Em sua coluna de hoje - com a crônica “Compensações” - Luis Fernando
Verissimo estabelece uma curiosa relação entre barbaridade e arte, como se a segunda
dependesse da primeira. Eu já havia pensado nisso dom relação ao Brasil.
Coincidência ou não, foi no tempo da repressão militar em que as artes, de uma
maneira geral, atingiram seu momento de maior genialidade por aqui, e à medida
que as liberdades foram sendo restituídas aos cidadãos, fomos sendo reduzidos a
pagodeiros, duplas sertanejas, funk, michéis telós e mulheres de bunda grande,
para falar só em música, já que a literatura, a pintura, a escultura nunca
foram nosso forte mesmo. Ah, sim, o cinema virou monopólio dos artistas globais
com suas comediazinhas insossas e o teatro um paraíso dos stand-ups, onde
jovens irreverentes recém-saídos do YouTube desfilam suas incorreções políticas
e palavrões, achando que isso é um “espetáculo”.
Compensações
Luis Fernando Verissimo
Perguntaram ao escritor sulista americano William Faulkner como ele explicava o florescimento literário havido no Sul dos Estados Unidos depois da Guerra Civil e sua resposta foi sucinta: “Nós perdemos.” A humilhação da derrota e o fim de um tipo de vida explicavam a literatura, que misturava nostalgia, decadência, romantismo sombrio e um certo preciosismo “faisandé”. O estilo perdurou até autores modernos como Truman Capote, Carson McCullers, Flannery O´Connor, Tennesse Williams e o próprio Faulkner, e ganhou um nome: “gótico sulista”. O Sul perdeu a guerra, mas criou um gênero.
Quando Homero disse (se é que disse mesmo, nada que se sabe
de Homero é cem por cento certo, nem a sua existência) que as guerras
aconteciam para serem cantadas pelos poetas, não queria dizer que a arte
compensava tudo. Ou queria? Contam que um grupo de oficiais nazistas foi
visitar o atelier do Picasso durante a ocupação de Paris e, vendo uma
reprodução do seu quadro “Guernica”, a dramática recriação da destruição
daquela pequena cidade pelos alemães na Guerra Civil espanhola, um deles
comentou: “Ah, foi você que fez isso, não foi?” Ao que Picasso teria
respondido: “Não, foram VOCÊS que fizeram isso.” Por um tortuoso raciocínio
homérico se poderia concluir que os alemães foram coautores da pintura. Pelo
mesmo raciocínio, louve-se a perseguição fascista na Europa pelo exílio de
tantas mentes superiores e tanto talento na América, louve-se a escravatura
pela nossa rica cultura negra e louve-se as agruras do nosso agreste pelos bons
escritores e artistas nordestinos.
Tudo isto foi sintetizado naquela celebre fala que deram
para o Orson Welles (há quem diga que a fala foi escrita pelo próprio Welles)
no filme “O terceiro homem”, adaptado de um romance do Graham Greene. Para
justificar seu mau caráter, Welles compara a conturbada história da Itália
antes da unificação com a milenar placidez da Suíça. Enquanto a Itália, junto
com conspiradores, corruptos e canalhas tinha produzido alguns dos maiores
gênio da humanidade, a bem comportada Suíça só produzira o relógio cuco.
Mas a ideia de que arte compensa qualquer barbaridade é
perigosa. Melhor dizer que os eventuais benefícios de crimes históricos não os
absolvem. São efeitos acidentais, como certos queijos que descendem do leite
estragado. E você, prefere a paz que só produz o relógio cuco ou a confusão que
produz dois, três, muitos Leonardo da Vinci?
O título do artigo do Verissimo - “Compensações” - me lembra
uma piada.
O filho chega para o pai e pergunta o que é compensação. E o
pai:
- Bom, meu filho, vou dar um exemplo: outro dia eu cheguei
em casa mais cedo e encontrei sua mãe pelada na cama se enroscando com um
homem...
- Pai! - interrompe o filho aflito - Você é um corno!...
- Em compensação - responde o pai - você é um filho da
puta!...
De alguma forma, a sociedade perdeu a noção de arte, não quero encontrar culpados. As músicas de protesto surgiram com Bob Dilan, que influenciou John Lennon (eram amigos) e muitos outros. Em plena "época dos protestos musicais", perguntaram ao líder do Who (The Who), por que eles não faziam músicas de protesto, a resposta foi simples: não estamos preparados para fazer músicas de protesto.
ResponderExcluirO compromisso da arte é com a beleza, sem beleza não é arte. Infelizmente estão confundindo protesto com arte, mostrar a bunda como protesto é arte, mas Mona Lisa é reacionária.