Do Ncultura
Pelo seu prestígio nos meios intelectuais, pela beleza
arquitectónica do edifício da sua sede, pela importância do acervo
bibliográfico e ainda pelas actividades que desenvolve, o Real Gabinete
Português de Leitura é, a todos os títulos, uma instituição notável e que muito
dignifica Portugal no Brasil.
Em 14 de Maio de 1837, um grupo de 43 emigrantes portugueses
do Rio de Janeiro e deve-se sublinhar que isto ocorre somente 15 anos depois da
Independência do país – reuniu-se na casa do Dr. António José Coelho Lousada,
na antiga rua Direita (hoje rua Primeiro de Março), nº 20, e resolveu criar uma
biblioteca para ampliar os conhecimentos de seus sócios e dar oportunidade aos
portugueses residentes na então capital do Império de ilustrar o seu espírito.
Entre esses homens, cuja maioria era composta de
comerciantes da praça, estavam alguns que haviam sido perseguidos em Portugal
pelo absolutismo e que tinham emigrado para o Brasil. Era o caso de José
Marcelino Rocha Cabral, advogado e jornalista, que iria ser eleito primeiro
presidente da instituição.
É possível que ao se preocuparem com o nível de instrução de
seus compatriotas e ao quererem incutir em muitos o gosto pela leitura, os
fundadores do “Gabinete” tenham sido inspirados pelo exemplo vindo da França,
onde, logo seguir à revolução de 1789, começaram a aparecer as chamadas
“boutiques à lire”, que nada mais eram do que lojas onde se emprestavam livros,
por prazo certo, mediante o pagamento de uma determinada quantia.
Seguindo o exemplo dos “gabinetes de leitura” de raiz
portuguesa e ainda na segunda metade do século XIX, surgiram, impulsionados
pela maçonaria e pela república positivista, em várias cidades do interior do
Estado de São Paulo, instituições semelhantes que também eram denominadas
“gabinetes de leitura” e que foram transformadas depois em bibliotecas
municipais.
É por essa altura que os dirigentes começam a pensar em
construir uma sede de maiores dimensões e condizente com a importância da
instituição. Para esse fim, é adquirido um terreno na antiga rua da Lampadosa.
E as comemorações do tricentenário da morte de Camões (1880) vão ser o grande
pretexto para motivar a “colónia” portuguesa e levar adiante o projecto.
Portugal atravessava crises medonhas: eram os deficits da
Corte e a ameaça das grandes potências às colónias da África; eram as mazelas
de uma sociedade que não reagia às críticas e farpas dos “vencidos da vida”;
eram os “escândalos do tabaco” e as lutas dos partidos; eram os “cortejos do
bacalhau” na “baixa” lisboeta para depreciar a Epopeia quinhentista; era a
falta de interesse pelas ideias novas que vinham da Europa, a apatia do
zé-povinho retratado nas caricaturas mordazes de Bordalo Pinheiro. O projecto
escolhido foi o do arquitecto português Rafael da Silva Castro, com seu traço
neomanuelino a evocar a epopeia camoniana.
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