sábado, 6 de julho de 2013

Mais higiene, Theresa: O cristianismo representou um retrocesso na história da higiene


Vamos lá, Theresa:

Tem coisa que não bate nesse artigo sobre a Peste Negra. Olha só:

“Peste negra veio da Ásia há 2.600 anos.”

“Para chegar até os países do velho continente, a bactéria usou um caminho conhecido e bastante utilizado à época: a Rota da Seda (iniciada há mais de 600 anos).”

Erro meio estranho, esse, que remete a apenas 600 anos atrás, quando a Rota da Seda é, segundo alguns, conhecida há dez mil anos. “Eram transpostas por caravanas e embarcações oceânicas que ligavam comercialmente o Extremo Oriente e a Europa, provavelmente estabelecidas a partir do oitavo milênio a.C. – os antigos povos do Saara possuíam animais domésticos provenientes da Ásia – e foram fundamentais para as trocas entre estes continentes até à descoberta do caminho marítimo para a Índia.”

Outra coisa: Se a Peste Negra veio da Ásia há 2.600 anos, mas só se manifestou de forma contundente na Europa há 800 anos, foi porque as condições precárias de higiene da época assim permitiram, já que os hábitos dos ratos transmissores, mais domesticados e mais próximos das pessoas, criaram ambientes propícios para a rápida transmissão da doença.

A hipótese mais provável da peste ter se tornado uma pandemia, já que os primeiros relatos da epidemia na China também remetem a por volta do ano 1300 DC, foi a sua disseminação pelos mongóis que à época conquistaram tudo entre a Ucrânia a Manchúria.

Quanto ao nosso asseio de hoje eu quero dizer que também sou descendente de europeus de cabo a rabo, mas sou brasileiro e os meus hábitos higiênicos são bastante diferentes dos europeus de uma maneira geral. A Reckitt Benckiser, indústria inglesa que fabrica produtos de higiene e cuidados pessoais constatou através de pesquisa com 45 mil pessoas mundo afora que os brasileiros banham-se simplesmente 3,5 vezes mais que os ingleses, por exemplo. E três vezes mais que os franceses, americanos, alemães e italianos.

Portanto, eu não falei nenhum absurdo ao criticar o asseio dos europeus.

Mas isso, Theresa, não é denegrir, até porque você me conhece bem e sabe que eu sou um defensor intransigente da cultura portuguesa, principalmente, e rebato toda e qualquer crítica infundada à nossa colonização por eles. Estou falando de hábitos e como meu parâmetro de banhos é o brasileiro, considero a higiene pessoal do europeu, de um modo geral, precária.

Aliás, Katherine Ashenburg, a jornalista e autora de “The Dirt on Clean” discute no seu livro uma constatação polêmica e interessante: o cristianismo representou um retrocesso na história da higiene.

Praticamente todas as civilizações da Antiguidade deram grande valor ao cuidado com o próprio corpo e com o bem-estar físico. Os egípcios já fabricavam sabão. A religião grega previa uma série de libações antes de sacrifícios animais e refeições, e o banho era uma instituição cotidiana, registrada até nos mitos – em seu retorno da Guerra de Tróia, Agamenon é assassinado na banheira por sua mulher, Clitemnestra. O Império Romano criou aquedutos para abastecer suas principais cidades. O romano abastado frequentava diariamente os banhos públicos, onde o corpo era lavado em uma sucessão de piscinas com temperaturas variadas e esfregado vigorosamente – não se usava sabão – para retirar todas as sujeiras. Tudo isso desapareceu com a queda do império e a prevalência dos cristãos.

