terça-feira, 3 de março de 2015

Lembrei de Mané Garrincha

Garrincha não foi apenas um jogador de futebol, foi um circo: mágico, palhaço, acrobata, domador e fera, a maior fera que eu já vi pisar em um gramado de futebol.

Quando era pequeno, eu ia ao Maraca, umas vezes com meu pai tricolor, outras com meus tios rubro-negros, mas eu vibrava mesmo é quando o jogo era do Botafogo, de tanto que eu gostava dos dribles do Mané (e é claro, do time inteiro, com Manga, Nilton Santos, Didi, Amarildo...). Nem sei porque, de tricolor, não virei botafoguense, de tanto que me divertia. Bons tempos, bom futebol.

Cabe aqui uma explicação. Pelé, que conheci depois, foi deus para mim, e só não o é até hoje porque o meu julgamento insiste em misturar o jogador com o poço de asneiras em que ele se transformou depois de parar de jogar.

Vale uma lida nessas poucas histórias de Garrincha que encontrei pelaí. Além de tudo, o homem era uma figuraça e, até por isso, conto uma que não consta das sete aí embaixo.

Em uma excursão do Botafogo à Suécia, em 1959, João Saldanha, o técnico, resolveu dar uma colher de chá aos jogadores em Umea, uma cidade litorânea, e arranjou para que todos tivessem uma prostituta para si em um puteiro de lá. Didi, já casado com a folclórica Dona Dulce, todo certinho, recusou a oferta e Mané, que estava por perto vira para Saldanha e pergunta:

- Seu João, posso ficar com a dele também?

Garrincha: dribles, gols e histórias deliciosas

Por: Equipe Trivela

No dia 28 de outubro de 1933 nasceu, no interior do Rio de Janeiro, o homem que transformava um pequeno guardanapo em um latifúndio, como escreveu Armando Nogueira. Mané Garrincha desafiou uma legião de marcadores e transformou todos em Joões. Desafiou a deformidade do seu corpo e se eternizou como o Anjo das Pernas Tortas. Desafiou o álcool e perdeu. Morreu de cirrose, cinquenta anos depois de sair da barriga da mãe.

O que ficou para a história foram milhares de dribles, centenas de gols e uma dupla com Pelé que nunca perdeu uma partida pela seleção brasileira. O melhor jogador da Copa do Mundo de 1962 também era conhecido pela ingenuidade que contrastava com a extrema inteligência dentro de campo. Ele, porém, não era tão inocente quanto se pensava. As histórias que o retratam como um bobo tapado contém doses de exagero e de misticismo. Acontece com toda lenda.

Eis sete histórias deliciosas do mulherengo que tinha medo de agulha e que foi apelidado de Garrincha por caçar passarinhos - garrincha é a mesma coisa que cambaxirra. Garrincha não foi apenas o maior camisa sete da história, mas também um dos personagens mais interessantes que o futebol já viu.

“Didi, fala com ele para não fazer isso”
Desde o primeiro treino no Botafogo, em 1953, Nílton Santos sofria com Garrincha. Todos já ouviram detalhes de como o novato ponta-direita humilhou o experiente lateral esquerdo na primeira vez que se encontraram. Aliás, como o gol de Pelé na Javari, milhões de pessoas garantem que estavam em General Severiano assistindo. Na biografia que Ruy Castro escreveu sobre Mané, consta outra história em que a Enciclopédia do Futebol teve problemas pelo infortúnio de ter que enfrentar o colega de pernas tortas.

Nílton Santos tinha 33 anos na época da Copa do Mundo de 1958, mas essa era apenas a desculpa que Mendonça Falcão, presidente da Federação Paulista de Futebol, usava para tentar barrá-lo e colocar Oreco, do Corinthians, como titular. Bairrista e quase analfabeto, Falcão também tinha problemas pessoais com Nílton, que viu a sua vaga no time de Vicente Feola ameaçada. Por isso, resolveu treinar a sério contra Garrincha.

O problema é que querer parar Mané nunca bastou. Era necessária uma conjunção de fatores extraordinários. Nílton Santos achou que tivesse pegado o jeito de marcar Garrincha. Manteve o pé de apoio no gramado e aguardou o amigo tomar a iniciativa. Não funcionou, claro. Levou um, dois, três, quatro dribles e não aguentou mais. Precisou apelar.

