quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Dinheiro não tem pátria

Dinheiro não tem pátria nem cheiro, pertence a quem o detém licitamente

Jorge Béja, na Tribuna da Internet

Esse projeto de lei (2960/2015) que o Executivo enviou ao Congresso, com o propósito, entre outros, de “repatriar” dinheiro mantido no exterior, é outra estultice que não tem mais tamanho. É igual ou mais ridícula do que aquelas selecionadas por Stanislaw Ponte Preta no seu Febeapá (“Festival de Besteira que Assola o País”), o livro que na década de 60 consagrou o saudoso jornalista Sérgio Porto. A finalidade desse tal projeto é estabelecer o “Regime especial de regularização cambial e tributária de recursos, bens ou direitos de origem lícita não declarados, remetidos, mantidos no exterior ou repatriados por residentes ou domiciliados no país”.

Se convertido em lei, esse governo espera arrecadar R$100 bilhões a R$150 bilhões, com o “repatriamento” e consequente imposição de 17,5% de Imposto de Renda e outros 17,5% de multa, para que o dinheiro “repatriado” seja regularizado.

Isso mesmo “repatriado”! A partir de agora dinheiro passa a ter “pátria”! Que dinheiro não tem cheiro, todos sabemos. O alerta veio do Imperador Vespasiano, governante romano notoriamente criador e aumentador de impostos e taxas: “Como seu filho Tito se admirasse por ter sido lançado imposto sobre as latrinas, Vespasiano deu-lhe a cheirar uma moeda e disse-lhe: – Meu filho o dinheiro não tem cheiro” (Lelo, Porto). Mas atribuir “pátria” ao dinheiro, é demais! É o cúmulo das tolices, da absoluta falta de mínimo conhecimento, de mínimo saber.

Pátria é o país em que uma pessoa nasce e ao qual pertence. É substantivo (ou substância) exclusivamente inerente às pessoas, vivas, mortas e às que hão de nascer, e não de “coisa” (res). O mesmo acontece com a nacionalidade, que vem a ser a condição de um cidadão que pertence a uma determinada nação. Seu sinônimo é cidadania. Ambos (Pátria e Nacionalidade) são, portanto, atributos da pessoa, precisamente das pessoas humanas. Logo, dinheiro não tem pátria. Nem nacionalidade.

E o que não tem “pátria” nem “nacionalidade” não pode ser “repatriado”, nem “nacionalizado”. Ou seja, reintegrado a uma pátria, a uma  nação, berço que o dinheiro não possui. Pode-se até atribuir e agregar ao dinheiro (à moeda) o nome do país de sua emissão e circulação: o Real brasileiro, o Peso argentino, o Yuan chinês, o Iene japonês… Mas dar-lhe “pátria” como predicativo é demais! Iguala-se ao discurso de quem lamenta “não poder estocar o vento” para produzir energia elétrica.

Além dessa obtusa impropriedade, o projeto de lei tem como alvo “recursos, bens ou direitos de origem lícita não declarados, remetidos e mantidos no exterior…por residentes ou domiciliados no país”. Segundo o projeto, todo esse elenco de bens será “repatriado” (sic)! Isso é confisco! E confisco cumulado com prévia e hedionda punição sem o devido processo legal!. Dupla punição, portanto, a ferir o princípio segundo o qual ninguém pode ser punido duas vezes pelo mesmo fato. Se a origem é lícita, como reza o projeto de lei, ter aqueles bens no exterior não é crime. Dono deles é quem os detém licitamente. Não declará-los é mera infração tributária, sanável a qualquer momento pelo infrator junto Receita Federal do Brasil e pagar o correspondente tributo.

Basta declarar e pagar, ainda que tardiamente. Nada mais que isso. Absolutamente não justifica o confisco e o “repatriamento” dos bens de “origem lícita”. E quanto àqueles que são produto de crime (“origem ilícita”) já existe a legislação pertinente que, em boa hora, vem sendo aplicada pelo Judiciário. E só o Judiciário pode aplicar, por lhe caber o poder de dizer o Direito. Ninguém mais.

