sexta-feira, 4 de abril de 2014

A máquina do tempo

Por Heraldo Palmeira, documentarista e produtor musical

No centro da sala pré-televisão, um solene rádio Franklin (marca da Philips argentina), valvulado, caixa mista de madeira e baquelita, trazia o mundo para dentro de casa por meio de duas emissoras AM de cidades vizinhas.

Havia sempre um disc-jóquei ocupando manhã ou tarde inteiras com seus programas. Depois da escola, eu “entrava no ar” a partir das 11h e seguia até A Hora do Angelus, quando a Ave-Maria de Gounod anunciava suavemente que era hora do banho, porque em pouco tempo meus pais chegariam do trabalho e o jantar seria servido sem atrasos.

Logo na abertura do programa, a voz impostada do locutor lançava a isca fatal: “Daqui a pouco, The Beatles!”.

E o embusteiro ficava embromando a tarde inteira para, quase noite, enfim liberar a magia – estou ouvindo lembranças de 1966, quando já estávamos completamente contaminados pelo som repetido naquela espécie de cadeia de rádios em várias casas, espalhando o vírus a todo volume na cidade inteira.

A contaminação começou em 9 de fevereiro de 1964, quando uma América perplexa sediou um surto de histeria até então desconhecido, que dera os primeiros sinais dois dias antes com a paralisação do aeroporto JFK, em Nova York.

Naquela noite de domingo, a rede CBS levaria ao ar mais um programa The Ed Sullivan Show, até então um mamute de popularidade. Ali, descobriu-se que a audiência monumental era apenas um elefantinho, já que 73 milhões de pessoas (34% da população americana da época) se postaram diante de suas tevês, eletrizadas pelos rapazes de Liverpool.

Foi o instante em que aqueles quatro garotos que enlouqueceram o aeroporto ao desembarcar, conquistaram definitivamente a América e o mundo, inauguraram a beatlemania e começaram a consolidar a maior banda de todos os tempos.

Passados 50 anos, a mesma CBS produziu um especial ao vivo em Los Angeles para comemorar aquela noite memorável.

A Noite que Mudou a América é mais um marco para uma banda acostumada a feitos estratosféricos. E deixa claro que, por mais que alguém com muito talento entre na fila, ninguém consegue pisar o território de divindade dos Beatles. Uma divindade obtida exatamente porque eles pisaram juntos céus e infernos humanos enquanto mudavam o comportamento do mundo amparados pela obra genial que produziram.

O show contou com releituras de clássicos da banda feitas por uma constelação de astros da música mundial. Tudo já seguia imperdível, até que Ringo Starr pisou o palco e elevou tudo para outro patamar, o reino do sobrenatural.

A ponto de a sempre estranha Yoko Ono, agora oitentona, cair na gandaia enlouquecida numa dança estranhíssima, parecendo possuída por alguma entidade!

Logo depois, com a entrada de Paul McCartney em cena, veio a comprovação de que até o sobrenatural tem graduações. Ao lado do velho comparsa, e invocando as memórias de John e George, o cavaleiro de Sua Majestade abriu as portas da máquina do tempo.

Diante daquela apoteose, a gente se pergunta: por que ninguém cansa de ouvir as velhas, insuperáveis e eternas canções de sempre? Por que elas seguem tocando com frescor?

Talvez porque sejam guardadas até por crianças muito pequenas, que se esgoelam em cada palavra das letras para engrossar o coro dos pais e avós.

No panteão dos maiores da música de todos os tempos, The Beatles vive acima do topo. E a distância entre o primeiro lugar e o topo é dimensão de Universo.

O resto é galáxia!

Um comentário:

  1. Assino em baixo e cito Raul Seixas: "Eu não faço rock'n roll, ele acabou quando surgiu os Beatles".
    Cito também John Lennon: "O rock'n roll será aquilo que os Beatles fizerem".

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