Equipe da FGV detalhou o funcionamento da última instância
jurídica do país e concluiu que STF deve repensar sua relação com o tempo
Elio Gaspari
Durante um ano, uma equipe de nove pessoas da Escola de
Direito da Fundação Getúlio Vargas do Rio, dirigida pelo professor Joaquim
Falcão, estudou a tramitação de 1,5 milhão de processos e 14 milhões de
procedimentos judiciais que tramitaram no Supremo Tribunal Federal entre 1988 e
2013.
Ela concluiu: “Os dados comprovam a urgência de que o
Supremo repense sua relação com o tempo. (...) Boa parte dos indicadores mostra
que o tempo não necessariamente é influenciado pela quantidade de processos que
chegam aos ministros.” (O processo relacionado com o uso de cinto de segurança
em coletivos completou 17 anos e oito meses.)
Diz o estudo: “É preciso repensar a gestão dos processos do
Supremo. A total autonomia de cada ministro sobre como decidir é inalienável,
mas não pode ser confundida com uma total autonomia da gestão processual.” (O
ministro Nelson Jobim retinha processos para os quais pedia vista por uma média
de mil dias. Seu colega Sydney Sanches devolvia-os em um mês.) O Brasil deve
ser o único país onde um ministro pode travar o julgamento de um caso pedindo
vista e levando o processo para seu gabinete. Em tese, a devolução deveria
ocorrer em 30 dias. Em dezembro de 2013, na média, eles eram destravados depois
de 346 dias. Um processo retido por vinte anos, passou por três ministros e
quando foi julgado o assunto estava prejudicado.
O Supremo não divulga a lista de liminares à espera de
decisão do mérito. Liminares decididas liminarmente por Joaquim Barbosa
esperaram oito anos pelo julgamento do mérito. Com a lista, seria possível
acompanhar o serviço do ministro-relator e a organização dos presidentes do
Tribunal e de suas turmas.
Muitos tribunais divulgam suas pautas no início do ano. O
STF não faz isso e fica todo mundo, inclusive os próprios ministros, pendurados
na vontade do presidente da Casa. Pode-se acreditar que em muitos casos há
método nessa desordem, mas de uma maneira geral, o que há mesmo é desordem por
falta de método.
A pesquisa, coordenada também pelos professores Ivar
Hartmann e Vitor Chaves, traz duas boas notícias. A primeira é a de que o STF
tem um banco de dados onde se pode garimpar estudos como esse. Não é pouca
coisa, porque a primeira reação do dragão corporativo será sempre a de encerrar
o debate sumindo com as informações. A segunda é a de que a desordem vem de
longe e os indicadores melhoraram. A média do tempo consumido à espera de uma
decisão sobre uma liminar caiu 42% entre 2004 e 2013. O tempo para a publicação
de acórdãos caiu em 79%.
Serviço: A íntegra da pesquisa “O Supremo e o tempo”, muito
mais sofisticada e abrangente que este comentário, estará amanhã no site
supremoemnumeros.fgv.br.
A FULANIZAÇÃO INEVITÁVEL
A desordem arcaica contamina o desempenho de muitos
ministros, o que dá à fulanização aspectos contraditórios. Um ministro pode ser
rápido numa coisa e lento em outra, simplesmente porque a máquina estimula
lentidões e não incentiva a eficiência. Nas duas colunas laterais está o
desempenho dos onze ministros do Supremo (incluindo Joaquim Barbosa) em relação
a três atividades que dependem só de cada um deles. São as seguintes:
1. O tempo que levam para conceder ou negar uma liminar. Não
há prazo para que o façam. A média da Corte é de 44 dias.
2. O tempo que levam para publicar seus votos, os chamados
acórdãos. Enquanto o acórdão não é publicado, muitas decisões valem zero. O
prazo regimental é de 60 dias mas a média da Corte está em 167.
3. A quantidade de pedidos de vista feitos por cada ministro
e o tempo que retém o processo, quase sempre superior ao que determina o
regimento do Tribunal. Em todos os casos, usaram-se médias.
CELSO DE MELO
É o recordista na média do tempo que levou para publicar
seus acórdãos: 679 dias. A partir de 2011, baixou drasticamente sua marca. As
demoras de Celso de Mello viciaram a média da Casa, que ficou em 167 dias. Leva
45 dias para decidir uma liminar. É, de longe, o ministro que menos pede vistas
e devolve os processos em 200 dias.
CÁRMEM LÚCIA
Depois de Celso de Mello é a ministra que faz menos pedidos
de vista. É quem fica mais tempo com esses processos, numa média de 600 dias.
Julga as liminares em 29 dias e publica seus acórdãos em 82.
TÓFFOLI
É de longe quem mais pede vistas (mais de dois pedidos por
mês), ficando com os processos por mais de 200 dias. Toffoli leva 59 dias para
publicar um acórdão e 29 para decidir uma liminar.
MARCO AURÉLIO
Leva 173 dias para publicar um acórdão e 58 para decidir uma
liminar. É um veterano da Corte e está no bloco dos ministros que mais pedem
vistas. Retém os processos por cerca de 200 dias.
GILMAR MENDES
Outro veterano, também está no bloco que mais pede vistas, com
uma marca superior à de Marco Aurélio. Quando para um processo, a retenção fica
na média em 400 dias. Suas liminares demoram 37 dias e seus acórdãos, 82.
ROSA WEBER
Decide suas liminares em 43 dias e publica os acórdãos em
51. É a terceira colocada entre os que mais pedem vistas (depois de Toffoli e
Fux), mas retém os processos numa marca inferior à deles, cerca de 140 dias.
TEORI ZAVASCKI
Está na Corte há menos de dois anos, mas se mantiver a média
de desempenho, levará a taça da rapidez. Decide as liminares em 15 dias.
Publica seus acórdãos em 23 dias. Nos dois casos, bem abaixo da média do
tribunal. É também o ministro que por menos tempo retém os poucos processos
para os quais pediu vista.
RICARDO LEWANDOWSKI
O presidente do STF decide as liminares em 17 dias e publica
seus acórdãos em 55. Quando pede vista, retém o processo por mais de 200 dias.
Se não tivesse essa marca, estaria entre os mais rápidos da Casa. Seu gabinete
tem a chancela do ISO 9000, conferido a coisas que funcionam direito.
LUIZ FUX
É o lanterninha no tempo médio que leva para decidir uma
liminar: 72 dias. Desde 1988, nenhum ministro demorou tanto. Está entre os mais
rápidos na publicação de acórdãos, 41 dias. Depois do ministro Toffoli, tem a
maior média de pedidos de vista. Entre os processos que reteve (habitualmente
devolve-os em 180 dias), está a ação direta de inconstitucionalidade
apresentada pelo Procuradoria Geral da República contra as gratificações de
juízes do Rio. O processo está com ele desde 2012. Atualmente tramita na
Assembleia Legislativa um projeto que dá R$ 7 mil mensais ao juízes para a
educação de seus filhos.
JOAQUIM BARBOSA
Decidiu as liminares em 21 dias e levou 117 para publicar
seus acórdãos, ficando atrás de oito outros ministros. Seu pedidos de vista (um
por mês), demoraram 300 dias.
ROBERTO BARROSO
Leva 31 dias para decidir uma liminar e 32 para publicar uma
acórdão. Pede um processo por mês e devolve-o em 45 dias.
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