A vingar esse tal projeto de lei do “repatriamento” de bens de origem lícita, múltiplas situações inéditas e depreciativas para o legislador brasileiro vão ocorrer. A começar, salvo por ordem expedida pela Justiça Brasileira, nenhum país vai atender à solicitação do Poder Executivo nacional (Polícias e Ministério Público) para “repatriar”, isto é, devolver ao Brasil este(s) ou aquele(s) bem (ou bens) de brasileiros aqui residentes ou domiciliados. A matéria não é administrativa, mas judicial e prevista no Direito Internacional. Será um fiasco se tão esdrúxula pretensão for posta em prática.

E como ficará a situação de brasileiros que depois de radicados no exterior, onde trabalharam anos e anos, formaram família, adquiriram bens, lá pagaram seus impostos, abriram conta em banco (até ficaram ricos ) e, depois, voltaram para o Brasil, sem o desfazimento daqueles bens? Certamente todos passarão pelo perigo de terem seus bens “repatriados”, pelo simples fato de pertencerem a brasileiros que voltaram para o Brasil. Como se vê, todo cuidado é pouco, para que as pessoas de bem não sofram injustiça, cuja reparação nunca será completa e muito tardará para acontecer.

9 comentários:

  1. (argento) ... digamos que fui para os Estados Unidos de América, roubei dinheiro (U$) e o deixei lá, em um banco qualquer - este dinheiro pertence a quem? ao Brasil?
    2 - digamos que fui para a China e lá "deixei o couro" em um trabalho honesto - a grana pertence ao Brasil? ...
    3 - estou na Austrália trabalhando e, aproveitando as oportunidades para roubar um pouco - a quem prtence toda a grana?, ao Brasil?

    ... eu só queria entender a mentalidade dos que me guvernam ...

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    1. Muito bem observado, Eu perguntaria o seguinte: o dinheiro gasto com a compra da refinaria de Pasadena será repatriado?

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  2. Não conheço o projeto, salvo o que li aqui do Beja. Mas me parece que é apenas uma tentativa de repatriar dinheiro ilícito, sem origem legal. Uma forma de lavar dinheiro de corrupção, oficialmente, sob o manto da lei nova, cobrando imposto. Apenas isso...

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    1. (argento) ... não, Magu, o PL trata dos bens Lícitos, mantidos e não declarados ...

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    2. (argento) ... para conhecer ou baixar o PL

      http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1384000&filename=PL+2960/2015

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    3. Grato, Argento.
      Mas isso já está claro no texto. Fui irônico, uma vez que o próprio Beja botou "origem lícita" entre aspas, provavelmente pensando o mesmo que eu, neste país que algumas leis (ou parte delas) não pegam...

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  3. Dinheiro não tem pátria e parece que economista não tem cérebro. Vejam o que o vencedor do Prêmio Nobel de economia disse:

    http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/11/1702415-jantar-com-levy-e-merkel-daria-indigestao-diz-nobel-de-economia.shtml

    1) Criticou a austeridade da Angela Merkel, que austeridade fiscal por si só não traz desenvolvimento.
    Meu Comentário: A austeridade fiscal não tem o objetivo de promover o crescimento, tem como objetivo evitar que Estado se torne um problema para o mercado, tendo que aumentar impostos, cortar serviços sociais e/ou emitir moeda causando inflação.

    2) A crise econômica brasileira aconteceria de qualquer forma, devido à redução de crescimento na China, mas a crise política aconteceu no momento errado.
    MC: Enquanto os países emergentes diminuíram o crescimento, mas continuam crescendo com taxas acima de 3%, com a inflação sob controle, com a moeda estável e juros baixos, o Brasil tem uma retração de 3%, inflação crescendo, moeda desvalorizando e juros altos. Parece que o gênio acredita no que a Dilma diz, a crise é internacional, só falta sugerir que o Brasil estoque vento.

    3) Apresentou o conceito de economia da informação, que trata o conhecimento como bem de produção.
    MC: Falar em educação sempre agrada ao público, afinal de contas o problema é a falta de educação... dos outros. Acontece que conhecimento tem uma função muito maior do que simplesmente produzir crescimento econômico, direcionar o ensino para os interesses da economia é uma experiência que já foi realizada na URSS e o resultado eu já conheço.

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  4. (argento) ... corre na Internet que o "hábito" de lavar dinheiro é a causa da falta de água que assola o país - bão, eu não tenho dinheiro pra lavar alguém aí tem algum? ...

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    1. (argento) ... por falta do que comer, estou comendo as vírgulas ...

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