segunda-feira, 23 de junho de 2014

Luiz Felipe Pondé: Afetações de um vira-lata

A afetação com vinhos é um sintoma clássico. Chegamos ao ponto de ser melhor não falar sobre vinhos em jantares inteligentes para que não pensem que somos gente que faz curso de enologia. Na verdade, quem entende mesmo de vinhos deve ficar calado quando os outros começam a expor seus cursos feitos por aí. Nunca se deve usar expressões como “amadeirado”.

Sim, falo das afetações típicas de brasileiros e paulistanos, mais especificamente. A burguesia sempre sofreu de um complexo de vira-lata em relação à aristocracia medieval, porque esta era o que era, enquanto a burguesia é o que tem, e nada mais.

Quando atravessamos o Atlântico e chegamos ao Brasil, a agonia da burguesia com sua condição vira-lata piora. Desesperados buscam passaportes italianos para poderem, num momento de glória, pegar a fila dos passaportes europeus ao entrar na Europa. O desespero fica maior se não tiver ninguém pra ver os 15 minutos de fama na fila dos passaportes europeus. Quem viaja sozinho busca com o coração na boca algum brasileiro coitado com passaporte brasileiro para que ele veja a glória do pseudo-italiano.

Outro sintoma da mesma patologia é a tentativa de encontrar nobreza na ancestralidade. Hipótese pouco provável porque normalmente quem está bem nunca imigra para lugar nenhum. Todo imigrante é um coitado, por definição.

Mas, talvez uma das afetações mais terríveis, e muito comum nesta época de Copa do Mundo, é ficar falando mal do Brasil. Claro, o Brasil é mesmo um problema. A Copa do Mundo trouxe à tona de forma evidente, sob os holofotes do mundo, nossa incompetência em infraestrutura. E, de fato, o Brasil é levado pouco a sério por aí. O jornalismo internacional está muito mais atento à África e à Ásia do que à América Latina. Somos um continente esquecido, para o bem e para o mal. Mas, a afetação vira-lata vai muito além da consciência de nossas mazelas.

Vejamos. Ela se manifesta na mania de usar expressões (hoje um pouco fora de moda) como “coisa de primeiro mundo”. A tentação de comparar o Brasil com a Europa é a mais “chique”, porque inclusive mostra que o fulano é “viajado” - expressão triste por definição. Os mais ingênuos comparam o Brasil com os EUA, os mais afetados comparam com a Europa ocidental porque os EUA “eram” capitalistas selvagens. Digo “eram” porque os EUA paulatinamente se transformam em um dos países de maior invasão da vida privada pelo governo federal.

Quer um exemplo banal? A vida real é mesmo banal, quem não sabe disso e imagina que existe uma “vida chique e especial” por aí é gente que sofre de bovarismo cultural. Sofrer de bovarismo cultural é achar que existe uma vida maravilhosa do outro lado do Atlântico que só gente inteligente conhece.

Mas, voltemos ao exemplo banal. Dizer que no Brasil não se respeita fila e que na Europa se respeita é coisa de quem nunca viajou muito mesmo. Muitos europeus furam a fila na maior cara de pau, dando as mais variadas razões. Às vezes, tenho a impressão que os brasileiros respeitam fila com muito mais frequência.

Outra afetação é querer ir a restaurantes “melhores do mundo”. A fila de espera pode durar meses. Restaurantes assim são aquele tipo de lugar que você vai mais pra ser visto lá do que pela comida mesmo, que às vezes é tão chique que o gosto se perde na sofisticação fake.

Claro, bons restaurantes existem, mas nada tem a ver com excessos de propaganda.

No final das contas, como sempre, toda elegância é discreta, assim como toda virtude é silenciosa. Esta é, talvez, uma das maiores contradições do mundo contemporâneo pautado pelo ridículo das redes sociais: todo mundo tem que aparecer para existir. Esta contradição aparece, por exemplo, quando reclamamos de que as pessoas invadem nossa privacidade quando a maioria de nós “posta tudo” pra ser visto.

A propósito, a entrevista de Zygmunt Bauman, “Vigilância Líquida”, recém-publicada no Brasil, é uma boa reflexão sobre este desejo infantil de ser visto, desejo este que faz de todos nós reféns das informações que nós mesmos “postamos”.

7 comentários:

  1. Eu daria outro título: "Bem-Vindos à Burguesia" ... de qualquer país

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    1. ... ou: "todos os Vira-Latas são Iguais"

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    2. EU DARIA OUTRO TITULO: "BEM VINDOS A ELITE NEOBURGUESA DO PT"!!!

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  2. "Sim, falo das afetações típicas de brasileiros e paulistanos, mais especificamente. A burguesia sempre sofreu de um complexo de vira-lata em relação à aristocracia medieval, porque esta era o que era, enquanto a burguesia é o que tem, e nada mais". (Luiz Felipe Pondé).

    Afetação típica de marxista é dizer que a burguesia é o que tem. A aristocracia medieval jamais aceitou o mercantilismo e foi totalmente contra o liberalismo de Adam Smith justamente por que "era o que os outros não tinham".
    Se quem entende de vinho deve ficar calado, muito mais calado deve ficar quem não sabe nada sobre a aristocracia medieval e nada sabe sobre a burguesia. Tem fura fila no Brasil, tem fura fila na Europa, tem marxista no Brasil e tem marxista na Europa. Vira lata é quem pensa que falar sobre o Brasil resume-se a falar bem ou falar mal, mas quem chama os brasileiros de vira latas como se não estivesse falando mal do Brasil é "vira lata de madame", se for pra rua morre atropelado.

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    1. Desculpe, mas de marxista o Pondé não tem nada. Na verdade, ele citou apenas uma parte da burguesia como protagonista de bestices sem propósito. E, sem dúvida, essa parte tem uma fixação por buscar um pretenso e nobre refinamento em suas atitudes e, em seus ancestrais, buscar uma ascendência que o justifique.

      O que Pondé disse não tem nada a ver com política ou com economia, mas sim com as consequências culturais e sociais resultantes.

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    2. (argento) ... em outras palavras, discorre sobre "identidade" social e, claro, das implicações (consequências) de se "forçar a barra" para ser identificado em determinado grupo - "No final das contas, como sempre, toda elegância é discreta, assim como toda virtude é silenciosa."

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  3. Inegavelmente conheço muitos europeus, vivo aqui ha mais de três décadas, nunca, nunca nenhum desrespeitou o Brasil ou fez mencao de que somos inferiores, pelo menos não na minha frente.Complexo ou não de vira lata é com os brasileiros, aliás nem sei bem o que vem a ser isso, complexo de vira-lata.
    Eu representei sempre muito bem o Brasil, conforme dizem os meus amigos, mas eu não sou a típica brasileira,eu represento o Brasil no qual eu nasci e cresci ,não carrego "responsabilidades culturais ou sociais" pelos outros "Brasis" que existem dentro do Brasil.

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