Repasses de recursos foram feitos por meio de 3.649 operações cambiais fictícias com instituições financeiras de 24 países. Segundo a Justiça Federal, isso foi apenas parte do
movimento de propinas pagas no circuito de fornecedores de bens e serviços da
Petrobras.
O Globo - JOSÉ CASADO
A primavera de 2010 começou promissora para os negócios no
segundo andar do 778 da rua Renato Paes de Barros, bairro do Itaim, zona sul de
São Paulo. Depois do almoço de terça-feira 21 de setembro, a caixa postal de
paulogoia58@hotmail.com recebeu mensagem confirmando quatro remessas para
contas no exterior. Somavam US$ 2,7 milhões. O e-mail era assinado por Ann
Smith, que anunciava em tom cordial: “Amanhã vou te visitar, abs”.
Nada mal para um ex-presidiário. Aos 43 anos, Alberto
Youssef estava cada dia mais distante da vida pobre em Londrina (PR). Filho de
imigrante libanês e brasileira, construiu com habilidade no mercado de câmbio
paralelo um acesso ao lucrativo submundo de negócios de empresários e
políticos. No final dos anos 90 fora flagrado em traficâncias de recursos do
banco estatal do Paraná (Banestado) para campanhas eleitorais. Amargou meses na
cadeia, fez um acordo de delação premiada e saiu da prisão em 2003.
Fora das grades se associou ao deputado federal José Mohamed
Janene, de Londrina, líder da bancada do PP na Câmara. Janene personificava
promessa de lucros com imunidade - administrava o caixa 2 do partido, na época
recheado por US$ 2 milhões repassados pelo operador do mensalão, Marcos
Valério.
Além disso, integrava o condomínio de líderes partidários que
partilhava o controle das áreas-chave das empresas estatais no governo Lula.
Seu patrocínio, por exemplo, foi decisivo para Lula promover o então gerente
Paulo Roberto Costa à diretoria de Abastecimento da Petrobras, com poder de
influenciar contratos da estatal no aluguel de navios e plataformas marítimas,
na manutenção de gasodutos e na construção da Refinaria Abreu e Lima, em
Pernambuco. A refinaria deve ser inaugurada em novembro, ao custo de US$ 20,1
bilhões, nove vezes mais que o previsto.
Janene, cardiopata, morreu indiciado no processo do
mensalão, antes da sentença. Quando foi enterrado no Cemitério Islâmico de
Londrina, na terça-feira 14 de setembro de 2010, seus negócios com Costa e
Youssef já estavam fracionados entre caciques do PP, do PT e do PMDB.
Todos enriqueciam rapidamente. Youssef até planejou a compra
simultânea de um avião e de uma mansão em São Paulo. Numa de suas caixas
postais (paulogoia58@hotmail.com) encontraram-se evidências de negociações para
a aquisição de um Lear Jet, por U$ 6,9 milhões, e de uma cobertura de 405
metros quadrados em Vila Nova Conceição, valorizado bairro paulistano.
A dimensão de seus negócios surpreendeu peritos e promotores
federais. Ele fez transferências ilegais de US$ 444,6 milhões (cerca de R$ 1
bilhão) do Brasil para contas em instituições financeiras de 24 países (China,
Hong Kong, EUA, Coreia, Malásia, Nova Zelândia, Formosa/Taiwan, Reino Unido,
Costa Rica, Cingapura, Bélgica, Holanda, Índia, Uruguai, Itália, Ucrânia,
Liechtenstein, Costa Rica, Suíça, Espanha, Alemanha, Panamá, Paraguai e
Canadá). Para comparação, esse valor é equivalente ao custo do novo Maracanã.
O dinheiro saiu do país sob o disfarce de contratos de
comércio exterior. Foram 3.649 operações fictícias, realizadas por seis das
suas empresas de fachada - três de informática e três de química. E, segundo a
Justiça Federal, isso foi apenas parte do movimento de propinas pagas no
circuito de fornecedores de bens e serviços da Petrobras.
Durou cerca de 50 meses, de 2008 até março passado quando
Youssef, Paulo Roberto Costa e mais duas dezenas de colaboradores foram presos.
A engrenagem funcionava assim: ao receber um pedido para
transferência para uma conta específica em Toronto, no Canadá, Youssef forjava
um contrato de importação (“Câmbio Simplificado”) entre duas das suas empresas -
uma no Brasil (Labogen Labogen S.A. Química Fina e Biotecnologia) e outra
registrada em Hong Kong (RFY Ltd). O cliente pagava em reais. Os dólares saíam
da Labogen e chegavam à RFY, em Hong Kong. Na sequência, faziam escala em
outras empresas, em outros países, até aportar na conta do beneficiário,
indicada pelo pagador no Brasil.
As bases do negócio eram discrição e confiança. Sabia-se,
por exemplo, que a Indústria Labogen S.A. estava inativa há mais de duas
décadas. Desde 2010 seu endereço no interior paulista (Rua Frederico Magnusson,
247, Distrito Industrial, Indaiatuba-SP) passou a abrigar duas Labogen - uma de
Química Fina e Biotecnologia e outra de Comércio de Medicamentos. E ambas
contavam com uma única funcionária, a faxineira.
Juntas, essas empresas transferiram US$ 113,3 milhões, por
meio de 1.945 operações baseadas em contratos fraudulentos. O comerciante
paulista Pedro Argese Júnior, de 53 anos, assinava como presidente das Labogen,
mediante 0,5% de comissão sobre as remessas. Em juízo, confirmou as fraudes.
No final do ano passado, o governo federal deu às Labogen um
contrato de US$ 60 milhões. Forneceriam citrato de sildenafila, usado em
tratamentos de impotência sexual e hipertensão arterial pulmonar. A negociação
teria sido mediada pelo deputado André Vargas (PT-PR), amigo de Youssef. Ele
nega. A cerimônia de assinatura do convênio foi solene, com a participação do
ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha, candidato ao governo de São Paulo pelo
PT. Três meses depois, Youssef foi preso e o compromisso anulado.
Enquanto esteve solto, ele administrou mais de cinco dezenas
de empresas de fachada a partir de uma sala nos fundos do seu escritório no
bairro do Itaim, em São Paulo. Com entrada independente, era frequentada
semanalmente por parlamentares federais - testemunharam no tribunal sua
contadora e seu advogado. Ali ficava a GFD Investimentos, nave-mãe do
conglomerado de papel.
Raros foram os negócios reais de Youssef. E esses poucos
também acabaram transformados em papel. Foi o caso das empresas de energia
eólica. Nasceram em 2008 por iniciativa do ex-deputado José Janene, que decidiu
criar a CTSul sob controle de duas empresas de prateleira, CSA Project e Focus
Participações.
No mesmo ano surgiu a Energio, em Fortaleza, controlada pela
Focus e capitaneada por Rubens de Andrade Filho, colaborador de Janene e
Youssef. No final de 2009, a Energio tinha oito subsidiárias e um único ativo:
um contrato de venda de energia (481.800 Megawatts/hora) para a estatal mineira
Cemig.
Quando completou dois anos de existência, a Energio
acumulava três dezenas de subsidiárias e coligadas, além de um prejuízo
operacional de US$ 2 milhões - em parte decorrente de um empréstimo de US$ 30
milhões. Em janeiro de 2012 todas as eólicas já estavam vendidas para um dos
principais clientes de Youssef, a empreiteira Queiroz Galvão.
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