Hoje meu entendimento é outro, mas não tenho do que me
arrepender. Isso porque — como diz o Nelsinho Motta, em uma linda canção — nada
do que foi será de novo do jeito que já foi um dia: a vida vem em ondas como o
mar!
Vivo a repetir que os textos da Constituição e das leis são
uma coisa e as normas deles extraídas outra, as duas distintas entre si. Isso
porque a norma é expressão do texto normativo no quadro da realidade,
exatamente no momento em que a Constituição e as leis estiverem sendo
aplicadas.
Eis um exemplo do qual costumo me valer: nosso Código Penal,
de 1940, tipifica como crime o atentado público ao pudor; daí que uma mulher
que em 1943 fosse à praia ou à piscina de maiô de duas peças, cavado, seria
perseguida pela polícia; bem ao contrário, uma mulher que hoje lá vá de topless
— não a mesma mulher! — não será importunada.
As normas jurídicas são a expressão dos textos normativos
dos quais extraídas no quadro da realidade, aqui e agora.
Não dependo de juristas para me explicar. Além de recorrer
ao Nelsinho Motta, vou agora a outro que também não era um deles, o general
Charles de Gaulle.
A Constituição — dizia ele em seu “Discours et messages”,
edição da Plon em 1970, página 453 — é um envelope. O que está contido dentro
dela surge no e do dinamismo da vida político-social. Quem aplica os textos
normativos há de ser capaz de apreender esse dinamismo. E de modo tal que,
ainda que não tenha consciência disso, o movimento da realidade o conduzirá a
essa apreensão. Esses textos, da Constituição e das leis — repito —, apenas
adquirem força normativa na medida em que as normas jurídicas estejam sendo
cotidianamente reconstruídas pelos juízes e tribunais.
Por isso hoje, aqui e agora, no mundo cá onde estou —
resistindo à tentação de defender a prisão imediata, a partir das decisões
monocráticas dos juízes em primeira instância! — não me arrependo do passado e
me sinto feliz com a decisão daquele tribunal onde estive a trabalhar por
alguns anos, decisão que reafirma a jurisprudência da constitucionalidade da
prisão em segunda instância. Cada coisa a seu tempo, qual se lê no Eclesiastes
3:1.
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