Época
Em seu pedido de busca e apreensão para a 24ª fase da
Operação Lava Jato, os procuradores da força-tarefa expuseram a anatomia do
petrolão: “A estrutura criminosa perdurou por, pelo menos, uma década. Nesse
arranjo, os partidos e as pessoas que estavam no governo federal, dentre elas
Lula, ocuparam posição central em relação a entidades e indivíduos que
diretamente se beneficiaram do esquema”. Os investigadores ainda reforçam que a
corrupção só se alastrou devido a “vinculação de legendas políticas que compunham
a base aliada do governo federal”. Um exemplo disso, destacado pelo próprio
Ministério Público Federal, é o ex-deputado Pedro Corrêa, ex-presidente do
Partido Progressista (PP) e preso na Lava Jato há quase um ano.
Ele era o responsável por garantir a sustentação de seu
partido ao governo. Em troca, recebia as propinas geradas a partir dos
contratos fechados na diretoria de abastecimento da Petrobras, comandada pelo
delator Paulo Roberto Costa. Aos 68 anos de idade, Pedro Corrêa, que teve seis
mandatos no Congresso desde a década de 1970 e foi condenado no mensalão, sabe
de muita coisa. Testemunhou episódios marcantes da história da República, do
general João Figueiredo a Dilma Rousseff.
E com base em suas próprias experiências, relatadas em
primeira pessoa, ele avança em sua negociação de delação premiada, que está
prestes a ser assinada. De acordo com o ex-parlamentar, Lula sabia da
existência do petrolão e sabia da função exercida no esquema pelo ex-diretor da
Petrobras Paulo Roberto Costa.
Dos 73 capítulos e dos mais de 130 agentes políticos citados
na proposta de delação premiada de Pedro Corrêa, o personagem principal é o
ex-presidente, segundo investigadores ouvidos por Época. A princípio, Pedro
Corrêa ofereceu aos investigadores contar cinco episódios comprometedores
envolvendo Lula – que, no final das contas, tornaram-se um único tópico. Foi
graças a esse tópico que os procuradores da Lava Jato decidiram aceitar a
colaboração de Corrêa.
Há diversos relatos de encontros realizados entre Corrêa e
Lula. Num deles, o PP cobra mais espaço no esquema de propina da Petrobras.
Lula, segundo Corrêa, teria dito que “Paulinho”, apelido de Paulo Roberto,
indicado pelo ex-presidente para a diretoria de abastecimento da estatal, feudo
dividido entre PP e PT, estava atendendo bem o partido da base aliada.
Em outra passagem, Corrêa relata o que seria uma
interferência direta de Lula na Petrobras. Segundo o ex-deputado, entre 2010 e
2011, ele e seu colega de partido João Pizzolatti foram ao escritório do
advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, petista histórico e próximo a Lula. Quando
chegaram lá, numa tarde durante a semana, encontraram Marcos Valério e um
empresário, do qual o delator não se recorda o nome. Greenhalgh, Valério e o
empresário queriam que Pedro Corrêa e Pizzolatti os ajudassem a fechar uma
operação de compra e venda de petróleo com a área da Petrobras comandada por
Paulo Roberto Costa. De acordo com Corrêa, o negócio geraria um lucro alto – e,
portanto, o PP resolveu abocanhar uma fatia do dinheiro.
Após a conversa, Corrêa e Pizzolatti foram falar com Paulo
Roberto Costa, que recusou fechar contrato, porque o empresário não tinha uma
boa fama dentro da Petrobras. Alguns meses depois, a operação foi feita. De
acordo com o ex-presidente do PP, Lula interferiu para que a transação saísse.
A partir da delação, o Ministério Público investigará para onde foram os
pixulecos do negócio.
O embrião do esquema do petrolão, segundo Corrêa, era o
mensalão. No anexo 2, Pedro Corrêa conta que, em meados de 2004, a Dinamo
Distribuidora de Petróleo depositou R$ 1,7 milhão na conta bancária da 2S
Participações, do operador Marcos Valério. Quando o repasse veio à tona, a
explicação dada pela Dinamo era que a empresa tinha comprado 25 títulos da
Eletrobras para quitar dívidas tributárias com o governo federal, operação
intermediada por Valério.
