Fábio Medina Osório, presidente do Instituto Internacional
de Estudos de Direito do Estado: Sinais exteriores de riqueza já bastam
Constitui improbidade administrativa - ilícito tipificado na
Lei 8.429/92 - a conduta de político ou servidor que, direta ou indiretamente,
adquire, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou
função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à
evolução do seu patrimônio ou renda, cabendo-lhe comprovar, se necessário, a
origem lícita desse patrimônio, desses bens e rendas, se alegar sua procedência
legítima.
Não se trata, pois, de reprimir apenas a corrupção em si,
mas os sinais externos de riqueza incompatíveis com a função pública, o chamado
enriquecimento sem causa aparente, uma forma de improbidade autônoma em face da
corrupção. De acordo com a Lei de Improbidade, a posse e o exercício de agente
público ficam condicionados à apresentação de declaração dos bens e valores que
compõem seu patrimônio privado, a fim de ser arquivada no serviço de pessoal
competente, e a mera inobservância desse dever básico já constitui sinal de
improbidade.
A declaração compreenderá imóveis, móveis, semoventes,
dinheiro, títulos, ações e qualquer outra espécie de bens e valores
patrimoniais, localizado no país ou no exterior, e, quando for o caso,
abrangerá os bens e valores patrimoniais do cônjuge ou companheiro, dos filhos
e de outras pessoas que vivam sob dependência econômica do agente público,
excluídos apenas os objetos e utensílios de uso doméstico.
As declarações de bens dos agentes públicos serão anualmente
atualizadas. Caso haja omissão das autoridades quanto à cobrança dessas
atualizações, podem e devem ser denunciadas. O agente público até poderá
entregar cópia da declaração de Imposto de Renda, para tentar suprir a
exigência legal, mas deve ter claro que a declaração de bens e valores que
compõem seu patrimônio privado é mais abrangente do que a própria declaração do
Imposto de Renda, pois remete ao conceito de “patrimônio privado”, “bens de
qualquer natureza”, “rendas”, além de outras variáveis.
O agente político, nesse contexto, deve prestar contas de
sua evolução patrimonial, atuando com transparência e lealdade institucional,
eis a razão de ser deste rigor normativo. Atos anômalos, como empréstimos,
doações, depósitos em contas próprias ou de terceiros, seja direta ou
indiretamente (como beneficiário), devem ser documentados e objeto de controles
públicos. Os chamados sinais exteriores de riqueza, incompatíveis com essa
declaração anual exigida por lei, já caracterizam suporte para ação de
improbidade, se não houver explicações razoáveis do investigado.
O enriquecimento de um agente político não pode ser um
mistério, eis que exposto ao escrutínio dos órgãos correicionais competentes e
submetido a um regime de relação de especial sujeição com o Estado. Admite-se
que um homem público tenha atividades empresariais ou profissionais paralelas,
desde que não haja conflitos de interesses com os assuntos públicos que lhe são
afetos. E o enriquecimento de seus parentes e pessoas próximas, se a ele
relacionado, deverá sofrer idênticos controles. É o caso do uso dessas pessoas,
físicas ou jurídicas, como “laranjas”, expressão que designa quem intermedeia
transações financeiras ou societárias fraudulentas, emprestando seu nome ou
estrutura, documentos ou contas bancárias para ocultar a identidade de
terceiros.
Há uma nova legislação que reprime o uso dos “laranjas”,
especialmente quando estes se revestem da qualidade de pessoas jurídicas.
Trata-se da Lei 12.846/13, a Lei Anticorrupção brasileira, que se interliga às
legislações dos países signatários de tratados e convenções internacionais que
combatem esses ilícitos.
A constituição de empresas no exterior, ou no Brasil, para
ocultar ativos, dissimular interesses ou dificultar investigações pode sujeitar
a pessoa jurídica (de que se valha o agente político direta ou indiretamente)
às sanções da Lei Anticorrupção do país onde estiverem sediadas, suscitando
cooperação internacional estreita. E, é bom lembrar, os mecanismos
investigatórios e tecnológicos, aliados ao fim do sigilo bancário
internacional, posicionam o crime organizado num inédito patamar de
vulnerabilidade em face dos órgãos de repressão públicos, notadamente diante
dos avanços de instrumentos como a delação premiada e os acordos de leniência e
cooperação internacional entre Ministérios Públicos, sem falar na inteligência
e atuação integrada do sistema punitivo internacional, como um todo.
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