É claro que o banho não sumiu da paisagem européia da noite para o dia. Katherine Ashenburg observa que alguns dos primeiros patriarcas do cristianismo, como o teólogo Tertuliano e os santos Agostinho e João Crisóstomo, ainda freqüentavam a casa de banho. Aos poucos, porém, esses locais foram sendo associados ao pecado e à dissolução dos costumes pagãos. Mais voltado para a interioridade do que o judaísmo, o cristianismo desconfiava de qualquer atenção conferida ao próprio corpo. Místicos mais extremados como São Francisco de Assis consideravam a sujeira um modo de penalizar o próprio corpo, aproximando o espírito de Deus (o mesmo São Francisco, no entanto, era conhecido pelo desprendimento com que lavava as feridas de leprosos). Ao codificar no século VI algumas das regras da vida monástica, são Bento determinou que só os monges doentes ou muito velhos fossem autorizados a se banhar. Na maioria dos conventos e monastérios da Europa medieval, o banho era praticado duas ou três vezes ao ano, em geral às vésperas de festas religiosas como a Páscoa e o Natal. Supõe-se que a média de banhos entre a população que vivia fora do claustro não tenha sido muito superior.

Uma vez perdida na poeira medieval, a prática de lavar o corpo todos os dias demoraria séculos para se restabelecer (e em alguns países europeus ainda não se restabeleceu). O banho foi no máximo uma moda episódica – cavaleiros que voltaram das cruzadas, por exemplo, trouxeram o hábito do banho quente, comum entre os muçulmanos, então muito mais asseados do que seus contendores cristãos. No século XIII, o popular Romance de La Rose, poema francês repleto de conselhos eróticos, trazia uma série de recomendações para o asseio feminino. As mulheres deveriam manter unhas, dentes e pele limpos – e, sobretudo, deveriam zelar pela limpeza da “câmara de Vênus”. No século seguinte, jogos eróticos no banho também compareceriam no Decameron, do italiano Giovanni Boccaccio. O prestígio do banho, porém, parece ter sido apenas literário. O cristão europeu médio seguiu lavando o rosto e as mãos antes da refeição e esfregando seus dentes com paninhos – e a tanto se resumia sua higiene pessoal.

A transição para a era moderna não trouxe nenhuma melhora higiênica – pelo contrário, o progressivo inchaço das cidades gerou catástrofes sanitárias. Em Londres, Paris ou Lisboa, a disposição de lixo e de dejetos humanos era feita na rua mesmo. No suntuoso Palácio de Versalhes, um decreto de 1715, baixado pouco antes da morte do rei Luís XIV, estipulava que as fezes seriam retiradas dos corredores uma vez por semana – do que se deduz que o recolhimento era ainda mais esparso antes. Versalhes não tinha banheiros, mas contava com um quarto de banho equipado com uma banheira de mármore encomendada pelo próprio Luís XIV – objeto que serviria apenas à ostentação, caindo no mais absoluto desuso. Os médicos certa vez recomendaram banhos ao Rei Sol como forma de terapia para as convulsões que ele andava sofrendo – mas interromperam esse tratamento dramático quando o monarca se queixou de que a água lhe dava dor de cabeça. Acreditava-se então no poder de cura da imersão em água para certas doenças. Contraditoriamente, porém, também se atribuíam perigos ao banho: lavar o corpo todo abriria os poros, facilitando a infiltração de doenças (ironicamente, as práticas precárias da higiene pessoal facilitaram epidemias européias, como a peste e a cólera). Significativo é um caso de 1610 envolvendo o avô de Luís XIV, Henrique IV. Esse rei fez a deferência de dispensar o duque de Sully de uma convocação para comparecer ao Palácio do Louvre. Em vez disso, foi Henrique IV que visitou Sully, para tratar de assuntos de estado – isso tudo apenas porque o duque havia se banhado recentemente e, portanto, estaria suscetível demais para sair à rua.

