Época
Um espectro ronda a casa 787 da Rua José Bonifácio, numa
esquina do centro de São Bernardo do Campo, em São Paulo – o espectro do
empreguismo. De longe, vê-se apenas uma casa amarela, simples e estreita como
as demais da região. De perto, subitamente, tudo o que é sólido se desmancha no
ar e – buuu! – sobram somente os fantasmas. Naquele endereço, na cidade
paulista onde o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva mora e fez sua
carreira, funciona o “escritório de representação”, em São Paulo, do Conselho
Nacional do Serviço Social da Indústria, o Sesi. A casa amarela mal-assombrada
fica a 40 metros do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em que Lula se projetou
como um dos maiores líderes políticos do Brasil. O sindicato mais famoso do
país continua sob o comando de Lula e seus aliados. A casa amarela foi criada
por esses aliados no governo de Lula. Quem a banca são as indústrias do país.
Todo ano, elas são obrigadas a financiar as atividades do Sesi, cuja principal
finalidade é qualificar os trabalhadores das indústrias. A casa amarela é um
dos melhores lugares do Brasil para (não) trabalhar. O escritório é modesto,
mas os salários são inimagináveis – e as jornadas de trabalho, imaginárias.
Difícil é entrar. É preciso ser amigo de petistas poderosos.
Na manhã da última quarta-feira, ÉPOCA reuniu coragem para
bater à porta da casa amarela. Estava em busca de Marlene Araújo Lula da Silva,
uma das noras do ex-presidente Lula. No papel e na conta bancária, ela trabalha
ali. A reportagem encontrou apenas dois sindicalistas, além da copeira Maria e
da secretária Silvana. Dona Maria parece ser a mais produtiva do lugar. Faz um
ótimo café. Talvez por medo, não fala sobre as aparições. Assim que ÉPOCA
perguntou pela nora de Lula, a secretária Silvana tratou de alertá-la por
telefone. Cerca de 45 minutos depois, Marlene finalmente estacionava seu
Hyundai Tucson preto na garagem.
Casada com o quarto filho de Lula, Sandro Luís Lula da
Silva, Marlene raramente aparece no serviço, apesar de ter um salário de R$
13.500 mensais. Diz ser “formada em eventos”. Questionada sobre o que faz no
Sesi, onde está empregada desde 2007, Marlene foi vaga. Disse trabalhar em
programas do Sesi na capital paulista e na região do ABC. “Trabalho com relações
institucionais. Fico muito tempo fora do escritório. Tenho uma jornada
flexível. Quem me contratou foi o Jair Meneguelli”, afirmou. Meneguelli é o
presidente do Sesi. Sindicalista e amigo de Lula, ocupa o cargo desde que o PT
chegou ao Planalto, em 2003. “Mas por que está fazendo essas perguntas? Se você
está me procurando, deve ser pela ligação que tenho de sobrenome”, disse.
Marlene é apenas um dos fantasmas vermelhos que, segundo
descobriu a Controladoria-Geral da União, a CGU, habitam a casa amarela. No
começo do ano, funcionários do Sesi procuraram a CGU para denunciar a
existência de fantasmas nos quadros da entidade. Todos indicados por Lula e
outros próceres do PT. Os auditores da CGU, como caça-fantasmas, foram a campo.
Encontraram apenas ectoplasmas. Estiveram na casa amarela e jamais flagraram a
nora de Lula trabalhando. Experimentaram ligar em horários alternados, na
tentativa de achá-la na labuta. Nenhum vestígio. Por fim, decidiram perguntar
ao Sesi que atividades Marlene exercera nos últimos tempos. A resposta foi
evasiva. Agora, a CGU trabalha num relatório sobre a caça aos fantasmas.
A rotina tranquila permitiu que Marlene se lançasse ao mundo
corporativo. Em 2009, ela se tornou sócia do marido e de um cunhado, Marcos
Luís, numa empresa de tecnologia que se diz especializada na produção de
software, a FlexBr. Até hoje a empresa não tem site. Antes escanteada num
imóvel da família do advogado Roberto Teixeira, compadre de Lula, em São
Bernardo do Campo, a FlexBr mudou-se para um
belo prédio no bairro dos Jardins, em São Paulo. ÉPOCA também esteve lá
na semana passada. As atendentes do prédio disseram que a empresa não funciona
mais lá há pelo menos um ano. Nunca
viram Marlene ali.
Por que o emprego de Marlene no Sesi nunca veio à tona? Um servidor
do Sesi afirmou que se deve à dificuldade de associar o nome de solteira de
Marlene ao sobrenome Lula da Silva. Na relação de funcionários do Sesi, o nome
dela é Marlene de Araújo. Sobram fantasmas na família Lula. Em 2005, o jornal
Folha de S.Paulo revelou que Sandro Luís, o marido de Marlene, tinha sido
registrado como funcionário do PT paulista, com salário de R$ 1.500. Sandro nem
sequer aparecia no partido.
