Comecei a ler 1808, do historiador Laurentino Gomes, e, por coincidência,
li a introdução, coisa que normalmente não faço e não me perguntem por quê. Aliás,
nem tanta coincidência assim, já que, escolado em ler coisas desse bando de
supostos historiadores que anda por aí esculhambando nossos personagens
importantes, eu estava mesmo é procurando uma pista indicando que Laurentino
fizesse parte do conluio criado para desconstruir a nossa História em detrimento
das verdades que só os vermelhinhos contam para os trouxas acreditarem.
Mas foi uma grata surpresa constatar, pela introdução, que o
autor fica exatamente do lado oposto dessa gente sem caráter. A se registrar também, na introdução, que escaneei e reproduzo, em parte, abaixo, o descaso total do poder público com administração dos nossos museus e prédios históricos.
Introdução 1808
Em 1784, cinco anos antes da Revolução Francesa, o menino
Bernadino da Motta Botelho pastoreava o gado em Monte Santo, uma das regiões
mais áridas do sertão da Bahia, quando uma pedra de superfície lisa e escura,
diferente de todas as demais, chamou sua atenção no meio da pastagem. Era uma
descoberta que ficaria famosa. Em 1810, um grupo de cientistas da Sociedade
Real de Londres atestaria que se tratava de um meteorito, uma rocha espacial
que se havia chocado com a superfície da Terra depois de viajar milhões de
quilômetros pela escuridão do universo. Com dois metros de diâmetro e mais de
cinco toneladas de peso, o Meteorito de Bendegó é o maior já encontrado na
América do Sul. Está hoje exposto no saguão do Museu Nacional do Rio de
Janeiro.
Situado na Quinta da Boa Vista, a algumas centenas de metros
do Estádio do Maracanã, com vista para o morro da Mangueira, este é um dos
museus mais estranhos do Brasil. Seu acervo reúne, além do meteorito, aves e
animais empalhados e vestimentas de tribos indígenas abrigadas em caixas de
vidro que lembram vitrinas de lojas das cidades do interior. As peças estão
distribuídas ao acaso, sem critério de organização ou identificação. O Museu
Nacional é ainda mais esquisito pelo que esconde do que pelo que exibe. O
prédio que o abriga, o Palácio de São Cristóvão, foi o cenário de um dos
eventos mais extraordinários da história brasileira.
Ali viveu e reinou o único soberano europeu a colocar os pés
em terras americanas em mais de quatro séculos. Ali, D. João VI, rei do Brasil
e de Portugal, recebeu seus súditos, ministros, diplomatas e visitantes
estrangeiros durante mais de uma década. Ali, aconteceu a transformação do
Brasil colônia num país independente. Apesar de sua importância histórica,
quase nada no Palácio São Cristóvão lembra a corte de Portugal no Rio de
Janeiro. A construção retangular de três andares, que D. João ganhou de
presente de um grande traficante de escravos ao chegar ao Brasil, em 1808, é
hoje um prédio descuidado e sem memória. Nenhuma placa indica onde eram os
dormitórios, a cozinha, as cavalariças e as demais dependências usadas pela
família real. É como se nesse local a História tivesse sido apagada de
propósito.
A mesma sensação de descaso se repete no centro do Rio de
Janeiro, onde outro prédio deveria guardar lembranças importantes desse
período. Localizado na Praça 15 de Novembro, em frente à estação das barcas que
fazem a travessia da Baía da Guanabara em direção a Niterói, o antigo Paço
Imperial é um casarão de dois andares do século XVII. Foi a sede oficial do
governo de D. João no Brasil, entre 1808 e 1821, mas hoje um turista desavisado
poderia passar por ele sem tomar conhecimento dessa informação. Com exceção de
uma carruagem antiga, de madeira e sem identificação, exposta junto à janela
direita da entrada principal, nada ali faz referência a seu passado histórico.
Na parede ao lado da carruagem, um mapa em alto-relevo mostra os prédios e
arranha-céus do centro do Rio de Janeiro atual. É uma curiosidade fora de
contexto. Em se tratando do Paço Imperial, seria mais razoável que se tentasse
reproduzir a cidade colonial da época em que a corte portuguesa chegou ao
Brasil.
Os aposentos vazios são usados de forma esporádica para
eventos que, na maioria das vezes, são deslocados do contexto. No começo de
novembro de 2005, a sala do trono, no andar superior, onde D. João VI
despachava com seus ministros, estava ocupada por uma exposição de artes
plásticas em que rosários católicos espalhados pelo chão reproduziam o formato
da genitália masculina. Ainda que seja da natureza da arte surpreender e
desafiar o senso comum, a exibição desses objetos naquele local, que por tantos
anos abrigou uma das cortes mais religiosas e carolas da Europa, se resumia a
uma provocação de mau gosto.
