sexta-feira, 19 de junho de 2015

Quem era - e continua sendo - o bolivariano Miguel do Rosário (2)

Mais uma do bolivariano e eu em 9 de março de 2006.

Miguel do Rosário: A volta dos lacerdistas

Eles sempre existiram, mas seguramente todas essas crises serviram para colocá-los novamente em evidência. Os indignados. Os éticos. Os desencantados com a política. Mês passado, após o encontro de Lula com intelectuais e artistas no Rio, um batalhão de repórteres atacaram os participantes da reunião com perguntas tipicamente lacerdistas.

- E aí Wagner Tiso, e a ética?
- E a ética, fala? Responde!
- Você continua apoiando um partido que cometeu tantos deslizes éticos?

A vontade que dá é responder algo como: quero mais é que a ética vá pra puta que pariu! Ou então essa: por que não pegam essa ética e enfiam naquele lugar?

Bem, o fato é que o lacerdismo voltou. O lacerdismo é o interesse sujo político travestido de indignação moral, associado à manipulação dos ingênuos de sempre, notadamente da classe média. Aliás, o termo lacerdismo é uma pérola, um verdadeiro tesouro literário. Essa palavra tem que ser melhor explicada no dicionário.

Acompanhei de perto, muito revoltado, a exploração que o Globo fez da frase do Wagner Tiso e de outros. Ficou absolutamente claro para mim que os repórteres do Globo armaram uma armadilha. Fizeram perguntas idiotas, agressivas, e colheram as respostas que queriam para virar manchetes e escândalo. Mais uma tentativa ridícula de botar fogo no paiol. Ora, é claro que os artistas não defendiam a falta de ética. Eles estavam dizendo que não estavam preocupados com “essa ética lacerdista”, que só vê o rabo do macaco alheio.

O lacerdismo é uma teoria moral diabólica. Prega a santidade absoluta dos políticos, o que é a coisa mais impossível do mundo, tirante na Suíça. Ora, todo ser humano tem sua sombra. Mesmo os mais bonzinhos, fazem das suas. A mídia tem tentado, a todo custo, mostrar que Lula não é santo. Qualquer mínimo deslize de Lula vira manchete de jornal. Lembram do auge da crise? Se um sujeitinho qualquer desfilasse com um cartaz “Fora Lula” no Largo da Carioca, virava estrela do Jornal Nacional. No Carnaval de Recife, deram o maior destaque a um cara fantasiado de mensalão, e depois descobrimos - por fontes não globais - que o sujeito era um vereador do PFL...

Dois jornalistas marrons lançaram o livro Viagens com Lula, mostrando que o presidente, na intimidade, fala palavrões. Ó! Lula é mesmo um demônio. Fala palavrão. Os lacerdistas ficaram, naturalmente, indignados, além de excitados com a esperança de que a revelação causasse um rombo na popularidade de Lula. Coitados.

Conheço o lacerdismo de perto. Minha mãe (te amo mesmo assim, mãe) é lacerdista. No auge da crise, a gente conversava sobre uma conta de telefone perdida, que estava em nome do meu pai falecido. A conta era minha, mas como eu estava sem dinheiro e revoltado com a Telemar, sugeri a minha mãe que a gente simplesmente ignorasse aquela dívida. Ela reagiu com uma violência lacerdista impressionante, misturando as intrigas palacianas com minha tola leviandade pessoal, tratando-me como se eu fosse o próprio Delúbio Soares. Nossa relação ficou desgastada por algumas semanas. O lacerdismo da minha mãe, porém, é de família. Carlos Lacerda morava na Praia do Flamengo, perto do apartamento onde minha mãe residiu a vida inteira. Conta-se que Lacerda foi um excelente governador. Construiu escolas, fez túneis, investiu em rede de esgoto. Entretanto, foi o maior golpista da história moderna brasileira. Além de grande orador e jornalista político. Grandessíssimo canalha. Pensando bem, ele era uma espécie de síntese de todos esses colunistas tucanófilos de hoje: Jabor, Leitão, Merval, Azevedo.

O poder da linguagem é um troço perigosíssimo. Por isso esses grandes colunistas detêm tanto poder. Não tanto como eles achavam que tinham, é verdade, mas têm. Distorcem verdades, através da manipulação maquiavélica de informações. Todo dia vemos isso. Por exemplo, hoje saiu que o PIB brasileiro cresceu pifiamente nos últimos meses. Entretanto, não se deu destaque a um fator importantíssimo. O consumo das famílias cresceu 4%. Ora, se o consumo das famílias cresce 4% mesmo com um PIB baixo, imagine quanto crescerá quando o crescimento do PIB for maior? Os juros caíram ao menor patamar desde 1996, ou ainda menos (aliás, não falaram que era o menor em 30 anos?).