No entanto, Corrêa afirma em sua proposta de delação que o
valor de R$ 1,7 milhão era a devolução a Marcos Valério de um adiantamento –
adiantamento de propina paga no mensalão. Em troca, a Dinamo faturava com um
contrato com a Petrobras para distribuir 45 milhões de litros de álcool anidro
que estariam infectados e seriam redestilados para voltar ao mercado.
“O petrolão e o mensalão são a mesma coisa”, afirma o
ex-presidente do PP em sua proposta de delação. “Desde 2004, o petrolão
financiava o mensalão.” A pessoa responsável para pedir à Dinamo que fizesse o
depósito na conta da empresa de Marcos Valério foi o ex-assessor do PP João
Cláudio Genu – ao lado José Janene, morto em 2010.
Essa não é a primeira vez que a empresa 2S, de Marcos
Valério, famoso operador do mensalão, aparece ligada ao Petrolão. No ano
passado, foi encontrado no escritório de Meire Poza, ex-contadora do doleiro
Alberto Youssef, um contrato de uma operação de empréstimo no valor de R$ 6
milhões, firmado entre a 2S Participações e a Expresso Nova Santo André, de
Ronan Maria Pinto – empresário que ficou famoso no escândalo de corrupção
desvendado à época da morte do prefeito Celso Daniel, de Santo André.
De acordo com depoimento de Valério ao Ministério Público,
em 2012, Ronan Maria Pinto ameaçou relacionar Lula e os ex-ministros Gilberto
Carvalho e José Dirceu com a morte do ex-prefeito de Santo André – e recebeu
R$ 6 milhões para ficar calado. Investigadores da Lava Jato apuram se esse
dinheiro teve origem num contrato de empréstimo tomado pelo pecuarista José
Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente e preso na Lava Jato, com o Banco
Schahin. Bumlai assume apenas que tomou o financiamento da instituição
financeira a mando do PT. A história já é bem conhecida – e é mais um indício
de que o petrolão e o mensalão podem estar umbilicalmente ligados.
De acordo com investigadores que tiveram acesso à proposta
de delação de Pedro Corrêa, os relatos são bastante detalhados – e impressionam
pela capacidade de memória do ex-parlamentar.
Diferentemente de outras colaborações, o ex-presidente do PP
não apresenta provas robustas, extratos bancários, mas faz uma verdadeira
crônica da política brasileira, apontando irregularidades e falcatruas em
diversos períodos da história e em distintos partidos. Há desde líderes de
partidos no Congresso a ex-presidentes. Pelo volume de informações, o grupo de
trabalho dos procuradores da Lava Jato, em Brasília, gastou quase seis meses
para chegar a uma resolução de acordo final. Ficou combinado que nos próximos
dias a delação deverá ser, enfim, assinada.
Ficou combinado, a princípio, que Corrêa pagaria uma multa
de quase R$ 5 milhões – e blindaria seus filhos, entre eles a deputada Aline
Corrêa, de qualquer acusação. Nesse acordo, ainda foi negociada a redução de
sua pena nas duas condenações – a do Petrolão e a do mensalão. Em 2012, Pedro
Corrêa foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal no mensalão a sete anos e
dois meses de prisão, além de multa de R$ 1,1 milhão, por lavagem de dinheiro e
corrupção.
No ano passado, o ex-deputado foi sentenciado na Lava Jato a
cumprir 20 anos e sete meses atrás das grades, novamente por corrupção e
lavagem de dinheiro. Conhecedor da história do mensalão, Pedro Corrêa não quis
acabar tendo o mesmo desfecho que Marcos Valério. Resolveu contar tudo o que
sabe. E o que sabe pode ser uma nova dinamite a explodir a República – e, em
particular, o ex-presidente Lula.
Este final de semana pode ser chamado de "olho do furacão", mas isso não significa que este seja o único furacão.
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