Valentina de Botas: Um escritor genial foi castrado com o
patrocínio do MEC
No bacharelado em Linguística pela USP, vi a importância do
poliglotismo na própria língua, isto é, o falante conhecer os diferentes níveis
de realização do idioma. A conversinha esquerdopata de equiparar a norma culta
às outras variantes já rondava, mas os professores lúcidos destacavam que mesmo
os defensores dessa bobagem usam a norma culta.
Considerando que cada um erra do próprio jeito, qual seria o
“erro certo”, o “erro normativo”? Ou a proposta é cada um errar como quiser até
que não falemos mais a mesma língua, diluindo-se o fator de integração
nacional, até que a nossa literatura seja reescrita segundo o erro de… quem? As
vigarices convergem na desnecessária Patrícia Secco que “simplificou” Machado
de Assis, alterando “O alienista” com o patrocínio do MEC para 600 mil
exemplares.
Desprezou que se extirpa um escritor de si mesmo ao lhe
modificar o vocabulário e que simplificar um gênio é explicar Deus: impossível
e contraproducente, pois a desvelação de divindades e gênios os extinguiria.
Deus é simples, gênios também; e o contrário de simplicidade talvez não seja a
complexidade, mas a falsidade. Ela sabe disso, só não se importa; não há
inocência nesses soviets tropicaloides, mas premeditação.
O pecado maior de Patrícia não é sonegar 600 mil leitores a
Machado, pois o gênio sobrevive ao país que o lê pouco, e sim confiscar o
verdadeiro Machado da experiência leitora de 600 mil pessoas. Ensinar que o
errado está certo é o cântico da doutrina do pobrismo-coitadismo com base na
“educação do oprimido” de Paulo Freire, segundo a qual o aluno chega à escola
com um saber determinado pelo meio. Até aí a novidade é nenhuma, a excrecência
inexistente em países com educação decente é elevar esse saber, no Brasil,
acima daquele adquirido com o estudo.
O abuso ideológico disso se volta contra a língua portuguesa
e os brasileiros que conhecem a norma culta e os que não conhecem: condena os
primeiros pelo “elitismo” e pela “humilhação” dos segundos; a estes, confina na
ignorância sobre a própria língua e as magníficas potencialidades dela. Ora, o
elitismo é saneado com o acesso ampliado à norma culta o que, consequentemente,
aboliria a humilhação.
Mas, Machado – mulato, gago, franzino, pobre – oprime. Só
pode ser ensinado se extirpado o nervo da cultura que espelha e que adquiriu
apesar dessas condições. E consideram a letra dos funks estereotipados da
periferia libertadora na chancela da ignorância narcísica como trincheira
contra o “discurso opressor do saber institucionalizado”. Quem fala assim
merece mesmo ouvir funk o resto da vida.
Então, pregam que se ensine “a norma culta, mas a partir da
consideração de variantes populares do idioma que o aluno traz consigo ao
chegar à escola”; ora, isso é assim há tempos. Mas essa gente faz do ponto de
chegada o mesmo de partida. Enquanto na castração de Machado, há Estado demais;
na deformação do ensino da língua, há Estado de menos para tanta ideologia,
tóxica também na rede privada. Nesse primitivismo, o Brasil, que nunca foi são,
tem a cara finalmente deformada pelos gênios falsos na era da mediocridade cujo
patrono é um deus simplesmente jeca.
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