Esse Jeferson Perez... Sempre desconfiei que o sujeito era um mala, mas o respeitava em função de sua “aparência ética”. Era o lacerdismo me envenenando sutilmente. Eis que agora o infeliz diz que, por desencanto com a política, vai abandonar a política em 2010! Ora pois pois, como diriam nossos antepassados à beira do Tejo. Abandonar em 2010! Com todo respeito à terceira idade, mas um velho daquele vir falar que vai largar a política em 2010! Penso que será grande coisa se continuar vivo até lá. Senti-me ofendido, todavia, com a declaração dele de que o Brasil vive uma podridão moral! Ora, o cara parece até missivista do Globo! Mais um lacerdista, meu Deus, a nos encher o saco!

Um senador da República dizer uma coisa dessa do povo brasileiro! E por que não abandona agora? Tem que esperar mais 4 anos? E com que base ele diz essas coisas? Por que re-elegerão Lula? Ora pois pois, repito. Queria ele que elegessem o paspalhão do Cristóvão Buarque (do mesmo partido dele, PDT), que é boa gente e tudo, mas um tremendo dum bundão? Ah, desculpe, é bundão mas é ético! Tá certo. Agora quando o sujeito for operar o cérebro, não vai escolher o melhor cirurgião - porque o tal se divorciou da mulher, tão boazinha. Vai optar pelo pior médico, aquele bunda mole que sempre foi um exemplo de pessoa, apesar de ter matado (sem querer, é claro, pois é um cara muito ético) uns três ou quatro pacientes que passaram por suas mãos.

O exemplo não convence um lacerdista, eu sei. Lacerdistas acham que só eles é que são éticos. Qualquer outra atitude, para eles, é falta de vergonha na cara. Aliás, para eles, a vergonha está na cara. Só na cara. Que importa se minha mulher recebeu 400 vestidos? Se o meu governo gastou milhões com acupuntura para professores na clínica do sócio do meu filho? Se o meu governo fez tráfico de influência para anunciar nas revistas que puxam meu saco, inclusive a falecida Primeira Leitura? O negócio é ter um bom rosto, o tipo do rosto que toda sogra sonha para marido da filha. Um rosto branco, de traços delicados, sobrenome estrangeiro, prefeito aos quinze anos, e apoiado por donos de jornais e empresários do Brasil inteiro.

Vem cá, por que não perguntaram aos artistas que saíaram do encontro com Alckmin se eles aprovam as falcatruas do PSDB-PFL? Ah não, claro que não. Como sempre, levantaram a bola para eles cortarem. Fizeram perguntas como: que achou do Tiso ter falado que não se importa com a ética?

Distorceram totalmente a frase de Tiso, uma simples frase descontextualizada, motivada por perguntas agressivas, e agora a usam como mote para páginas e páginas de debates. Mas o Tiso sabe se defender e já publicou um artigo muito bom no próprio Globo, embora insuficiente, a meu ver, para desagravar o dano moral que ele sofreu.

Ética é o tipo da coisa da qual não se fala. Não se fica arrotando ética por aí. Ética é uma virtude que se pratica em silêncio, bem longe dos holofotes da mídia e das eleições. Em caso de ataque, aí sim, então nós devemos responder: nós temos ética. Na maioria da vezes, é a única forma de defesa. Não significa muito para quem já nos prejulgou, mas vale muito para nós mesmos.

Vieram com aquele história de que o PT achava que tinha monopólio da ética no Brasil. Ei, quando o PT disse isso? Não creio que um milhão de filiados do PT fossem tão bobinhos a ponto de ter acreditado, algum dia, que o partido monopolizasse a ética no país. O PT é um partido político, não uma seita quaker. Tem ladrão no PT? Tem que ser punido, expulso do partido, preso. O que não pode é encontrar um ladrão ou dois no PT e daí vir com essa história de que o PT se dizia dono da ética.

Ética, para mim, é investir e aparelhar a Polícia Federal, e deixá-la trabalhar de forma independente. É nomear um cara independente para o Ministério Público. É fortalecer as instituições, de forma que o sistema se encarregue de limpar a máquina pública. Esse Alckmin é muito patético, não é a tôa que seu percentual de votos está acompanhando o risco Brasil. Vem falar em dólar no cuecão, como se houvesse a menor ligação entre o episódio (flagrado e preso pela PF, diga-se de passagem) protagonizado por um assessor de um político local e o presidente Lula. A própria PF já desvendou a questão dos dólares. Foi propina de um empresário, que queria benefícios de um governo estadual. Coisa normal. Anormal é o cara ter sido pego e o esquema desbaratado.

Bem, os lacerdistas voltaram. Felizmente, existe uma coisa chamada povo brasileiro que, para tristeza deles, não é composto apenas de analfabetos-nordestinos-beneficiados-pelo-bolsa-família, mas artistas, intelectuais, engenheiros, funcionários públicos, donas de casa, operários, sindicalistas, garçons e advogados. Um bando de gente porreta, com tutano suficiente para não se deixar engambelar por essa conversa mole dos tucanos, a la Janio Quadros, de que irão “varrer” a corrupção do país. Já vimos esse filme muitas vezes. Era uma chanchada das mais vagabundas, com final sempre triste.

