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Gramsci |
Antony Mueller
Embora o marxismo original tenha, ao redor do mundo,
praticamente desaparecido dos movimentos trabalhistas, a teoria marxista segue
prosperando nas instituições culturais, no mundo acadêmico e na mídia
convencional.
Mas não se trata da teoria marxista econômica convencional.
Trata-se de um novo marxismo, adulterado e sob uma nova roupagem.
Os socialistas de hoje praticamente abandonaram a velha
retórica da “luta de classes”, a qual envolvia uma batalha entre as classes
capitalistas e proletárias. Há agora uma nova batalha, a qual opõe “opressores”
a “oprimidos”. As classes oprimidas incluem os grupos LGBT, os negros, as
feministas, os imigrantes, os “não-assimilados culturalmente” e várias outras
categorias consideradas mascotes. Já a classe opressora é formada
majoritariamente por homens e mulheres cristãos, brancos e heterossexuais, de
qualquer profissão (empregado ou empregador), que não sejam ideologicamente
simpáticos ao socialismo.
A criação desta nova luta de classes é o cerne do “marxismo
cultural”. O marxismo cultural nada tem a ver com a liberdade, com o progresso
social ou com um suposto esclarecimento cultural. Ao contrário, tem a ver com a
criminalização de ideias: qualquer pensamento tido como “ofensivo” ou “excludente”
- ou seja, qualquer pensamento que não preste reverência aos “grupos oprimidos”
- deve ser criminalizado.
Para os adeptos deste evangelho, a força-motriz que irá
impulsionar a revolução socialista não mais é o proletariado, mas sim os
intelectuais - exatamente por isso o marxismo cultural prospera basicamente na
academia, na mídia e na cultura.
A raiz
A raiz deste movimento está nos escritos de Antônio Gramsci
(1891-1937) e da Escola de Frankfurt.
Já à época, esses teóricos do marxismo haviam reconhecido
que o proletariado não exerceria o papel - que sempre lhe foi imaginado - de
ser o “agente da revolução”. Por conseguinte, para que a revolução acontecesse,
o movimento passou a depender de líderes culturais, os quais estariam
incumbidos de destruir a cultura e a moralidade dominantes - majoritariamente
cristãs - para então empurrar as massas desorientadas para o socialismo, que
passaria a ser a nova crença dominante.
Para Gramsci, a “hegemonia cultural” não apenas é o grande
objetivo da batalha, como também é o seu principal instrumento. Os escritos de
Gramsci contemplam um totalitarismo que elimina a própria possibilidade de uma
resistência cultural às ideias progressistas.
O objetivo supremo (e autodeclarado) deste movimento é
estabelecer um governo mundial no qual os intelectuais marxistas teriam a
palavra final. Neste sentido, os marxistas culturais são a continuação daquilo
que começou com a Revolução Russa.
Lênin e os soviéticos
Liderados por Lênin, os criminosos da revolução consideraram
sua vitória na Rússia como sendo apenas o primeiro passo rumo à revolução
mundial. A Revolução Russa não era nem russa e nem proletária. Em 1917, os
trabalhadores industriais da Rússia representavam apenas uma pequena fatia da
força de trabalho, a qual era majoritariamente formada por camponeses. A
Revolução Russa não foi o resultado de um movimento trabalhista, mas sim de um
grupo de revolucionários profissionais.
Uma análise mais minuciosa da composição do partido
bolchevista e dos primeiros governos soviéticos e seu aparato repressivo revela
a verdadeira característica da revolução soviética: um projeto que não visava a
libertar o povo russo do jugo czarista, mas sim servir como plataforma para a
revolução mundial.
A experiência da Primeira Guerra Mundial e suas
consequências mostrou que o conceito marxista do “proletariado” como uma força
revolucionária era uma ilusão. Igualmente, o exemplo da União Soviética
demonstrou que é impossível haver socialismo sem uma ditadura.
Essas considerações levaram os principais intelectuais
marxistas à conclusão de que uma estratégia diferente seria necessária para
implantar o socialismo. Autores comunistas difundiram a ideia de que a ditadura
socialista deve ocorrer disfarçadamente. Para que o socialismo tenha êxito, a
cultura dominante deve mudar. O controle da cultura deve preceder o controle
político.
A corrupção moral
O caminho para o poder preconizado pelos marxistas culturais
é por meio da corrupção moral das pessoas. Segundo Gramsci, para alcançar isso,
a grande mídia convencional, o sistema educacional e as instituições culturais
devem ser infiltrados por agentes ideológicos e continuamente transformados e
moldados de acordo com essa ideologia. A função destas três instituições não é
esclarecer e iluminar, mas sim confundir e enganar.
A mídia, o sistema educacional e todo o aparato cultural
devem ser utilizados para jogar uma parte da sociedade contra a outra. Enquanto
as identidades de cada grupo (opressor e oprimido) vão se tornando mais
específicas, a variedade dos grupos vitimológicos, bem como todo o histórico de
“opressão” sobre estes grupos, vai se tornando mais detalhada.
A demanda por “justiça social”, por sua vez, cria uma
infindável corrente de gastos públicos tidos como essenciais - para saúde,
educação e aposentadoria, e também para todos aqueles que “estão necessitados”,
ou que “são perseguidos”, ou que “são oprimidos”, sejam eles reais ou
imaginários. O fluxo interminável de gastos nestas áreas corrompe as finanças
do governo e produz crises fiscais. Isso ajuda os neomarxistas a acusarem o “capitalismo”
de todos os males, sendo que, na realidade, é exatamente o estado inchado e
regulatório quem provoca os colapsos econômicos e é o excesso de endividamento
público quem causa as fragilidades financeiras.