Marlene Araújo Lula da Silva e Márcia Regina Cunha |
O assessor Rogério Aurélio Pimentel deveria ser colega de
Marlene na casa amarela. Até há pouco,
estava lá apenas em espírito. Aurélio foi contratado no começo de 2011, para
ser gerente de serviços sociais. Ganha R$ 10 mil por mês. O emprego no Sesi foi
arranjado depois que a presidente Dilma Rousseff chegou ao Planalto e o
dispensou. Aurélio, amigo de Lula, trabalhou no gabinete pessoal dele nos oito
anos de mandato. No Planalto, dividia sala com Freud Godoy, ex-segurança de
Lula. Godoy e Aurélio eram conhecidos no Planalto como “dupla dinâmica”. Freud
se consagrou com o escândalo dos Aloprados, na campanha de Lula em 2006. Foi
acusado de usar dinheiro sujo para comprar um dossiê fajuto com denúncias
contra o tucano José Serra. ÉPOCA encontrou Aurélio na casa amarela. Ele disse
não ter sido indicado por Lula. “Trabalho com Marlene assessorando projetos e também
ajudo aqui no escritório”, disse. Não quis dar mais explicações. Desde as
visitas dos caça-fantasmas da CGU, Aurélio passou a se apresentar no escritório
do Sesi com mais regularidade.
Na sede do Sesi, em Brasília, os caçafantasmas entrevistaram
funcionários (de verdade) e vasculharam os computadores dos fantasmas em busca
de vestígios de que trabalhavam. Nada. Uma das que não entravam no próprio
computador chama-se Márcia Regina Cunha. Ela é casada com o ex-deputado João
Paulo Cunha, do PT de São Paulo, condenado no processo do mensalão. Foi Márcia
quem buscou os R$ 50 mil, em dinheiro vivo, que João Paulo recebeu de Marcos
Valério – ele dizia que ela fora ao banco pagar a conta de TV a cabo. No Sesi,
Márcia está empregada como gerente de marketing desde 2003. Recebe R$ 22 mil
por mês.
Na tarde da mesma quarta-feira em que procurou Marlene na
casinha amarela, ÉPOCA flagrou Márcia a 1.000 quilômetros da sede do Sesi em
Brasília, onde ela deveria estar. Márcia estava em sua casa, na cidade de
Osasco, região metropolitana de São Paulo. A casa de Márcia e do ex-deputado
João Paulo Cunha está em reforma. Márcia parecia acompanhar as obras. ÉPOCA
quis saber por que ela não estava em Brasília. “Sou gerente de marketing.
Trabalho lá (Brasília) e aqui em São Paulo. Tem uma unidade do Sesi aqui”,
disse – e logo desapareceu.
Os caça-fantasmas tiveram dificuldade para encontrar também
o advogado e jornalista Douglas Martins de Souza no Sesi em Brasília.
Contratado para ser consultor jurídico, ganha R$ 36 mil. Filiado ao PT desde
2000, foi secretário adjunto da Secretaria de Igualdade Racial no início do
governo Lula. Marlene disse que Douglas “fica entre Brasília e São Paulo”.
Além de atender a pedido de amigos, Meneguelli, o presidente
do Sesi, também emprega os seus. Um deles é o petista Osvaldo Bargas. No
período em que Meneguelli presidiu a Central Única dos Trabalhadores (CUT),
ligada ao PT, Bargas era seu número dois. No Sesi, recebe salário de R$ 33 mil.
A sindicalista Sandra Cabral, amiga do ex-tesoureiro petista Delúbio Soares,
também conseguiu emprego lá. Recebe R$ 36 mil por mês.
Meneguelli |
Se alguém ganha bem no Sesi, é o próprio Meneguelli. Há
meses em que ganha quase R$ 60 mil – somando ao salário uma “verba de
representação”. Hoje, ocupa uma sala espaçosa num dos prédios mais luxuosos da
capital federal. Meneguelli desfila num impecável Ford Fusion preto, modelo
2014, com motorista. Para não ficar a pé no ABC paulista, deu ordens para que
um Toyota Corolla zerinho fosse transportado de Brasília a São Bernardo do
Campo. Fica a sua disposição, com motorista. As despesas com esses e outros
três bólidos do Sesi somam mais de R$ 150 mil por ano.
Meneguelli tem uma mania incorrigível de confundir o
patrimônio do Sesi com o dele. Todos os finais de semana, recebia passagens
pagas pelo Sesi para ir a sua casa em São Caetano do Sul, em São Paulo. Isso
acabou quando uma auditoria do Tribunal de Contas da União, o TCU, vetou o
procedimento. Outra auditoria da CGU também achou estranho que Meneguelli tenha
criado uma representação do Sesi em São Bernardo do Campo – e não na capital
paulista. Silvana Aguiar, secretária de Meneguelli em São Bernardo, disse que a
casa amarela, antes de ser o escritório do Sesi, já abrigava o escritório
político de seu patrão.
Por meio de sua assessoria, Meneguelli afirmou que Marlene,
Márcia, Aurélio, Sandra e Douglas cumprem suas jornadas de trabalho
normalmente, que os cargos são de livre provimento e que os carros usados por
ele são compatíveis com “padrão executivo, adotado pela instituição desde antes
da atual gestão, e a despeito de quem seja gestor”. Afirmou não enxergar
conflito de interesses na contratação do amigo Bargas. Lula não quis comentar.
(argento) ... bota aí, Fróes, as fotos de Eduardo Cunha e de Márcia Regina Cunha - há semelhanças, curioso, pergunto: existe parentesco?
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