quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Cora Rónai e o caviar com ovo em Pyongyang

Eu custo a entender as preferências turísticas de certas pessoas. Aqui no Rio virou moda gringo visitar favela. Já Cora prefere ir a lugares onde só se pode ver o que os governos deixam, isto é, nada que se assemelhe às legítimas culturas locais: é tudo perfumaria para turista se encantar e se iludir.

Cora não é nenhuma garotinha deslumbrada, mas dá para concluir que quando se trata de algo que lhe toque à esquerda se comporta como tal, como eu já mostrei aqui em http://toma-mais-uma.blogspot.com.br/2016/01/saude-em-cuba-em-que-acreditar-nos.html, onde, em um artigo, fala do caos que é a saúde de Cuba sem nenhuma crítica pessoal, demonstrando claramente a sua conivência com as barbaridades relatadas por ela mesma.

Agora vejam romantismo com que ela trata a Coreia do Norte em seu artigo de hoje no Globo, relatando que comeu caviar com ovo em Pyongyang e chegando ao cúmulo de falar da “nova economia norte-coreana, em que os mais diversos empreendimentos são tocados pela iniciativa privada” para depois dizer que “entre os seus proprietários [do restaurante Haedanghwa] está Kim Kyong-Hui, tia de Kim Jong-Un [o débil mental que reina na Coreia]. Lindo exemplo, não é mesmo?

Trechos do artigo:

O ovo, servido dentro da própria casca num delicado suporte dourado, com uma colherzinha miúda e elegante ao lado, veio no ponto ideal: a clara cozida, a gema levemente mal passada. Por cima, uma porção generosa de caviar. A combinação estava deliciosa, e fiquei feliz em ter acertado a difícil escolha - o cardápio, ilustrado com fotos bem produzidas, oferecia também lagosta, caranguejo, camarões gigantes, presunto de Parma e uma variedade de vegetais, peixes e diferentes cortes de carne, bife kobe inclusive, para teppanyaki.

Para desgosto dos amigos com quem jantava, acompanhei a comida com água Perrier; eles optaram por vinhos muito bem harmonizados. A refeição, que teria sido inesquecível em qualquer grande metrópole do mundo, foi ainda mais extraordinária por ter acontecido em Pyongyang, a capital da Coreia do Norte. O restaurante em que foi servida, chamado Haedanghwa, faz parte de um novíssimo complexo com sauna, piscina, karaokê, salão de beleza e lojas de produtos de luxo.

Nesse restaurante encontrei pela primeira vez uma maioria de fregueses locais, e pude ter ideia do que é a vida da elite da elite, a nata dos burocratas e dos novos ricos que se distingue dos demais mesmo em Pyongyang, cidade vitrine onde vivem apenas os privilegiados que gozam da confiança do regime.

Devo essa oportunidade única a Roberto Colin, nosso embaixador, que está no país há três anos e que conhece Pyongyang tão bem quanto é possível conhecer. Encontrá-lo para essa noite singular e reveladora não foi tarefa das mais simples, e exigiu uma boa dose de insistência junto aos guias, cuja resposta padrão para qualquer coisa fora do programa previamente aprovado é “não”. Foi só no penúltimo dia da viagem que obtive autorização para me separar do grupo.

O Haedanghwa - que já teve uma filial em Amsterdã - ocupa um edifício de seis andares construído ao melhor estilo kitsch chinês, com abundância de mármores e vidros jateados. Até o estacionamento, com painéis de madeira, e os banheiros, em pedras de diferentes cores, são imponentes. O complexo é um exemplo típico da nova economia norte-coreana, em que os mais diversos empreendimentos são tocados pela iniciativa privada, ainda que, nominalmente, pertençam ao governo. Dizem que entre os seus proprietários está Kim Kyong-Hui, tia de Kim Jong-Un.


Um comentário:

  1. (argento) ... o "estilo Cora" é limpo, com foco único na descrição de eventos, não encontrado em nenhum dos seus contemporâneos, escreve sem emprestar ao texto qualquer resquício de emoção nem mesmo quando descreve cenas domésticas envolvendo seus gatos de estimação - pra não dizer que não falei de flores há um "fiquei feliz", mais ou menos como nota de rodapé ... mó barato!

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