A política, a mídia, as instituições educacionais e
culturais, e mesmo o judiciário não param de criar novas guerras: indo desde a
guerra contra o colesterol e a pressão alta até campanhas contra gordura
saturada e obesidade. A lista de “inimigos declarados” cresce diariamente, e
todos aqueles que não se curvam são prontamente rotulados de “fascistas”, “racistas”,
“machistas”, “homofóbicos”, “xenófobos”, “islamófobos”, “transófobos” etc.
O ápice deste movimento é a imposição do “politicamente
correto”: a guerra contra as opiniões individuais. Ao passo que a população
deve tolerar repugnantes demonstrações comportamentais - devidamente rotuladas
de “arte” -, a lista de palavras e opiniões proibidas só faz crescer. Tudo
aquilo que pode ser subjetivamente interpretado como “excludente” ou “ofensivo”
tem de ser proibido. Ao defender a censura de ideias e comportamentos
considerados “ofensivos”, o politicamente correto nada mais é do que uma
ferramenta criada para intimidar e restringir a liberdade de expressão. A
opinião pública jamais deve ir além do espectro de posições aceitáveis.
Porém, enquanto o debate público empobrece, a diversidade de
opiniões radicais prospera às ocultas.
Os marxistas culturais, desta maneira, empurram a sociedade
moralmente para uma crise de identidade por meio dos falsos padrões criados por
uma ética hipócrita. O objetivo não mais é a “ditadura do proletariado” - pois
este projeto fracassou -, mas sim a “ditadura do politicamente correto”, cuja
autoridade suprema está nas mãos dos marxistas culturais.
Como uma nova classe de sacerdotes, os guardiões desta nova
ortodoxia comandam as instituições cujos poderes eles querem estender sobre
toda a sociedade. A destruição moral do indivíduo é um passo necessário para
alcançar a vitória final.
O ópio dos intelectuais
Os crentes deste neomarxismo são majoritariamente
intelectuais. Os trabalhadores, afinal, fazem parte da realidade econômica dos
processos de produção e sabem que as promessas socialistas são completamente
insanas e insensatas. Em nenhum lugar do mundo o socialismo foi implantado em
decorrência de algum movimento trabalhista. Os trabalhadores nunca foram a
vanguarda do socialismo, mas sim suas principais vítimas.
Os líderes das revoluções sempre foram intelectuais, membros
da classe política, e militares. Cabia aos artistas e escritores ocultarem a
brutalidade dos regimes socialistas por meio de artigos, livros, filmes e
pinturas, e dar ao socialismo uma aparência estética moral, científica e
intelectual. Na propaganda socialista, o novo sistema sempre parece ser justo e
produtivo.
Os marxistas culturais acreditam que, futuramente, eles
serão os únicos detentores do poder, capazes de ditar às massas como viver,
como pensar, como se comportar e até o que comer. No entanto, uma grande
surpresa os espera: se o socialismo de fato vier, a “ditadura dos intelectuais”
será tudo, menos benigna - e nada muito diferente do que ocorreu após os
soviéticos tomarem o poder. Os intelectuais estarão entre as primeiras vítimas.
Foi isso, afinal, o que ocorreu na Revolução Francesa, a qual foi a primeira
tentativa de revolução pelos intelectuais. Várias das vítimas da guilhotina
eram proeminentes intelectuais que haviam inicialmente apoiado a revolução -
Robespierre entre eles. As revoluções sempre matam seus idealizadores.
Em sua peça “A Morte de Danton”, o dramaturgo Georg Büchner
famosamente colocou uma personagem para dizer: “Como Saturno, a revolução
devora seus filhos”. No entanto, seria mais apropriado dizer que a revolução
devora seus pais espirituais. Os intelectuais que hoje promovem o marxismo
cultural serão os primeiros da fila do cadafalso caso seu projeto de poder
tenha êxito.
Conclusão
Contrariamente ao que Marx acreditava, a história não está
pré-determinada. A longa marcha gramsciana da conquista das instituições
culturais e sociais ocorreu, mas ainda não se consumou por completo. Ainda há
tempo de oferecer resistência. E ela já está ocorrendo.
Para contra-atacar, é necessário apontar a inerente fraqueza
do marxismo cultural. Na medida em que os neomarxistas alteraram o marxismo
clássico e eliminaram seus pilares básicos (o aprofundamento da
proletarianização, o determinismo histórico, e o colapso total do capitalismo),
o movimento se tornou ainda mais utópico do que o próprio socialismo original.
Como sucessores da Nova Esquerda, os “socialistas
democráticos” atuais propagam uma miscelânea de posições contraditórias. Dado
que o caráter deste movimento é o de promover conflitos de grupos, o neomarxismo
é ineficaz para servir como instrumento de obtenção de um poder político
coerente necessário para uma ditadura.
No entanto, isso não significa que o movimento neomarxista
não terá impactos. Ao contrário: por causa de suas inerentes contradições, a
ideologia do marxismo cultural é a principal fonte de confusão que atingiu
praticamente todos os segmentos das atuais sociedades ocidentais, e a qual
ainda pode crescer e atingir proporções perigosas.