São Paulo, 1994. Eu estava na casa que servia para a
produção dos programas de televisão da campanha de Lula. Com o Plano Real,
Fernando Henrique passara à frente, dificultando e confundindo a nossa
campanha.
Nesse contexto, deixei trabalho e família no Rio e me
instalei na produtora de TV, dormindo em um sofá, para tentar ajudar. Lá pelas
tantas, recebi um presente de grego: um grupo de apoiadores trouxe dos Estados
Unidos um renomado marqueteiro, cujo nome esqueci. Lula gravava os programas,
mais ou menos, duas vezes por semana, de modo que convivi com o americano
durante alguns dias sem que ele houvesse ainda visto o candidato.
Dizia-me da importância do primeiro encontro, em que
tentaria formatar a psicologia de Lula, saber o que lhe passava na alma, quem
era ele, conhecer suas opiniões sobre o Brasil e o momento da campanha, para
então propor uma estratégia. Para mim, nada disso fazia sentido, mas eu não
queria tratá-lo mal. O primeiro encontro foi no refeitório, durante um almoço.
Na mesa, estávamos eu, o americano ao meu lado, Lula e o
publicitário Paulo de Tarso em frente e, nas cabeceiras, Espinoza (segurança de
Lula) e outro publicitário brasileiro que trabalhava conosco, cujo nome também
esqueci. Lula puxou conversa: “Você esteve preso, não é Cesinha?” “Estive.”
“Quanto tempo?” “Alguns anos...”, desconversei (raramente falo nesse assunto).
Lula continuou: “Eu não aguentaria. Não vivo sem boceta”.
Para comprovar essa afirmação, passou a narrar com fluência
como havia tentado subjugar outro preso nos 30 dias em que ficara detido.
Chamava-o de “menino do MEP”, em referência a uma organização de esquerda que
já deixou de existir. Ficara surpreso com a resistência do “menino”, que
frustrara a investida com cotoveladas e socos.
Foi um dos momentos mais kafkianos que vivi. Enquanto ouvia
a narrativa do nosso candidato, eu relembrava as vezes em que poderia ter sido,
digamos assim, o “menino do MEP” nas mãos de criminosos comuns considerados
perigosos, condenados a penas longas, que, não obstante essas condições, sempre
me respeitaram.
O marqueteiro americano me cutucava, impaciente, para que eu
traduzisse o que Lula falava, dada a importância do primeiro encontro. Eu não
sabia o que fazer. Não podia lhe dizer o que estava ouvindo. Depois do almoço,
desconversei: Lula só havia dito generalidades sem importância. O americano
achou que eu estava boicotando o seu trabalho. Ficou bravo e, felizmente,
desapareceu.
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