Outra crença curiosa do mesmo período diz respeito ao poder purificador da roupa: acreditava-se que o tecido “absorvia” a sujeira do corpo. Bastaria, portanto, trocar de camisa todos os dias para manter-se limpinho. Já no século XIX, o rei português dom João VI – que estabeleceu sua corte no Rio de Janeiro – mostrava-se descrente até da troca de camisas, que ele literalmente deixava apodrecer no corpo. A porquice de dom João VI, extraordinária até para os baixos padrões sanitários de seu tempo, está bem descrita em outro livro lançado neste ano, Passado a Limpo – História da Higiene Pessoal no Brasil, do jornalista Eduardo Bueno. Mesmo coberto de feridas e contaminações na pele, dom João VI fugia da água.

Foi só no século XIX, com a propagação da água encanada e do esgoto e com o desenvolvimento de uma nova indústria da higiene – principalmente nos Estados Unidos –, que o banho foi reabilitado. O sabão, conhecido desde a Antiguidade, mas por muito tempo considerado um produto de luxo, foi industrializado e popularizado. Em 1877, a Scott Paper, companhia americana pioneira na fabricação de papel higiênico, começou vender seu produto em rolos, formato que se mostra até hoje insuperado. O século XX prosseguiria com a expansão da higiene. Os desodorantes modernos datam de 1907 e a primeira escova de dentes plástica é dos anos 50. A divulgação de produtos e práticas de higiene pessoal passou a contar com um aliado poderoso: a publicidade. Lançado em 1917, o Kotex, tido como o primeiro absorvente íntimo feminino, foi divulgado em 1946 por um filme de animação produzido pelos estúdios Disney. “O sabonete e a publicidade cresceram juntos”, diz Katherine Ashenburg em seu livro. Foi daí que surgiu a expressão em inglês que designa a telenovela: soap opera, “ópera de sabonete”, referência aos patrocinadores desses programas.

Katherine sugere que o avanço da assepsia pode ter chegado a extremos, especialmente nos Estados Unidos. Alguns cientistas já aventaram a hipótese de que a superproteção com que as crianças hoje são educadas está debilitando resistências imunológicas e aumentando a incidência de doenças alérgicas. A história dos séculos sujos que nos precederam pode ser uma lição moderadora: a humanidade, afinal, sobreviveu a toda essa imundície. As vantagens de viver na era do desodorante e do fio dental mentolado são auto-evidentes, mas convém lembrar sempre a frase de Henry J. Temple, nobre inglês da virada do século XVIII para o XIX: “Sujeira é só matéria fora do lugar”. 

4 comentários:

  1. Voce nao pode duvidar de um estudo cientifico nao feito por qualquer borra bosta.
    A verdade eh esta, as pestes modernas tambem elas sao asiaticas.

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  2. Em momento algum eu duvidei de estudos científicos. O problema é que os jornalistas que são responsáveis pela divulgação das matérias, via de regra, são umas antas.

    A AIDS veio da África.

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  3. Ambos redondamente equivocados. A maior peste de todos os tempos veio mesmo de Pernambuco; originou-se na cidade de Caétes, eça praga.

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  4. Um dos passatempos preferidos do brasileiro é esculachar com sua família real e seus dois imperadores. Os politicamente adoram atirar no próprio pé; nem sentem dor, nem remorso. Têm absoluta certeza de que agindo assim passam - na realidade asinus asinum fricat - uma imagem de mudernidade, siemtifissidade, imtelijumência, imdependêmssa e outras vaidades desse quilate do Chile. Bueno é um dos lideres dessa estupidez (mais do mesmo, bem brasileira). No carnaval, os politicamentes adoram ver descendentes de ex-escravos travestidos de nobres - o pobre gosta de luxo, no discurso de um prócer desse assunto. Deve ser esta a razão que faz o brasileiro tratar seus deputados e senadores, quase sempre figuras do mais baixo nível moral e intelectual, como se fossem os mais dignos nobres representantes de alta linhagem.
    Não é, e provavelmente nunca venha a ser um país sério. Mas, talvez já tenha sido, no tempo da monarquia. Quem se importa? A burrice é muderna...

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