“Didi, fala com ele para não fazer mais isso!”, implorou, praticamente. Didi, outro craque do Botafogo, foi tentar argumentar com Garrincha. “Poxa, Mané, não faz isso. O Nílton é do Botafogo e teu chapa”. O jogador percebeu que poderia prejudicar o companheiro e tentou maneirar. O problema é que Garrincha era instintivo. Não conseguia se segurar. E mais uma vez transformou um dos maiores laterais do futebol brasileiro em um João qualquer. Nílton Santos, então, partiu para a violência e deu alguns socos na barriga de Mané, que reclamou após o treino.

“O que deu em você? Olha a minha barriga. Está toda vermelha”. “Ou você sossega ou eu não jogo essa Copa do Mundo. Os homens estão querendo me botar na cerca. Vamos com calma”, pediu Nílton Santos, que garantiu a posição de titular em dois amistosos contra a Bulgária, no Maracanã e no Pacaembu, mas nunca descobriu a melhor forma de marcar Garrincha.

Mané humilhou na Copa e ainda foi leal
A partida mais célebre de Garrincha foi logo sua estreia na Copa de 1958. O Brasil corria o risco de ser eliminado pela União Soviética e Vicente Feola apostou no camisa 11 entre os titulares. Era a criatividade do ponta direita contra o cientificismo que era atribuído aos soviéticos. Antes do apito inicial, o técnico ordenou a Didi: “Lembre, o primeiro passe vai para Mané”. E, segundo Nelson Rodrigues, “a desintegração da defesa começou exatamente no primeiro momento em que Garrincha tocou a bola”.

Idealizador da Liga dos Campeões, o jornalista Gabriel Hanot definiu o início daquele jogo como ‘os três melhores minutos da história do futebol’. Neste curto intervalo, Garrincha e Pelé acertaram a trave de Lev Yashin, enquanto Didi lançou Vavá para abrir o placar.

Naquele dia, Mané eternizava o ‘joão’, o marcador que sabia muito bem o que ele faria, mas não se cansava de ser driblado. Boris Kuznetzov, o lateral esquerdo da seleção soviética, foi quem mais sofreu com aquele trançar infinito de pernas tortas.

Com 30 segundos de jogo, Kuznetzov já tinha sido ludibriado por Garrincha algumas vezes e ido ao chão – pouco antes de receber reforço de outros dois companheiros na marcação, igualmente enganados pela ginga. E a cena dos soviéticos tropeçando nas próprias pernas seria constante. Em uma delas, Mané colocou o pé sobre a bola e estendeu a mão para o defensor se levantar. Bastou o adversário ficar em pé novamente para que ele voltasse a correr. Uma humilhação gigantesca, tratada pelo craque como um lance de pelada.

Teve aquela vez que Garrincha criou o grito de olé
Sabe quando a torcida começa a gritar “olé” ao ver um time muito superior ao adversário? A primeira vez que isso aconteceu foi em 1957, no México. Graças a Garrincha. João Saldanha, técnico do Botafogo na época, conta em seu livro Histórias do Futebol que Mané estava impossível em um amistoso contra o River Plate, no Estádio Universitário, parte da excursão do time carioca ao país. Quem mais sofria era Vairo.

“Toda vez que Mané parava na frente de Vairo, os espectadores mantinham-se no mais profundo silêncio. Quando Mané dava aquele seu famoso drible e deixava Vairo no chão, um coro de cem mil pessoas exclamava: ‘Ô ô ô ô ô ô-lê!'”, escreveu Saldanha. “Foi ali, naquele dia, que surgiu a gíria do ‘olé’. As agências telegráficas enviaram longas mensagens sobre o acontecimento e deram grande destaque ao ‘olé’. As notícias repercutiram bastante no Rio e a torcida carioca consagrou o ‘olé'”.

O jogo terminou empatado, mas Vairo não terminou o jogo. O técnico José Maria Minella, do River Plate, foi piedoso e substituiu o jogador, que saiu de campo dando risada. “Não tem o que fazer. Impossível”, disse, antes de acrescentar para o seu suplente. “Boa sorte, amigo. Antes, porém, te aconselho a escrever algo para sua mãe”.