Ricardo Froes | 09.04.06 - 5:08 pm | #

Supondo-se que ética seja uma parte da filosofia que investiga o comportamento humano, colocando-o em confronto com as normas e valores das sociedades, esse artigo de Miguel do Rosário chega a ser cômico ao iniciar pela vontade do autor de mandá-la para a puta que pariu. Não adianta porque ela não vai. A ética é auto-imune, é uma espécie de estado patológico de um organismo atingido por suas próprias defesas. No caso específico do petismo ela é um exemplo tipico do caso em que as defesas imunitárias sobrepujaram os ataques. Uma auto-alergia.

O despreparo da nossa imprensa ao interpretar ao pé da letra o que Wagner Tiso disse, confundiu até mesmo os petistas, o que motivou uma enxurrada de artigos, apressados em justificar as palavras do músico. Tiso quando quis que a ética se danasse foi absolutamente coerente. Acontece que ninguém se deu conta que a ética do PT é essa, a sua própria negação, o exacerbo da defesa, os fins justificando os meios, aos amigos tudo e aos inimigos a lei. Não se pode chegar ao exagero de generalizar, dizendo que “a ética do PT é roubar”, como fez alguém que não me lembro agora o nome (não por conveniência e sim por irrelevância), mas ela passa perigosamente por perto do crime em função da complacência da militância com os criminosos.

Não é preciso tanto auê em torno de Tiso – a não ser que queiram transformá-lo em mártir. Dizer que jornalistas fizeram perguntas idiotas e agressivas para transformar as respostas da hora em manchetes escandalosas é demais, até porque a desculpa de supostas respostas impensadas não cola, em função dos entrevistados, no caso, terem todos pelo menos 20 anos de contatos freqüentes com a imprensa.

O artigo de Miguel é repleto de exemplos do que seja a ética petista a começar pelas qualificações de “jornalistas marrons” aos dois que descreveram as viagens de Lula, passando por Jeferson Perez que é um “mala”, “infeliz” e velho demais para traçar planos políticos, por Cristovam Buarque, “paspalhão” e “bundão” e por um “patético” Alkmin. E o que dizer do “grandessíssimo canalha” do Lacerda, a bola da vez em termos de ressureição? Para todos há um adjetivo pejorativo, um xingamento na ponta da língua ou uma acusação na gaveta. Ninguém escapa. Quem não mancomunar com os autores da cartilha, não merece perdão nem crédito.

Na verdade, falta mesmo aos petistas a autocrítica necessária para legitimar as barbaridades que eles falam sobre seus opositores. Enquanto a ética do PT for dominada pela auto-indulgência e pela conivência com os erros dos seus partidários, a credibilidade do partido vai continuar sendo alvo de sérias dúvidas sobre sua honestidade, seriedade e competência e tais deslizes como o de negá-la (a ética), vão continuar sendo motivos de manchetes e piadas procedentes.

Miguel do Rosário | Homepage | 09.04.06 - 6:25 pm | #

Prezado Ricardo Froes, a ética a qual me refiro, é a ética lacerdista, hipócrita, essa ética oportunista dos que nunca se preocuparam com ela em outros momentos. Bem, quanto às suas críticas, acho que foram muito bem colocadas, o artigo está mesmo muito apaixonado, é um artigo que tem lado, posição, eu xingo os que considero meus adversários políticos e elogio a que apóio, sem tergiversação. É um artigo extremamente pessoal, publicado no meu blog, e certamente não dá conta das complexidades filosóficas que o conceito de ética exigiria. É um artigo político, uma peça política. Poderia dizer, me auto-ironizando, que é quase um lacerdismo às avessas...  Obrigado pelas críticas. Cordialmente

4 comentários:

  1. Ler a postagem inteira é praticamente um ato masoquista, não conseguiria de jeito e maneira.Mas eu li uma parte do início e uma parte do final e consegui descobrir algo fantástico. O cara inventou a moral do lacerdismo e também o lacerdismo às avessas, sendo que a primeira algo que ele não soube dizer o que é, enquanto que a segunda deve ser exatamente o oposto. Um gênio do vazio existencial.

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    1. (argento) ... é, como dito (justificado) um "escrito apaixonado", ... realmente, um Apelo às Paixões Alheias, tal qual as ARENGAS moviam Soldados ...

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    2. (argento) ... Soldados, exército bem ou mal armado, de futuro incerto, a Morte Espreita e Impera no campo de batalha, amados ou não, cujo Intento, para a Glória dos "impérios" era (é) o Espólio dos Vencidos ...

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