Por Heraldo Palmeira, documentarista e produtor musical
No centro da sala pré-televisão, um solene rádio Franklin
(marca da Philips argentina), valvulado, caixa mista de madeira e baquelita,
trazia o mundo para dentro de casa por meio de duas emissoras AM de cidades
vizinhas.
Havia sempre um disc-jóquei ocupando manhã ou tarde inteiras
com seus programas. Depois da escola, eu “entrava no ar” a partir das 11h e
seguia até A Hora do Angelus, quando a Ave-Maria de Gounod anunciava suavemente
que era hora do banho, porque em pouco tempo meus pais chegariam do trabalho e
o jantar seria servido sem atrasos.
Logo na abertura do programa, a voz impostada do locutor
lançava a isca fatal: “Daqui a pouco, The Beatles!”.
E o embusteiro ficava embromando a tarde inteira para, quase
noite, enfim liberar a magia – estou ouvindo lembranças de 1966, quando já
estávamos completamente contaminados pelo som repetido naquela espécie de
cadeia de rádios em várias casas, espalhando o vírus a todo volume na cidade
inteira.
A contaminação começou em 9 de fevereiro de 1964, quando uma
América perplexa sediou um surto de histeria até então desconhecido, que dera
os primeiros sinais dois dias antes com a paralisação do aeroporto JFK, em Nova
York.
Naquela noite de domingo, a rede CBS levaria ao ar mais um
programa The Ed Sullivan Show, até então um mamute de popularidade. Ali,
descobriu-se que a audiência monumental era apenas um elefantinho, já que 73
milhões de pessoas (34% da população americana da época) se postaram diante de
suas tevês, eletrizadas pelos rapazes de Liverpool.
Foi o instante em que aqueles quatro garotos que
enlouqueceram o aeroporto ao desembarcar, conquistaram definitivamente a
América e o mundo, inauguraram a beatlemania e começaram a consolidar a maior
banda de todos os tempos.
Passados 50 anos, a mesma CBS produziu um especial ao vivo
em Los Angeles para comemorar aquela noite memorável.
A Noite que Mudou a América é mais um marco para uma banda
acostumada a feitos estratosféricos. E deixa claro que, por mais que alguém com
muito talento entre na fila, ninguém consegue pisar o território de divindade
dos Beatles. Uma divindade obtida exatamente porque eles pisaram juntos céus e
infernos humanos enquanto mudavam o comportamento do mundo amparados pela obra
genial que produziram.
O show contou com releituras de clássicos da banda feitas
por uma constelação de astros da música mundial. Tudo já seguia imperdível, até
que Ringo Starr pisou o palco e elevou tudo para outro patamar, o reino do
sobrenatural.
A ponto de a sempre estranha Yoko Ono, agora oitentona, cair
na gandaia enlouquecida numa dança estranhíssima, parecendo possuída por alguma
entidade!
Logo depois, com a entrada de Paul McCartney em cena, veio a
comprovação de que até o sobrenatural tem graduações. Ao lado do velho
comparsa, e invocando as memórias de John e George, o cavaleiro de Sua
Majestade abriu as portas da máquina do tempo.
Diante daquela apoteose, a gente se pergunta: por que
ninguém cansa de ouvir as velhas, insuperáveis e eternas canções de sempre? Por
que elas seguem tocando com frescor?
Talvez porque sejam guardadas até por crianças muito
pequenas, que se esgoelam em cada palavra das letras para engrossar o coro dos
pais e avós.
No panteão dos maiores da música de todos os tempos, The
Beatles vive acima do topo. E a distância entre o primeiro lugar e o topo é
dimensão de Universo.
O resto é galáxia!
Assino em baixo e cito Raul Seixas: "Eu não faço rock'n roll, ele acabou quando surgiu os Beatles".
ResponderExcluirCito também John Lennon: "O rock'n roll será aquilo que os Beatles fizerem".