em que uma quantidade significativa de pessoas saiu à rua para protestar,
foi marcante a rejeição à presença de símbolos, bandeiras e até pessoas ligadas
a partidos políticos. Centrais sindicais e movimentos sociais também não eram
bem vindos. Seja porque quem estava na rua não acreditava nessas entidades,
seja porque essas próprias entidades tratam aquelas pessoas como se não
fizessem parte do povo.
O certo é que a insatisfação das pessoas com a situação do
país é percebida em qualquer conversa de bar. Insatisfação por fatos ocorridos
em nível municipal, estadual e federal. No Poder Executivo, no Legislativo e no
Judiciário.
Mas falta um mecanismo de canalização dessa insatisfação,
para que ela gere um processo de transformação da realidade. Para que as
pessoas se unam, e exijam respeito de seus representantes.
Talvez nos faltem lideranças, talvez nossa educação não
tenha sido bem direcionada para a formação de cidadãos. Não seio que é. Sei
apenas que nos falta algo.
Como naquela sala de cinema. Onde ninguém gostou do que
estava acontecendo, mas faltava algo que fizesse as pessoas tomarem uma
atitude. Não apenas para exigir o dinheiro de volta, como fizemos eu e minha
mulher, mas para exigir, acima de tudo, respeito e dignidade.
Existe uma mentalidade no Brasil, que é predominante e quase absoluta, onde esperam que alguém faça alguma coisa, todos dizem que fariam se todos fizessem, mas querem ser os últimos as fazer jamais os primeiros. Eu tive várias experiências onde tomei a iniciativa e aqueles que "fariam se todos fizessem" não precisaram que "todos fizessem" para ficarem contra mim, com a nobreza de reconhecer que eu estava certo.
ResponderExcluirNo Brasil não há democracia, as pessoas (maioria) nem sabem o que é democracia, querem mesmo é que tudo se resolva através de autoridade e não através da razão.
(argento) ... Democracia é um "conceito" tão Tosco (abstrato) que, em verdade, Ninguém sabe, concretanente, o que É, ... é como Papai Noel, que embora você saiba não existir, usa-o como engodo para as crianças ...
Excluir(argento) ... ATITUDE é um valor Individual ou Coletivo?
ResponderExcluir(argento) ... tomando a Ordem Natural Das Coisas como Referência:, o Quê tem precedência, a Atitude ou a Consciência?
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