Graças à coragem de
juízes e promotores está se perseguindo o grande inimigo latino: a corrupção
A entrada de Lula, ex-presidente do Brasil, em uma prisão de
Curitiba para cumprir uma pena de doze anos de cadeia por corrupção deu origem
a grandes protestos organizados pelo Partido dos Trabalhadores e homenagens de
governos latino-americanos tão pouco democráticos como os da Venezuela e da
Nicarágua, o que era previsível. Mas menos do que o fato de muita gente
honesta, socialistas, social-democratas e até liberais considerarem que foi
cometida uma injustiça contra um ex-mandatário que se preocupou muito em
combater a pobreza e realizou a proeza de tirar, ao que parece, aproximadamente
30 milhões de brasileiros da miséria quando esteve no poder.
Os que pensam assim estão convencidos, pelo visto, de que
ser um bom governante tem a ver somente com realizar políticas sociais
avançadas e que isso o exonera de cumprir as leis e agir com probidade. Porque
Lula não foi preso pelas boas coisas que fez durante seu governo, mas pelas
ruins, e entre essas se encontra, por exemplo, a gigantesca corrupção na
empresa estatal Petrobras e suas empreiteiras que custou à sofrida população
brasileira nada menos do que dez bilhões de reais (desses, 7 bilhões em
propinas).
Quem pensa tão bem de Lula, aliás, se esquece do feio papel
de leva e traz que ele representou como emissário e cúmplice em várias
operações da Odebrecht – no Peru, entre outros países – corrompendo com milhões
de dólares presidentes e ministros para que favorecessem a transnacional com
bilionários contratos de obras públicas.
É por essa razão e outros casos que Lula tem não só um, mas
sete processos por corrupção em andamento e que dezenas de seus colaboradores
mais próximos durante seu governo, como João Vaccari Neto e José Dirceu, seu
chefe de Gabinete, tenham sido condenados a longas penas de prisão por roubos,
esquemas ilícitos e outras operações criminosas. Entre as últimas acusações que
pendem sobre sua cabeça está a de ter recebido da construtora OAS, em troca de
contratos públicos, um apartamento de três andares em Guarujá.
Os protestos pela prisão de Lula não levam em consideração
que, desde que ocorreu a grande mobilização popular contra a corrupção que
ameaçava asfixiar todo o Brasil, e em grande parte graças à coragem dos juízes
e promotores liderados por Sérgio Moro, juiz federal de Curitiba, centenas de
políticos, empresários, funcionários e banqueiros foram presos ou estão sendo
investigados e têm processos abertos. Mais de cento e oitenta já foram
condenados e várias dezenas deles o serão em um futuro próximo.
Jamais algo parecido havia ocorrido na história da América
Latina: um levante popular, apoiado por todos os setores sociais que, partindo
de São Paulo, se estendeu depois por todo o país, não contra uma empresa, um
político, mas contra a desonestidade, a enganação, os roubos, as propinas, toda
a enorme corrupção que gangrenava as instituições, o comércio, a indústria, a
atividade política, em todo o país. Um movimento popular cuja meta não era a
revolução socialista e derrubar um governo, mas a regeneração da democracia,
que as leis deixassem de ser coisa sem importância e fossem verdadeiramente aplicadas,
a todos por igual, ricos e pobres, poderosos e pessoas comuns.
O extraordinário é que esse movimento plural encontrou
juízes e promotores como Sérgio Moro, que, encorajados por essa mobilização,
lhe deram uma via judicial, investigando, denunciando, enviando à prisão
diversos executivos, comerciantes, industriais, políticos, autoridades, homens
e mulheres de todas as condições, mostrando que é realizável, que qualquer país
pode fazê-lo, que a decência e a honestidade são possíveis também no Terceiro
Mundo se existe a vontade e o apoio popular para isso. Cito sempre Sérgio Moro,
mas seu caso não é único, nesses últimos anos vimos no Brasil como seu exemplo
foi seguido por incontáveis juízes e promotores que se atreveram a enfrentar os
supostos intocáveis, aplicando a lei e devolvendo pouco a pouco ao povo
brasileiro uma confiança na legalidade e na liberdade que quase havia perdido.
Há muitos brasileiros admiráveis; grandes escritores como
Machado de Assis, Guimarães Rosa e minha querida amiga Nélida Piñon; políticos
como Fernando Henrique Cardoso, que, durante sua presidência, salvou a economia
brasileira da hecatombe e fez um modelo de governo democrático, sem jamais ser
acusado de uma ação digna de punição; e atletas e esportistas cujos nomes correram
o mundo. Mas, se eu precisasse escolher um deles como modelo exemplar ao
restante do planeta, não hesitaria um segundo em eleger Sérgio Moro, esse
modesto advogado natural do Paraná que, após se formar em advocacia, entrou na
magistratura na oposição em 1996. Como já confessou, o que aconteceu na Itália
nos anos noventa, a famosa Operação Mãos Limpas, lhe deu as ideias e o
entusiasmo necessário para combater a corrupção em seu país, utilizando
instrumentos parecidos aos dos juízes italianos da época, ou seja, a prisão
preventiva, a delação premiada em troca da redução da pena e a colaboração da
imprensa. Tentaram corrompê-lo, obviamente, e sem dúvida é um milagre que ainda
esteja vivo, em um país onde os assassinatos políticos infelizmente não são uma
exceção. Mas lá está, fazendo parte do que vem sendo uma verdadeira, apesar de
ninguém ainda a ter nomeado assim, revolução silenciosa: o retorno da
legalidade, o império da lei, em uma sociedade que a corrupção generalizada
estava desintegrando e impedindo-o de passar de ser o “grande país do futuro”
que sempre foi a ser o grande país do presente.
O grande inimigo do progresso latino-americano é a
corrupção. Ela faz estragos nos governos de direita e esquerda e um enorme
número de latino-americanos chegou a se convencer de que ela é inevitável, algo
como os fenômenos naturais contra os quais não há defesa: os terremotos, as
tempestades, os raios. Mas a verdade é que a defesa existe e justamente o
Brasil está demonstrando que é possível combater a corrupção, se existirem
juízes e promotores corajosos e responsáveis e, claro, uma opinião pública e
imprensa que os apoiem.
Por isso é bom, para a América Latina, que homens como
Marcelo Odebrecht e Lula tenham sido presos após ser processados, recebendo
todos os direitos de defesa que existem em um país democrático. É muito
importante mostrar em termos práticos que a Justiça é igual para todos, os
pobres diabos do povo que são a imensa maioria, e os poderosos que estão no
topo graças ao seu dinheiro e seus cargos. E são justamente esses últimos que
têm maior obrigação moral de obedecer às leis e mostrar, em sua vida diária,
que não é preciso transgredi-las para ocupar as posições de prestígio e poder
que obtiveram, que elas são possíveis dentro da legalidade. É a única forma de
uma sociedade acreditar nas instituições, repelir o apocalipse e as fantasias
utópicas, sustentar a democracia e viver com a sensação de que as leis existem
para protegê-la e humanizá-la cada dia mais.
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