Como escreveu Saldanha – tão craque com as palavras quanto Garrincha com a bola – é apropriado que Mané tenha inspirado esse grito. “Garrincha é o próprio ‘olé’ Dentro e fora de campo, jamais vi alguém tão desconcertante, tão driblador. É impossível adivinhar o lado por onde Mané vai sair da enrascada. Foi a coisa mais justa do mundo que Garrincha tivesse sido o inspirador do ‘olé'”.

Para onde foi o Mané?
O Botafogo tinha dois amistosos em El Salvador. Contra a seleção local e contra o Independiente. O último jogo foi antecipado em um dia e, na véspera, um jogador não estava no hotel. João Saldanha, técnico, não sabia onde estava Mané Garrincha. Pegou um táxi, acompanhado do roupeiro Aloísio Birruma e do dirigente Renato Estelita e saiu pelas ruas para procurar o craque desaparecido.

Rodaram, rodaram e rodaram e nada de encontrar Mané. Aloísio viu um cartaz pendurado em um poste que anunciava um “Gran concurso de Bolero” naquela mesma noite. Era difícil imaginar Garrincha participando de um concurso de dança, mas, como as opções estavam se esgotando, a delegação do Botafogo foi para La Caverna ver se ele estava lá.

E não é que estava? O público tomava conta da pista, extasiado com os movimentos de uma dupla singular: uma garota baixa, de um metro e meio, usando um vestido verde e um lenço amarelo e vermelho e o maior ponta direita da história. Renato não quis saber de nada. Invadiu a pista e mandou Mané entrar no táxi, deixando a pequena dançarina aturdida, sem saber o que estava acontecendo.

Por que diabos Mané Garrincha estava em um concurso de dança? A explicação, reproduzida no livro Histórias do Futebol, escrito por Saldanha, é simples: “O senhor (Renato) não me mandou ir representar a gente na Escola Brasil? Lá só tinha velha e ninguém quis ir. Eu fui e me chateei a tarde toda. Depois, fui ao cinema e voltei ao hotel. A garota me convidou para o concurso. Era dia livre e eu fui. Eu ia ganhar vinte dólares no concurso. Ainda tinha uma taça. A garota é o fino na dança e o papai aqui é o maior. O senhor estragou tudo”.

Todos entenderam que Mané não viu o aviso de que o jogo havia sido antecipado e não houve punição, mas Garrincha tinha outra preocupação: não queria que os companheiros tirassem sarro. Não deu muito certo. No café da manhã do dia seguinte, Édson chamou o colega de pernas tortas de “Cinderela” porque ele “tinha saído à meia-noite antes do baile acabar”.

E que fim levou a garota? Bom, ela apareceu no hotel e fez um escândalo até que Renato Estelita aceitasse pagar os vinte dólares, já que ela tinha certeza que seria campeã do concurso. Ao ver o chefe tirar a carteira do bolso, Mané emendou: “Seu Renato, também tenho direito a vinte dólares. Eu também ia ganhar o prêmio. O senhor viu como o pessoal aplaudia, né?”. Garrincha não ganhou os vinte dólares.

Tio Patinhas contra a rapa
Amigo de Garrincha, o jornalista Sandro Moreyra foi um dos principais encarregados de listar os folclores do craque. Uma das anedotas mais célebres aconteceu em um jogo da Seleção. No intervalo, o técnico Vicente Feola foi orientar seus comandados. E se dirigiu ao ponta:

– Você, Mané, vai avançar mais pelo canto. Daí…

Quem disse que ele prestara atenção? Garrincha estava encostando em um canto, lendo um gibi. Foi a deixa para que Feola esbravejasse:

– Bem, então você faça o que quiser

O ponta foi fiel às ordens e fez o que quis para os brasileiros saírem com a vitória.

Comendo o prato errado
Durante uma excursão à Europa, a Seleção precisou fazer escala em Paris. E, entre um voo e outro, os jogadores acabaram almoçando no próprio restaurante do aeroporto. Dentista da equipe, Mário Trigo foi ajudar os jogadores com o cardápio em francês. Mas Garrincha recusou qualquer intervenção:

– Doutor, deixa que eu mesmo peço.

– Como é que você vai pedir, se não conhece a língua?

– Deixa, doutor. É simples. Só preciso apontar o dedo para o prato que quiser.