O desprezo pela conservação dos monumentos históricos nunca
foi novidade no Brasil. No caso de D. João VI, porém, há um aspecto adicional
que acentua a sensação de esquecimento forçado que o cerca. É a forma caricata
com que o rei e sua corte costumam ser tratados nos livros, no cinema, no
teatro e na televisão. Um exemplo é o filme Carlota Joaquina - a princesa do
Brasil, da atriz e diretora Carla Camurati. A rainha, que dá nome à obra, é
apresentada como uma mulher histérica, pérfida e ninfomaníaca. D. João, como um
monarca abobalhado e glutão, incapaz de tomar uma só decisão. Enquanto escrevia
este livro, perguntei a Camurati, num almoço em São Paulo, por que havia
construído os personagens dessa forma. “Porque não pude evitar”, ela me
respondeu. “Quando comecei a pesquisar, fui me deparando com tipos cada vez
mais hilários e absurdos, a tal ponto que se tornou irresistível retratá-los
assim.”
O propósito deste livro é resgatar a história da corte
portuguesa no Brasil do relativo esquecimento a que foi confinada e tentar
devolver seus protagonistas à dimensão mais correta possível dos papéis que
desempenharam duzentos anos atrás. Como se verá nos capítulos adiante, esses
personagens podem ser, sim, inacreditavelmente caricatos, algo que se poderia
dizer de todos os governantes que os seguiram, inclusive alguns muito atuais.
Obviamente, o Brasil de D. João VI não se resume a graçolas. A fuga da família
real para o Rio de Janeiro ocorreu num dos momentos mais apaixonantes e
revolucionários do Brasil e de Portugal, em que grupos de interesses tão
diversos, como monarquistas, republicanos, federalistas, separatistas,
abolicionistas, traficantes e senhores de escravos, se opunham numa luta pelo
poder que haveria de mudar radicalmente a história desses dois países. É
natural, portanto, que a visão que se tem de D. João VI, Carlota Joaquina e sua
corte permaneça ainda hoje contaminada pelas disputas políticas em que se
envolveram. Isso explica tanto a sensação de abandono que cerca os lugares
frequentados pela realeza como a carga de preconceito que ainda a acompanha nas
obras que inspirou. (...)
Quando eu era criança era comum as pessoas dizerem que o Brasil era o país do futuro, provavelmente por alguma campanha dos militares, mas a realidade sempre fala mais alto e agora está mais para país SEM futuro.
ResponderExcluirO texto do historiador mostra um dos fatores para o país esta mergulhado numa crise institucional e existencial, não conhece sua própria história, não deseja conhecer e inventa fantasias sobre o passado, presente e futuro.
PS: tem até um "inteligente" que chamou o D. Pedro I, que abdicou de dois tronos, de megalomaníaco. Lembra?
Da minha família, um tio foi o primeiro e emigrar da Suiça para o Brasil, nos idos de 1947, quando o Brasil já era apontado como o país do futuro.
ExcluirUm presidente do conselho de estado da Suiça também afirmou: o Brasil é o país do futuro e sempre o será.
(argento) ... a História do Brasil é, não sem motivo, desconhecida dos braZileiros; resume-se ao ensino de uma insossa "coletânea" de datas - um povo, nação, país sem memória é presa fácil dos embusteiros e aproveitadores e, por falta de referenciais, condena-se, automaticamente, a não ter futuro .,, quem ganhará o BBB15?
ResponderExcluir(argento) ... além de mal contada, a História do Brasil é Mau Contada (sic) ...
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirEu já li o 1808 faz tempinho. É um livro que podemos sempre voltar a ler.
ResponderExcluir(argento) se puder, leia a trilogia 1808, 22 e 89, uma pena honesta, não acadêmica, vale a pena
ExcluirVou procurar em Portugal o 22 e o 89.
ExcluirObrigado pela dica, para ficar torrando no sol, só mesmo lendo um bom livro.
Outro livro que é também pode ser reelido de vez em quando e: Guia Politicamente Incorreto da Historia do Brasil - Leandro Narloch. Gostei muito, é uma leitura leve e vibrante, é diferente da literatura do Laurentino, mas um bom livro.
ResponderExcluirJá que vocês estão falando em livros de História do Brasil, um dos imperdíveis -especialmente para consultas -, embora formal - mas não didático - é História do Brasil, de Boris Fausto.
ResponderExcluir(argento) ... com direito a LINK de vídeo
Excluirhttp://historiaonline.com.br/hotv/documentarios/historia-do-brasil-boris-fausto/
Para não ficar de fora nas indicações de livros, Uma Gota de Sangue do Demétrio Magnoli é uma boa sugestão para conhecer e entender a história da escravidão. Eu não cheguei a ler o livro, mas foi porque as questões que ele apresentou em entrevistas e palestras já eram do meu conhecimento e eu já li muito sobre a escravidão, mas é uma ótima dica para quem deseja encontrar em um único texto aquilo que eu encontrei em dezenas de textos dispersos, além de ser, provavelmente, mais aprofundado e com mais informações.
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