Enquanto todos almoçavam, Garrincha esperava. E o impaciente Mané reclamou da demora da comida ao doutor, que foi verificar com os garçons o que tinha acontecido. Desfez-se o mistério. O que ele tinha pedido?

– Não o servimos porque ele indicou que quer comer o dono do restaurante, Monsieur Jean Paul.

O radinho da discórdia
Uma história de Garrincha que possui várias versões fala sobre a compra de um rádio na Copa de 1958. Segundo o dentista Mario Trigo, o massagista Mario Américo foi quem passou a perna em Mané. O jogador estava maravilhado com um radinho de pilha adquirido na Suécia, quando o massagista resolveu pregar a peça:

– Esse rádio não funcionará no Brasil, ele só fala sueco! Façamos o seguinte: você pagou 180 coroas, te dou 90 para diminuir seu prejuízo.

Garrincha caiu na lábia e foi reclamar com Trigo, com quem tinha ido à loja fazer a compra. O dentista desfez a confusão ao pegar 180 coroas com Paulo Machado de Carvalho, chefe da delegação, e trazer outro aparelho. Bom para o Mané, contente com o rádio poliglota.

2 comentários:

  1. Ele pagou 2 euros pelo radinho depila que só transmitia em sueco ahahahahahah.
    Se fosse hoje o Garricha teria que levar as prostitutas com ele. Hoje ele seria preso se fosse procurar uma. O criminoso é quem compra e não quem vende, conforme a lei sueca de hoje.
    O meu pai e os meus tios fizeram um balão maravilhoso era enorme, gigantesco tinha muitos e muitos gomos ,os vizinhos vieram segurar os gomos para que a tocha fosse acendida, sei de tudo pelas fotos, não lembro de nada, era muito criança.
    Foi uma grande festa a Copa de 1958, como sempre comentavam na minha casa.
    Não somente no Brasil, os suecos guardaram com muito carinho a nossa selecao, muito mesmo.

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  2. Outros tempos, outras mentalidades. O argentino saiu dando risada dos dribles que recebeu, mas hoje eu não sei se deixariam o Garrincha fazer o que fazia, começando pelos técnicos que se preocupam mais com a "moral" do que com o futebol.

    Ser driblado pelo Garrincha chegava a ser um honra para muitos jogadores. E não era apenas com o Garrincha, O Gerson foi encarregado de marcar o Rivelino e respondeu o seguinte: eu não vou marcar o cara e perder a oportunidade de ver ele jogar. Algum tempo depois Rivelino teria dito a mesma coisa quando disseram para ele marcar o Ademir da Guia. Mas uma cena que nunca vou esquecer é a cara do Maradona, rindo da "festa" que o Dener, então no Vasco, estava fazendo na defesa do time argentino (acho que era o Boca) e plena Argentina.

    O Ricardo não deixou de ser tricolor por que não confundiu gostar de futebol com ser torcedor. Infelizmente existem muitas pessoas que gostam de ver o time campeão, gostam de ver o time vencer e nada além disso.

    No caso do Botafogo e do Santos, as pessoas não iam ver o time vencer, iam ver o time jogar, muitos nem eram torcedores do Santos, do Botafogo ou do adversário, mas iam assistir o jogo. O Pelé fez um carnaval em pleno Maracanã, contra o Fluminense. O presidente o time derrotado ficou tão triste que colocou uma placa no estádio homenageando o Gênio Pelé, criando o termo "gol de placa".

    Voltando ao Garrincha, tem no Youtube o jogo Brasil e Suécia, final de 1858. A Suécia fez o primeiro gol e o Didi pegou a bola e caminhou tranquilamente para o centro do campo. Perguntaram para ele como conseguiu ficar tão tranquilo depois de ter sofrido o primeiro gol e estar perdendo o jogo. Resposta: "eu sabia que nós tínhamos o Garrincha". Confiram no vídeo, a partida foi reiniciada e imediatamente o Didi fez um lançamento para o Garrincha, que entortou a defesa e quase empatou, se não me engano carimbou a trave.

    As vezes eu assisto aos vídeos do Pelé e do Garrincha no Youtube. Na época as fitas eram reaproveitadas e só guardavam algumas cenas, a maioria dos jogos nem eram filmados. Não imagino quantos minutos (ou horas) de lances fantásticos existiriam tanto de um como de outro, se fosse possível gravar com as facilidades de hoje,

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